Mar Negro, de Dau Bastos, editado pela Ponteio, em 2014,
conta a história de Anderline, uma alagoana cuja feiura impede-a de ser aceita por
seus pares. A narrativa de diretriz dupla – a Alagoas malfadada e as não menos
malfadadas terras por onde passa até acostar-se nas margens do Mar Negro – vai aos
poucos demarcando seus territórios.
Desde a
apresentação do livro, percebe-se a dupla face do romance. A capa é ao mesmo
tempo livro e tela. A narrativa a ser lida manterá a duplicidade do personagem
que se conta com a consciência de ser e não ser, de quem se narra e é narrado. A
duplicidade do texto cria uma possibilidade de lê-lo como um palimpsesto que
hora deixa-se ficar no fundo da tela/livro, hora permite-se o desabrigo das
afirmações certeiras sobre o mundo. Misto de personagem e persona, Anderline
representa um continuo desdobrar-se. Da dobra original passa-se a outra e
outra. Muitas são as anderlines quanto diversas são as entradas que o romance
permite ao leitor.
O ritmo da
viagem de Anderline – que abandona a Alagoas das impossibilidades – vai se intensificando
e tem como ponto central os mesmos motivos do abandono. Mudam os cenários,
adquirem-se consciências que confirmam o motivo inicial do deslocamento da personagem.
O deslocamento assume, então, sua face oculta e se transforma em permanência. O
livro volta à tela e o périplo se mantém o mesmo e outro, sob o disfarce da
burca que esconde e revela o jogo social a que se deve – ou devemos nós,
leitores – seguir para que as expressões da vida se façam presentes e atuantes.
Os disfarces
burca/corpo, tela/livro, deslocamento/permanência permitem que se percebam em Mar Negro os ecos de nosso ficcionista maior e mestre
do disfarce social. Deve-se, pois, ler, com os cuidados devidos, as ironias plantadas
no romance pelo autor.
(oswaldo
martins)
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