Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
sábado, 30 de março de 2019
sexta-feira, 29 de março de 2019
geografia impessoal
não desço mais a pires
embora a rua permaneça
com o lixo nas calçadas
os buracos os abismos
na certa haverá um busto
à praça e ao abandono
até que ao descerem a rua
derrubem a cabeça oca
onde mijarão os cães
e – do caos à lucidez
de uma forja desatada
a vir – a rua escura
há de cobrir o espanto
com um vaso de gerânio
oswaldo martins
quarta-feira, 27 de março de 2019
FALAM, CONVERSAM O MUNDO
Para Arnaldo Santos e José Luandino
Vieira,
Meninos Mais-Velhos dos Pássaros e dos
Rios,
na celebração dos seus 80 anos de Vida e
Poesia
Falam,
conversam o mundo.
E do segredo mínimo
das águas – correndo,
ascende o brilho
do ouro submerso.
Estão sentados no fogo antigo
da Terra – escavam,
retiram as palavras
do seu estado larvar,
atam seus cordões umbilicais a ventres
inaugurais e púberes:
− A palavra,
dizem: procura-a
na concha do ouvido.
Que ela cante – expedita e natural.
Estão sentados no fogo antigo
da Terra – a voz é o seu poder
e bordão:
caligrafia aérea e cantante
insculpida no sangue e sua dança
− batendo, fluindo, sustentando
a escultural melodia da Terra:
de geração em geração: o mundo,
nosso – canto,
poema.
E que a palavra seja –
modelando-se por águas noctívagas,
iluminadas,
ao rés do vento: epopeia breve
− que o tempo alonga,
acrescenta,
rememora – a voz.
E estas mãos:
sua inumerável herança.
8.9.2012-29.7.2013
ZETHO CUNHA GONÇALVES
In: Noite Vertical. Lisboa: Língua Morta, 2017.
quarta-feira, 20 de março de 2019
duas oswaldianas
1.
Dum país que possui a maior reserva de ferro e o mais alto
potencial hidráulico, fizeram um país de sobremesa. Café, açúcar, fumo, bananas.
2
Tinha havido a inversão de tudo,
a invasão de tudo: o teatro de base e a luta no palco entre morais e imorais. A
tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e
dourados como Corpus Juris.
segunda-feira, 18 de março de 2019
Leitura 03 2019
Livros:
1 – Relato de um certo oriente – Milton Hatoum
2 – Os sinos da agonia – Autran Dourado
Os
encontros objetivam colocar em circulação ideias e discussões sobre romances
clássicos e contemporâneos da Literatura Universal e Brasileira. Serão quatro
encontros semanais, com duas aulas dedicadas ao estudo de um dos livros
selecionados, da sua época, do significado literário e filosófico em que se
inserem os autores. Os livros selecionados para o novo ciclo de leituras
críticas são RELATO DE UM CERTO ORIENTE, do premiado escritor manauara, Milton
Hatoum e o livro, OS SINOS DA AGONIA, do clássico mineiro, Autran Dourado.
O
livro de Hatoum, a partir da imigração árabe para o Brasil, busca reconstituir,
através de relatos, a vida, a memória e a formação das personagens, muitas
vezes os relatos retomam os mesmos motivos a partir de diversos pontos de vista.
O Livro de Autran Dourado, construído com o rigor que marca a obra do escritor
mineiro, traz também a marca da diversidade de pontos de vista. A estrutura obedece
à estrutura da tragédia grega e o romance busca reconstituir, no período
barroco mineiro, a percepção de uma ética ligada à afirmação das percepções
humanas.
Programação:
09/04 – Relatos de um certo oriente –
Hatoum.
Apresentação
do romance e estudo das linhas gerais da construção romanesca, problematização
do narrador. A construção dos diversos ponto-de-vista.
16/04 – Relatos de um certo oriente –
Hatoum.
Memória
e ficção. Os problemas que envolvem o gênero e a constituição de um como da
memória como ficção.
