A vida contemporânea reserva-nos surpresas. Desagradáveis surpresas. Lembro-me de que, quando cheguei ao Rio de Janeiro para fazer meus estudos, houve um episódio no mínimo anacrônico. Uma moça, nas decantadas areias de Ipanema, resolveu tirar a parte de cima de seu biquíni. Foi saudada pela misoginia dos que ali estavam, com apupos e vergonhosos areiaços. A moça teve seu direito de gozar de sua liberdade impedido pela ação de truculentos rapazes. Os anos eram os setenta. No início dos anos oitenta, alguns poetas, ao fazerem um manifesto pela erótica poética, foram presos quando desfilavam pela Cinelândia, nus – em sua nudez evocavam a nudez primordial da poesia. Acusados de atentado violento ao pudor e ao poder, foram postos fora de circulação. Não sei o nome deles, mas os conheci naquela época. Fizeram um poema que me ficou na memória e dizia que “para curar amor platônico / só mesmo um trepada homérica”.
A onda de moralismo, que toma conta da sociedade dos politicamente corretos, luta para castrar-nos a todos, homens, mulheres e homossexuais. A crença no casamento, nos amores incontestes, que se revela, na maioria das vezes não tem muito a ver com amor, mas com heranças e pensões. Com as vantagens que o sistema – ou o mercado dos amores – autorregulam (?) com gula e disposição famélica.
O comportamento humano – conforme afirma e reafirma o Saramago – sempre ficou a desejar. O comportamento de deus ou dos vários deuses, também. Mas hoje, deuses e homens se unem na imposição bestial de suas leis. De forma tão cruenta que buscam impedir que se atue; tentam vencer-nos com o descrédito, com a cabeça baixa, com o desacordo mudo. É necessário gritar – e alto.
Os carrascos têm nome, se apropriam dos conceitos que a modernidade criou para combater a mesmice, a lei e a afirmação positiva da vida, mesmo que com qualquer não que se encontre para resistir. Vanguardas viram retaguardas, a juventude assune posturas mais velhas do as que os idosos se permitem, e, quando discorda, se cala. Empresas, em nome da sobrevida de si mesmas, fazem reengenharias demissionárias e cruéis. Os funcionários se calam e passam a viver num círculo em que a raiva cega e a depressão os alija da vida. A classe média e alta dos condomínios e mansões espancam mulheres indefesas no meio da rua, depois dizem que as tomaram por prostituta. Escondem-se os poetas, numa egolatria própria a românticos escritores, quando não, e pior, nas falsas ousadias de estilo que caracterizaram nosso triste parnasianismo, como o diz Antônio Cândido, ao analisar a poesia realista.
O aluvião conservador e fascista – aprenderam bem com os nazistas ao fazerem calar um povo – fecha o cerco. As moças devem andar à roda com roupas comportadas, senão podem ser vitimadas por duplo preconceito e podem acabar sendo espancadas em plena universidade, como se na rua estivessem, recostadas aos postes da cidade. Devem esses jovens proteger suas virgindades pelo amor do pai e medo da aids.
Alguém deve ensinar-lhes que a vida sem prazer é mero enfeite do nada, ensinar lhes que contrapor-se aos pais é um dever da idade. Mas preferem – ó assassinos frios – apontar-lhes doenças, transtornos de comportamento, tods, teds. Que fiquem quietos e ouçam o rugir das tempestades sem que dela possam participar.
Alguém deve ensinar-lhes que as prostitutas não são a reencarnação dos demônios, mas dos desejos reprimidos de que têm medo; ensinar-lhes que os órgãos sexuais não existem para apenas perpetuar a espécie, mas para causar prazer e dor – a infinita dor reservada às coisas naturais que são perecíveis, como nós e o mundo que criamos e o incomensurável prazer que ilude essa própria finitude. Ensinar-lhes que devemos respeito àquelas e àqueles que se despem, pois causam alegria aos olhos, satisfação aos desejos e porque, sobretudo, desarrumam a ordem, nos impõem mudanças de comportamento e nos tornam ávidos sequiosos de vida.
