Que se inicie o ano com o grito de Lula livre!!!!!
Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Um poema de Mar Becker
Nasci sem olhos
sem língua
com uma cascata de nadas pulsando
no sangue
vejo o mundo por olhos alheios
canto numa língua que herdamos
e sentidos catados nas ruas
caveiras programadas
à sombra da noite transparente.
*
Calçamento de pedras desoladas
da lua
costura de vozes e sombras
nos santos surdos de pedra –
onde falamos.
*
Atrás dos cogumelos de madeira
molhados de sereno –
uma silhueta sem rosto
vela meu sono.
Mar Becker
Réquiem para un país asesinado
No les hablo de un país
Nacido de sueños y quimeras
Les hablo de uma tierra
De barro y resistencia
Con efímeros palacios amassados
De sangre y lágrimas
Con el fuego del cielo
Un duro sol
Sobre la cabeza
De mañanas calmas
Barnabé Laye – Benin
A luz oblíqua
A luz oblíqua da tarde
Morre e arde
Nas vidraças
Nas coisas nascem fundas taças
Para a receber,
E ali eu vou beber.
A um canto cismo
Suspensa entre as horas e um abismo
A vibração das coisas cresce.
Cada instante
No seu secreto murmurar é semelhante
A um jardim que verdeja e que floresce.
Sophia de Mello Breyner Andresen
sexta-feira, 21 de dezembro de 2018
Leituras
Confira no blog da Editora TextoTerritório as leituras de poemas da grande poeta portuguesa.
TextoTerritório
Sophia de Mello Breyner Andresen
terça-feira, 18 de dezembro de 2018
Nicanor Parra
A MONTANHA RUSSA
Durante meio século
A poesia foi
O paraíso do bobo solene.
Até que cheguei eu
E me instalei com minha montanha russa.
Subam, se quiserem.
Claro que não me responsabilizo se descerem
Botando sangue pela boca e pelo nariz.
(Tradução: Carlos Machado)
LA MONTAÑA RUSA
Durante medio siglo
La poesía fue
El paraíso del tonto solemne.
Hasta que vine yo
Y me instalé con mi montaña rusa.
Suban, si les parece.
Claro que yo no respondo si bajan
Echando sangre por boca y narices.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
pedra da georgia
1
O
nariz não cheirou as plantas dos hippies da Califórnia. Buscava outras coisas
naquela cidade. Possuía um pequeno galpão no qual a maresia cedia lugar ao
cheiro psicodélico das imagens abandonadas. Enxergava seu dedão que se deixara
ficar em Nova Iorque, as pernas oblíquas à procura de um corpo ou de um
significado oculto nas ruas dos subúrbios do Rio de Janeiro. Os cheiros tinham às
vezes o das sarjetas, às vezes o do chumbo ou dos corpos destroçados no Vietnã.
Ainda estaria por plantar um de seus dedos queimados pelo cheiro de Hiroshima e
Nagasaki. O que mais o impressionara fora então aquele que não se explicava
quando os navios fundeados na baía forçaram primeiro a deposição dos
presidentes eleitos da AL, e dos corpos que se debatiam no fundo do mar,
amarrados por pedras, atirados fora como se cães macilentos e doentes como a
baleia.
sábado, 15 de dezembro de 2018
estudo para êxodo de lasar segall
minha última palavra
abeira lagos
um cadáver boia
aos abraços
quando deveriam ser vários
os ali mergulhados
em amor aberto
ante os ritos sumários
sexta-feira, 14 de dezembro de 2018
estudo para autorretrato de lucian freud
nos festejos
dos andrajos
de um esconso
ecoo
saltam corpos
reflexos
aos poucos
assomam
ao centro do
oco
as muxibas de
um colo
em enfeite
de peles
roncas e o
desafio
do homem em
ruínas
(oswaldo
martins)
segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
os fragmentários
1
pratos servem para que se
cuspa em solidões enormes
2
o ano ruim deve ser espargido
com arruda e sal grosso
3
se houve mulheres
num barco no meio do mar
quem as houve em tempestade
tocou o abismo das fossas sublimes
de kant
4
sendo o tempo uno
o tempo que para mim é
constrói um tempo que nega
do próprio tempo o tempo não-é
5
viver o impacto da consciência
é não sucumbir ante a cicuta e a cruz
negar-se ao exílio e à mentira
é antes saber-se cego e
justo como o rei antigo
não abandonar tebas
sábado, 8 de dezembro de 2018
Melhores livros de 2018
Recomendação de livros em 2018
Romance e conto
1 Me. Gwyn – Alessandro Barico
2 Amsterdam- Ian McEwan
3 Dicionário de línguas imaginárias – Olavo Amaral
4 A bela senhora Seidenman – Andrzej Szczypiorski
5 O galo de ouro – Juan Rulfo
6 A valise do professor – Hiromi Kawakami
7 Não me abandone Jamais – Kazuo Ishiguro
8 A vida escolar de Jesus – J. M. Coetzee
9 As formigas da estação de Berna – Bernard Comment
10 Contos – O. Henry
Poesia
1 oourodooutro – Alexandre Faria
2 Árvore de diana – Alejandra Pizarnik
3 Os trabalhos e as noites – Alejandra Pizarnik
4 Sutur – Cândido Rolim
5 Anexo de ecos – Carlos Ávila
6 Indícios flutuantes – Marina Tsvetáieva
7 Poemas – Wislawa Szymborska
8 Os pássaros brancos – W. B. Yates
9 Outro tempo = W.H. Auden
10 Obra poética – Sophia de Mello Breyner Andersen
Releituras
1 Em louvor da sombra – Junichiro Tanizaki
2 Dom Casmurro – Machado de Assis
3 Desonra – J. M. Coetzee
4 Pedro Páramo – Juan Rulfo
5 Marafa – Marques Rebelo
6 O rei de Havana – Juan Pablo Gutierrez
7 Febeapá – Stanislaw Ponte Preta
sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
desimitação de christian morgenstern
para eliane brum
no universo
do homem a palavra
se esquiva
irruptiva
um soldado
passa ao largo
com sua
baioneta
cutuca o
ventre de quem dorme
e diz tal
qual um papagaio
algumas
besteiras para apaziguar
de
incertezas o mundo
e lhe oferta
no coco uma bala
como se lhe
varassem laranjas
(oswaldo martins)
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
O Sutur de Cândido Rolim
Tempo
Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.
