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Carla Hirt: Baleada, agredida e acusada de formar
quadrilha, militante diz que foi difamada pela mídia e teme represálias
Luiz Carlos Azenha
Desde a noite do dia 17 de julho a geógrafa Carla Hirt,
integrante do Comitê Popular Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, vem vivendo
um pesadelo.
Primeiro, foi atingida por dois tiros de balas de borracha
durante manifestação na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Depois, foi presa sob acusação de formação de quadrilha,
apesar de desconhecer totalmente aqueles que foram presos junto com ela —
supostamente integrantes da mesma quadrilha.
Em seguida, Carla foi autuada como se tivesse sido presa na
rua Visconde de Pirajá, onde de fato aconteceram atos de vandalismo — quando,
assegura, foi presa na rua Redentor, 294, diante de um prédio intacto, de
fachada de vidro, onde ela e outros manifestantes se abrigaram justamente para
evitar os tiros da polícia.
Finalmente, no dia 25, o jornal O Globo publicou uma
reportagem ilustrada por uma foto que sugere que Carla e o marido dela, Igor,
agente da ABIN – Agência Brasileira de Inteligência — teriam sido flagrados em
atos de vandalismo.
Leiam a legenda.
Nem Carla, nem o marido aparecem na foto acima.
Ela não foi presa atirando pedras.
O marido nunca foi preso, nem nas ruas, nem na delegacia.
Igor foi à delegacia para socorrer Carla, que havia
telefonado para relatar que tinha sido ferida por uma bala de borracha e estava
a caminho da delegacia, presa.
O Globo fez mais: sugeriu no título que Carla e o marido
foram presos “participando de quebra-quebra”:
A notícia de O Globo foi replicada nas redes sociais e por
outros meios.
O jornal voltou ao assunto em outro texto, no qual destacou
que a ABIN faria uma investigação do caso.
Porém, a própria nota oficial da ABIN desmentia o jornal.
Primeiro, deixou claro que Carla não pertence aos quadros da
agência.
Depois, informou que o marido dela não estava infiltrado na
manifestação.
Finalmente, que Igor passava férias no Rio de Janeiro.
Na edição impressa, o diário direitista anunciou: “Vândalo
chapa-branca: Agente da Abin foi preso em protesto“. E fez trocadilho:
Igor Matela, o marido de Carla, escreveu um texto rebatendo
o jornal.
Enviou por e-mail a O Globo:
“Hoje fui surpreendido por uma reportagem da editoria Rio do
jornal O Globo que relata que eu e minha esposa, Carla Hirt, teríamos sido
presos por ações de vandalismo no dia 17/07 na sequencia do protesto em frente
à casa do governador Sérgio Cabral. Além disso, a reportagem afirma que eu e
minha esposa teríamos nos identificado como agentes da Abin, insinuando que
estávamos infiltrados e com outras intenções que não a livre manifestação
política.
Gostaria de informar que tal reportagem é difamatória, não
nos ouviu e publicou informações erradas que poderiam ser facilmente checadas
na própria 14 DP. Carla é professora e atualmente doutoranda no IPPUR/UFRJ. Foi
presa de forma arbitrária, agredida, baleada, acusada de formação de quadrilha
junto com outros rapazes que ela sequer conhece. A denúncia é tão absurda que o
Ministério Público indicou que não irá levar adiante, uma vez que a polícia não
conseguiu provas do crime.
No meu caso, é verdade que trabalho na Abin. Passei num
concurso público e sou um servidor federal como qualquer outro, submetido à lei
8.112. Tenho garantido minha livre manifestação política. Neste dia, não fui
preso. Quando Carla estava sendo abordada e já tinha sido ferida, conseguiu me
ligar.
Ouvi pelo telefone que estava sendo agredida e levada para a
delegacia. Corri para a DP e cheguei lá uns 30 minutos depois indignado, perguntando
pela minha esposa e questionando o abuso de autoridade da PM. Injustamente fui
acusado por desacato, numa situação que nada teve a ver com atos de vandalismo.
Me identifiquei com minha carteira de motorista e disse, quando a delegada que
questionou, que trabalhava na Abin. Em nenhum momento tentei usar isso para o
que quer que seja, pois se fosse assim teria sido autuado por abuso de
autoridade ou então teria sido liberado.
Tudo isso está nos registros de ocorrência da delegacia.
Esta história conspiratória está me causando muitos
prejuízos. Está ferindo minha honra e de minha esposa, me colocando em risco
por me associar com policiais infiltrados e está me trazendo problemas no
trabalho, onde posso sofrer um processo disciplinar.
Se quiserem ter referências sobre mim e sobre a Carla, sobre
nosso efetivo e honesto engajamento político, podem perguntar a várias pessoas:
professores do IPPUR/UFRJ (onde eu também curso mestrado), com o vereador
Eliomar Coelho que conhece bem a Carla, Comitê Popular da Copa e Olimpíadas,
Justiça Global, etc.
Gostaria de pedir que esta reportagem fosse retirada do site
do jornal, pois nossos nomes completos estão sendo expostos, causando um
prejuízo incomensurável para nós. Já estamos desmentindo a reportagem nas redes
sociais, recebendo muita solidariedade de todos. Mas gostaria que os senhores
também fizessem uma retratação.
Ciente de sua compreensão,
Atenciosamente,
Igor P. Matela“.
A foto acima foi feita no dia 23, pela fotógrafa Tahiane
Stochero, do G1. Ou seja, cinco dias depois de Carla Hirt ter sido baleada e em
seguida presa, nas ruas do Rio de Janeiro.