23/04 – Os sinos da agonia – Autran Dourado.
Apresentação
do romance e estudo das formulações trágicas e sua adaptação ao romance de
Autran Dourado.
30/04 – Os sinos da agonia – Autran
Dourado.
A
reconstituição do Barroco. Os aspectos da história como ficção. Os relatos de
amor e morte presentes no romance.
Local:
Rua Pires de Almeida 76/201- Laranjeiras
Duração
dos encontros 1:30 h.
Horário:
das 20:00 às 21:30 h.
Custo:
400,00 reais os quatro encontros
Mediador
de leitura: Oswaldo Martins
Contato
pelo tel (021) 981439622
Oswaldo
Martins, nascido em Barbacena – MG, em 1960, reside no Rio de Janeiro desde
1979. Fez graduação em Letras (Português-Literatura), pela PUC-RJ o mestrado
(Literatura Brasileira), pela UERJ. Autor dos livros desestudos (2000 - 7 Letras / 2015 TextoTerritório); minimalhas
do alheio (2002 – 7 Letras / 2015 – TextoTerritório); lucidez do oco (2004 – 7 Letras / 2015 –
TextoTerritório) cosmologia do impreciso (2008 – 7 Letras); língua nua (com
ilustrações de Elvira Vigna (2011 – 7 Letras); lapa (2014 – TextoTerritório);
manto (2015 – TextoTerritório); paixão, sobre imagens de Roberto Vieira da
Cruz, (2018 TextoTerritório).
Fez
os roteiros dos filmes Urânia, poema de Alexandre Faria (com Felipe David
Rodigues – 2009); Venta-não, (com Felipe David Rodrigues e Alexandre Faria –
2013). É editor da TextoTerritório.
sábado, 16 de março de 2019
sistema bancário
maricota quando trepa cobra com juros
ministra sua lição com cuidados e atroz
derrama sobre os corpos na maciota
um vírus ou mesmo um cancro duro
com agulhas ministra o seu ai jesus
trata-nos com os chupões dos pentelhos
e a falsas sementes de alcaçuz
cospe de lado e nos mete o relho
maricota usa disfarces tem roupas
para o mercado roupas para viagens
em umas finge-se virgem em outras
desvela altaneira suas vantagens
diz que seu peixe nunca foi sem luta
depois ministra-nos doses de cicuta
(oswaldo martins)
domingo, 10 de março de 2019
Dois poetas gregos
Anacreonte
Anda rapaz, traz-me uma taça
para eu beber um gole,
deitando dez medidas de água
e cinco de vinho.
Quero festejar Baco
de novo, sem insolência.
**
Safo Fr. 31
φαίνεταί μοι κῆνος ἴσος θέοισιν
ἔμμεν’ ὤνηρ, ὄττις ἐνάντιός τοι
ἰσδάνει καὶ πλάσιον ἆδυ φονεί-
σας ὐπακούει
καὶ γελαίσας ἰμέροεν, τό μ’ ἦ μὰν
καρδίαν ἐν στήθεσιν ἐπτόαισεν•
ὠς γὰρ ἔς σ’ ἴδω βρόχε’, ὤς με φώναί-
σ’ οὐδ’ ἒν ἔτ’ εἴκει,
ἀλλά κὰμ μὲν γλῶσσα μ’ἔαγε, λέπτον
δ’ αὔτικα χρῷ πῦρ ὐπαδεδρόμηκεν,
ὀππάτεσσι δ’ οὐδ’ ἒν ὄρημμ’, ἐπιρρόμ-
βεισι δ’ ἄκουαι,
κὰδ’ δέ μ’ ἴδρως κακχέεται, τρόμος δὲ
παῖσαν ἄγρει, χλωροτέρα δὲ ποίας
ἔμμι, τεθνάκην δ’ ὀλίγω ‘πιδεύης
φαίνομ’ ἔμ’ αὔτᾳ.
