A visão de mundo que aparece nas últimas obras de Freud revela mais de uma analogia com o pensamento dos trágicos gregos. De certa maneira, trata-se de uma volta a alguma coisa que esteve sempre presente em seu espírito e que alentou e guiou suas primeiras investigações. Édipo, Orestes e Electra reaparecem, mas já não são os pálidos símbolos da família burguesa. Édipo volta a ser o homem que luta contra os fantasmas de sua fatalidade. O nome dessa fatalidade não é, ao menos exclusivamente, Jocasta. Não sabemos seu verdadeiro nome; talvez se chame civilização, história , cultura: algo que alternadamente faz e desfaz o homem. Édipo não é um doente porque sua doença é constitucional e incurável. Nela reside sua humanidade. Viver será conviver com nossa doença, dela ter consciência, transformá-la em conhecimento e ato. Nossos males são imaginários e reais porque a realidade, ela própria, é dupla – presença e ausência, corpo e imagem. A realidade, a vida e a morte, o erotismo, enfim, apresenta-se sempre com uma máscara fantasmagórica. Essa máscara é o nosso verdadeiro rosto. Seus traços são o resumo de nosso destino: não a paz, mas a luta, o abarco dos contrários.
A visão trágica de Freud brilha em muitas de suas páginas. Brilha e desaparece. Depois de entreabrir certos abismos e nos mostrar conflitos insolúveis, ele se retira à prudente reserva do homem de ciência. A ironia recobre a ferida. Estas reticências – feitas tanto de modéstia de sábio como de desdém pelos homens – talvez expliquem as sucessivas deformações e mutilações que sofreu seu pensamento. Muitos de seus herdeiros, especialmente nos Estados Unidos, esquecem sua crítica à civilização e reduzem seu ensinamento a um método de adaptação dos doentes à vida social. Aceitam o terapeuta, mas ignoram o filósofo e o poeta. As oscilações de seu pensamento explicam, mas não justificam essas simplificações. Contra esse esquecimento – mais que um esquecimento, uma mutilação – insurgiram-se alguns psicólogos, como Erich Fromm, que recentemente tentou construir uma ponte entre a psicanálise e o socialismo. Ao restringir dentro da psicanálise a crítica à civilização, muitos discípulos de Freud dão como certo que as instituições que nos regem são ‘saudáveis’, ou seja, representam a normalidade à qual se deve ajustar o indivíduo. A psicanálise se transforma de método de libertação em instrumento de hipócrita opressão. Freud descrevera os valores como quimeras; agora as ilusões se tornam reais e os desejos, ilusões. Com muita razão Freud observa que adaptar o paciente a uma civilização doente e podre até os ossos não é curá-lo, mas agravar seus males, convertê-lo num incurável.
(Octavio Paz)
A visão trágica de Freud brilha em muitas de suas páginas. Brilha e desaparece. Depois de entreabrir certos abismos e nos mostrar conflitos insolúveis, ele se retira à prudente reserva do homem de ciência. A ironia recobre a ferida. Estas reticências – feitas tanto de modéstia de sábio como de desdém pelos homens – talvez expliquem as sucessivas deformações e mutilações que sofreu seu pensamento. Muitos de seus herdeiros, especialmente nos Estados Unidos, esquecem sua crítica à civilização e reduzem seu ensinamento a um método de adaptação dos doentes à vida social. Aceitam o terapeuta, mas ignoram o filósofo e o poeta. As oscilações de seu pensamento explicam, mas não justificam essas simplificações. Contra esse esquecimento – mais que um esquecimento, uma mutilação – insurgiram-se alguns psicólogos, como Erich Fromm, que recentemente tentou construir uma ponte entre a psicanálise e o socialismo. Ao restringir dentro da psicanálise a crítica à civilização, muitos discípulos de Freud dão como certo que as instituições que nos regem são ‘saudáveis’, ou seja, representam a normalidade à qual se deve ajustar o indivíduo. A psicanálise se transforma de método de libertação em instrumento de hipócrita opressão. Freud descrevera os valores como quimeras; agora as ilusões se tornam reais e os desejos, ilusões. Com muita razão Freud observa que adaptar o paciente a uma civilização doente e podre até os ossos não é curá-lo, mas agravar seus males, convertê-lo num incurável.
(Octavio Paz)
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