(Cândido Rolim)
Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.
(Cândido Rolim)
As definições da poesia
são várias, demandam uma série ininterrupta de percepções e inovações, que vão
desde o corte rítmico ao corte visual em proveito do sentido – nem sempre
tangível do poema. Em Sutur, o poeta Cândido Rolim apresenta, para além da
acuidade com que enxerga a realidade, uma densidade cujo desdobramento se dá na
forma com que trabalha seus poemas.
Se assíntota é linha que se aproxima indefinidamente de uma curva sem jamais cortá-la, a palavra do
poeta retransfigura a definição e nos entrega, mais que um modo de operação de
suas poesias, a definição que permite ao leitor buscar, nos cortes operados, um
sentido oculto que se desvelará na percepção do leitor como construção das
relações do espaço e do tempo. Senão veja-se:
Assíntota
linha que se
aproxima
indefinidamente de
uma curva sem
jamais
cortá-la
O isolamento dos verbos
aproximar e cortar, entre o curvo e o reto, acerca-se e dá destaque ao modo de
operação dos poemas do livro. Neste entre-lugar, o poema cria como que uma
terceira possibilidade que não é nem o curvo nem o reto, nem mesmo o modo de
operação do pôr o mundo a nu, mas o próprio do mundo repovoado. Essa técnica,
no sentido mesmo de arte, possibilita que se desdobrem inúmeros modos de
aproximação com o sentido e inaugure possibilidades inovadoras de participação
e confecção das suturas expostas pelo poeta.
Veja se, por exemplo,
este outro poema – sábado -, cuja ironia, cáustica, por sua mínima lírica, faz
retroceder toda constatação da ação humana a uma “qualidade negativa”
preenchida dos vazios em que a propulsão dos afetos não encontra respostas
afetivas, como se o sujeito da ação afetiva se permitisse um não-lugar à
satisfação dos desejos e o transmudasse em outro móbile que se conformasse, ao
sabor dos ventos, ao que possa ser apreendido como objeto do desejo. Em outras
palavras: o vazio a ser preenchido só se opera a partir da falta.
SÁBADO
Homens acariciam
carros
carros
O modo de operação dos
poemas vai se construindo aos poucos, complementando ao longo de todo o livro
esse primário dizer que faz com que a poesia de Cândido Rolim se mostre
necessária e pulsante frente a este mundo de construções falseadoras do real,
por ele mundo se contentar com a repetição do mesmo. Se o mundo opera com o
preenchimento dos vazios pela positividade dos sentidos, a falta desta
positividade, em Rolim, pressupõe seu preenchimento a partir dos desdobramentos
dos vazios em mais vazios; como os móbiles de Calder, a construção da poesia de
Sutur se mostra na configuração do momento de leitura. O que, aliás, é mais do
que necessário no panorama da literatura contemporânea.
Oswaldo Martins
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
O fruto / Die frucht
O fruto
Subia, algo subia, ali, do chão,
quieto, no caule calmo, algo subia,
até que se fez flama em floração
clara e calou sua harmonia.
Floresceu, sem cessar, todo um verão
na árvore obstinada, noite e dia,
e se soube futura doação
diante do espaço que o acolhia.
E quando, enfim, se arredondou, oval,
na plenitude de sua alegria,
dentro da mesma casca que o encobria
volveu ao centro original.
.
Die frucht
Das stieg zu ihr aus Erde, stieg und stieg,
und war verschwiegen in dem stillen Stamme
und wurde in der klaren Blüte Flamme,
bis es sich wiederum verschwieg.
Und fruchtete durch eines Sommers Länge
in dem bei Nacht und Tag bemühten Raum,
und kannte sich als kommendes Gedränge
wider den teilnahmsvollen Raum.
Und wenn es jetzt im rundenden Ovale
mit seiner vollgewordnen Ruhe prunkt,
stürzt es, verzichtend, innen in der Schale
zurück in seinen Mittelpunkt.
– Rainer Maria Rilke, em “Quatro Poemas Esparsos” (1924). In: Coisas e
anjos de Rilke – Augusto de Campos [organização e tradução].
sábado, 1 de dezembro de 2018
unha 1
Quando o dedão do pé nasceu, ficou
plantado no meio da sala. Talvez esperasse o resto do corpo vir aos pedaços.
Por pouco ficaria assombrando a memória de sua mãe, se ele não desse alguma serventia
ao que ainda lhe restava de vida. A unha encravada, o aspecto tenebroso daquele
menos que pé constituíram, meio que oracularmente, os percalços de sua vida. Depois
que o corpo veio se juntar ao dedo, JM passaria a vida inteira a buscar com a
obstinação dos atormentados um meio para fazer com que seu dedo, dedão, se
materializasse em todo seu esplendor, por isso o disseminou com o disfarce de
outras partes do corpo nos suportes que viria a utilizar.
Tateio
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
Hilda Hilst
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