A geógrafa também escreveu uma carta sobre os
acontecimentos, antes da “denúncia” de O Globo:
“Prezados(as)
Tenho 28 anos, sou professora e faço doutorado no
IPPUR/UFRJ. Acompanho as manifestações pois acho importante o momento que
estamos vivendo, no qual inúmeras pessoas saíram da letargia e apatia que
caracterizou os últimos anos no Brasil.
Mando este relato sobre o que passei na noite de 17 de julho
de 2013, quando fui presa, agredida e acusada de formação de quadrilha junto
com mais 6 rapazes que não se conhecem entre si:
Neste dia 17 eu e mais alguns manifestantes fomos presos sob
a acusação de formação de quadrilha, pelo simples fato de termos corrido de 3
viaturas que entraram atirando na rua em que estávamos.
Não nos conhecíamos, e a polícia resolveu que éramos uma
“quadrilha” simplesmente por que nos abrigamos em frente a um prédio com
fachada de vidro, pois sabíamos que a chance de os policiais continuarem
atirando, em Ipanema/Leblon, em um prédio daqueles, seriam menores.
Eu fui baleada 2 vezes por balas de borracha (uma na perna e
outra na altura da cintura, que acertou a minha bolsa e quebrou minha máquina
fotográfica). Além disso fui agredida por um policial, e para não ser levada
para Bangu (!!!), precisei pagar 700$ de fiança (cada um dos membros da suposta
“quadrilha” também teve que pagar).
Fui liberada às 5:30 da manhã quase sem conseguir caminhar, com muita
vontade de chegar em casa, lavar o ferimento da perna (não tive atendimentos da
delegacia) e ver o tamanho do estrago.
Hoje, assistindo os noticiários, fiquei surpresa com a
quantidade de imagens que a mídia e a
polícia tinham dos atos que são, por eles, considerados de vandalismo. Alguns
videos tem cerca de 10 minutos.
Com tanto policial infiltrado (fáceis de identificar) e com
a polícia motorizada entrando à toda velocidade e atirando no meio dos
manifestantes, me pergunto: por que nenhuma daquelas pessoas filmadas não
estavam na delegacia e não foram presas?
Quando fui presa, havia um policial à paisana ajudando a
colocar-nos dentro dos camburões. Se a polícia tivesse mesmo tão interessada em
conter os atos de vandalismo, por que esses policiais à paisana estavam
seguindo pessoas que estavam longe da “confusão”?
Cabe ressaltar que a policia registrou que nos prendeu na
rua Visconde de Pirajá, sendo que eu fui presa na Redentor, 294. A intenção da
polícia é dizer que nos prendeu no meio de onde estavam quebrando bancos. A
sorte é que eu fiz registro de agressão policial (um policial me agrediu), e no
meu depoimento eu disse exatamente o endereço em que tudo aconteceu*.
Em vários momentos vi policiais mascarados e sem
identificação perseguindo, agredindo e enraivecendo os manifestantes (os mais
“inofensivos”). Os P2 em nenhum momento se ocuparam daqueles que eles chamam de
“vândalos” na TV.
Para mim, está claro que a intenção é amedrontar
manifestantes, deixar o “vandalismo” correr solto (incitando-o, inclusive),
para desqualificar os atos para que percam cada vez mais o apoio popular.
Meus colegas de “quadrilha” eram mais jovens do que eu,
entre 17 e 20 anos, de diferentes classes sociais e não se conheciam entre si.
Um perigo para a sociedade!
Eu nunca cometi crime algum, tampouco quebrei bancos ou seja
lá o que for. Participo do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas.
Lá, organizamos atos, manifestações, acionamos o MP, fazemos
denúncias em várias esferas, acompanhamos e documentamos as arbitrariedades que
ocorrem com a desculpa festiva dos megaeventos, etc (ex do nosso último
dossiê).
Nunca em nenhum ato organizado pelo comitê houve confronto
com a polícia ou atos classificados como vandalismo. Isso é um indício de que a
minha forma de participar das manifestações, seja colaborando com a
organização, ou simplesmente como manifestante, é pacífica.
Já fiz denuncia no Ministério Público [Nota do Viomundo: Ver
no pé do post a íntegra] e agora espero a defensoria pública (que parece estar
bem empenhada contra as recentes arbitrariedades policiais) para responder à
acusação.
Segue anexo um arquivo com cópia da denúncia ao MP, e fotos.
Atenciosamente,
Carla
* isso corrobora com essa (e outras) noticia tendenciosa:
que dá a entender que estávamos depredando as ruas (o que suspeitávamos que
aconteceria quando vimos que a policia disse que nos prendeu na rua Visconde de
Pirajá, e não na Redentor).
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Em sua página no Facebook, o Comitê Popular da Copa sugere
que a “denúncia” de O Globo, publicada uma semana depois dos acontecimentos,
foi baseada em informação fornecida ao repórter Antonio Werneck pelo
ex-deputado Marcelo Itagiba.
A página reproduziu a troca de mensagens entre os dois no
twitter (ver abaixo) na véspera da publicação da reportagem; no dia 25, Itagiba
diz, ao tuitar o texto que acusa o casal: “Minha informação no Globo”.
Informação, sustentam Carla e o marido, que era falsa.
*****
Ferida, presa, acusada pela polícia e difamada sem defesa na
mídia, Carla Hirt deixou de dormir em casa, por medo de retaliações.