Ele me parece ser par dos deuses,
O homem que se senta perante ti
E se inclina perto pra ouvir tua doce
Voz e teu riso
Pleno de desejo. Ah, isso, sim,
Faz meu coração ‘stremecer no peito.
Pois tão logo vejo teu rosto, a voz eu
Perco de todo.
Parte-se-me a língua. Um fogo leve
Me percorre inteira por sob a pele.
Com os olhos nada mais vejo. Zumbem
Alto os ouvidos.
Verto-me em suor. Um tremor me toma
Por completo. Mais do que a relva estou
Verde e para a morte não falta muito —
É o que parece.
sexta-feira, 8 de março de 2019
Na poesia
Na poesia
a palavra só ressoa depois
primeiro fala para dentro
numa fidelidade própria das
coisas sem começo
nem fim
aqui
como nas Ruas
há caos e transparência
poucas saídas e urna só entrada.
(Dora Sampaio)
quinta-feira, 7 de março de 2019
estudo para a nudez ante o sol de edward hopper
todo nu se quadricula inexatos parâmetros
a luz sobre o corpo a cama os dois sapatos
jogados como se nada
a efusão que ultrapassa as duas janelas
os dois quadros as sombras das pernas
e embora não se vejam as duas cadeiras
surgem nesta disposição mútua de quem
agora só em sua esquizofrenia despida
espera que venha pela luz o visitante
das sombras que desde então nada
ou quase sempre surge na evidência
escondida de uma cor, e surpreende
(oswaldo martins)
sábado, 2 de março de 2019
O cotovelo de deus
para lula
1
O cotovelo deitado sobre a escada
em Montmartre se construía sob o impacto de quem nunca pousara seus olhos na paisagem
das velhas putas. O gínglimo – este artefato inumano – com seus graxos, possuía
a percepção de um pequeno traço, pontudo. Quase uma seta ardente no momento
fugaz da unidade. Apontava nortes exatos, na bailarina exausta desta dobra particular
do tempo, como se apontasse para dentro de si mesma. E em uma imagem invertida
a rua que se desdobrava abaixo era um reflexo dos peitos murchos de uma vadia
ou eram os peitos deitados sobre as ruas a medida milimétrica da tradição aproveitada
pelas cores que aqui e ali pareciam um corte no supercílio, um pedaço de
músculo, o olho cego exposto por todos corpos torturados nos porões da gendarmaria,
da KGB, da CIA, da polícia brasileira Os corpos dos cubanos, dos negros, dos
argelinos, das meninas de programa, reunidos neste cotovelo anverso.
2
JM nunca esteve em Montmartre.
Olhava a cidade de cima. O presente. O tapa na cara. A boceta nua e o cotovelo
de deus. Fora apenas pequenos excertos de um coubert, o realismo pouco lhe interessava,
preferia as noites estreladas, o joelho de Tarsila, as máscaras do Benin. A
gramática exposta nas entranhas dos corpos esquartejados nos mais diversos
substratos. Madeira, tela, pedaço de pano, refugos. Não subira as escadas, não
visitara a Sacre-coeur, preferira apontar para os ícones, construir proximidades
nada espontâneas, forçadas, pois acreditava que a forja da resistência era construída
das derrisões, da destruição das casas apalacetadas que a arte compunha
comprometida com o esgar burguês da fotografia e da representação das democracias
ocidentais. JM preferia os cotovelos de uma democracia anárquica.
3
O flash o estampido a inexistência
da vírgula do ponto dois travessão uma linguagem vertida vômito frêmito, embora
a razão sobrevoasse todo demão de tinta, colada aos poros em uma obsessiva busca
de anatomias escondidas em que o beco e não a glória sobressaísse, denominasse
pelo nome mais exato este cotovelo repousado sobre a escadaria de Montmartre.
4
Todo equívoco nasceu quando imbuído
das tenebrosas interdições a que nossos pintores, nossos escritores se
prenderam. Dai este pedaço escuso, essa absurda alegoria de outro deus.
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