Mil rosas roubadas, de
Silviano Santiago, editado pela Cia das Letras, constrói uma tensa narrativa
dos anos vividos, que não se conforma com os elogios de praxe. Ensina o
narrador que o fato vivencial só se completa quando dele se pode aproximar com
vigor e coragem. A narrativa da amizade, do amor e da cumplicidade, nesta
ordem, se desenvolve com a percepção crítica do próprio ato da escrita.
Ao negar-se o
narrador às delícias da compaixão e da nomeada, faz com que ressurjam do fundo
falso das narrativas transitivas o substrato da intransitividade com que se
compõem narrativa e vida. Neste sentido, permite ao leitor o mergulho nas
imposições do próprio fazer literário, permeando escolhas e metáforas que vão
sendo, ao longo do desenvolvimento do livro, redefinidas para açambarcar todo o
multifacetado de uma personalidade sempre em construção.
A própria tensão
exposta entre o biógrafo e biografado, entre Zeca e o professor, entre a morte
e a vida, constantemente troca de lado, num jogo cioso que pretende perseguir
os caminhos e descaminhos da vida. Entretanto, engana-se o leitor, que assim
segue a narrativa, quando pensa (ou é levado a pensar, machadianamente, diga-se
de passagem) que a vida que se desenrola na ficção de Silviano Santiago
signifique completude.
Se a vida que se
retrata no livro teve seu fim demarcado pela morte, a vida, ela mesma, ressurge
na sua completa incompletude, seja pelo fato de que Zeca a viveu desta maneira,
seja pelo fato de o biógrafo, emaranhado na vida do amigo e cumplice, apreender
também ele essa incompletude e dela participar antecipando a percepção crítica,
que o leva a um pungente, e não romântico, mergulho em si mesmo e nas
características que demarcaram suas escolhas mais pessoais.
Livro de
coragem, Mil rosas roubadas, é leitura
obrigatória para o leitor interessado nas perspectivas contemporâneas da
percepção do outro e das novas formas que a liberdade vem assumindo, sem que,
contudo, percam a mordacidade crítica e a capacidade de repensar a si mesmas a
cada nova voz que surge no cenário da diversidade humana.
(oswaldo
martins)
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