Quem incutiu tamanho medo nesses jovens? O episódio da UNIBAN merece não apenas perplexidade, mas ira. A ira bastante para cuspir-lhes na cara. Como o mereceram os francos, os salazares, os stalins, os hitlers e toda a caterva dos ditadores latino-americanos.
(oswaldo martins)
A onda de moralismo, que toma conta da sociedade dos politicamente corretos, luta para castrar-nos a todos, homens, mulheres e homossexuais. A crença no casamento, nos amores incontestes, que se revela, na maioria das vezes não tem muito a ver com amor, mas com heranças e pensões. Com as vantagens que o sistema – ou o mercado dos amores – autorregulam (?) com gula e disposição famélica.
O comportamento humano – conforme afirma e reafirma o Saramago – sempre ficou a desejar. O comportamento de deus ou dos vários deuses, também. Mas hoje, deuses e homens se unem na imposição bestial de suas leis. De forma tão cruenta que buscam impedir que se atue; tentam vencer-nos com o descrédito, com a cabeça baixa, com o desacordo mudo. É necessário gritar – e alto.
Os carrascos têm nome, se apropriam dos conceitos que a modernidade criou para combater a mesmice, a lei e a afirmação positiva da vida, mesmo que com qualquer não que se encontre para resistir. Vanguardas viram retaguardas, a juventude assune posturas mais velhas do as que os idosos se permitem, e, quando discorda, se cala. Empresas, em nome da sobrevida de si mesmas, fazem reengenharias demissionárias e cruéis. Os funcionários se calam e passam a viver num círculo em que a raiva cega e a depressão os alija da vida. A classe média e alta dos condomínios e mansões espancam mulheres indefesas no meio da rua, depois dizem que as tomaram por prostituta. Escondem-se os poetas, numa egolatria própria a românticos escritores, quando não, e pior, nas falsas ousadias de estilo que caracterizaram nosso triste parnasianismo, como o diz Antônio Cândido, ao analisar a poesia realista.
O aluvião conservador e fascista – aprenderam bem com os nazistas ao fazerem calar um povo – fecha o cerco. As moças devem andar à roda com roupas comportadas, senão podem ser vitimadas por duplo preconceito e podem acabar sendo espancadas em plena universidade, como se na rua estivessem, recostadas aos postes da cidade. Devem esses jovens proteger suas virgindades pelo amor do pai e medo da aids.
Alguém deve ensinar-lhes que a vida sem prazer é mero enfeite do nada, ensinar lhes que contrapor-se aos pais é um dever da idade. Mas preferem – ó assassinos frios – apontar-lhes doenças, transtornos de comportamento, tods, teds. Que fiquem quietos e ouçam o rugir das tempestades sem que dela possam participar.
Alguém deve ensinar-lhes que as prostitutas não são a reencarnação dos demônios, mas dos desejos reprimidos de que têm medo; ensinar-lhes que os órgãos sexuais não existem para apenas perpetuar a espécie, mas para causar prazer e dor – a infinita dor reservada às coisas naturais que são perecíveis, como nós e o mundo que criamos e o incomensurável prazer que ilude essa própria finitude. Ensinar-lhes que devemos respeito àquelas e àqueles que se despem, pois causam alegria aos olhos, satisfação aos desejos e porque, sobretudo, desarrumam a ordem, nos impõem mudanças de comportamento e nos tornam ávidos sequiosos de vida.
Quem incutiu tamanho medo nesses jovens? O episódio da UNIBAN merece não apenas perplexidade, mas ira. A ira bastante para cuspir-lhes na cara. Como o mereceram os francos, os salazares, os stalins, os hitlers e toda a caterva dos ditadores latino-americanos.
(oswaldo martins)