segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Poesia marroquina Tahar Ben Jelloun


Sou um menino que zomba da inocência

Fui nutrido com o leite da esfinge
e cedo carreguei uma aranha no fígado em voz baixa

Gerei a cidade das trevas humilhadas
e voltado para mim mesmo
serpente sem cabeça, fiel ao sol

Provoquei o astro obsceno do mestre e do Imã
e o maculei de sangue no pátio dos milagres
o astro das areias que se apagou pela manhã
e me deparei com o Livro ao contrário

Tomei o trem para fomentar as turvações na água estagnada
do sono ancestral
sacudi os carvalhos
e vi a morte rir escondido diante do espetáculo das cabeças que caíam

Minha voz rompida parava no esboço desesperado da ausência
palavra anulada
quando nossas mães nos carregavam nas costas
nos campos e até o cemitério
nossas mães resignadas procuravam em nós a infância

Nus em nossa solidão
fazíamos buracos no asfalto
até o dia em que o tempo parou na ponta do nosso despertar.

(JELLOUN, Tahar Ben.  As cicatrizes do Atlas.  Seleção, tradução e introdução de Cláudia Falluh Balduino Ferreira.  Brasília, DF: Editora UnB, Fundação Universidade de Brasília, 2003. 70 p.)


Je suis un enfant qui se moque de l'innocence

J'ai été nourri au lait du sphinx
et tôt porté l'araignée dans le foie à voix basse

J'ai engendré la ville des ténèbres humiliées
et tourné sur moi-même
serpent sans tête fidèle au soleil

J'ai provoqué l'astre obscène du maître et de l'Imam
et l'ai entaché de sang dans la cour des miracles
l'astre des sables qui s'est éteint au matin
et me suis retrouvé avec le Livre à l'envers
  
J'ai pris le train pour fomenter des troubles dans l'eau stagnante
du sommeil ancestral
j'ai secoué des chênes
et j'ai vu rire la mort voilée devant le spectacle des têtes
qui tombaient

Ma voix rompue s'arrêtait en tracé désespéré de l'absence
nulle la parole
quand nos mères nous portaient sur le dos
dans les champs
et jusqu'au cimetière

nos mères résignées cherchaient en nous l'enfance
Nus dans notre solitude
nous faisions des trous dans l'asphalte
jusqu'au jour où le temps s'arrêta sur la pointe de notre réveil.

(JELLOUN, Tahar Bem)

Nenhum comentário:

Postar um comentário