quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A canção do cego

A canção do cego

Sou cego – escutem – é uma maldição,
um contrassenso, uma contradição,
não é uma doença qualquer.
Eu ponho a mão no braço da mulher,
minha mão cinzenta no seu cinza gris,
e ela só me leva para onde eu não quis.
Vocês andam, volteiam e gostam de pensar
que fazem um som diferente em seu andar,
mas estão errados: eu sozinho
vivo e vozeio o vazio.
Trago comigo um grito sem fim
e não sei se é a alma ou são as entranhas
o que grita em mim.
Já cantaram esta canção? Ninguém o saberia,
ao menos não com este acento.
Para vocês uma luz nova todo dia
vem e aquece o claro aposento.
E de olhar a olhar passa aquela energia
que induz à indulgencia e ao alento.

.

Das lied des blinden

Ich bin blind, ihr draussen, das ist ein Fluch,
ein Widerwillen, ein Widerspruch,
etwas täglich Schweres.
Ich leg meine Hand auf den Arm der Frau,
meine graue Hand auf ihr graues Grau,
und sie fürht mich durch lauter Leeres.

Ihr rürht euch und rückt und bildet euch ein,
anders zu klingen als Stein auf Stein,
aber ihr irrt euch: ich allein
lebe und leide und lärme.
In mir ist ein endloses Schrein,
und ich weiss nicht, schreit mir mein
Herz oder meine Gedärme.

Erkennt ihr die lieder? Ihr sanget sie nicht,
nicht ganz in dieser Betonung.
Euch kommt jeden Morgen das neue Licht
warm in die offene Wohnung.
Und ihr habt ein Gefühl von Gesicht zu Gesicht,

und das verleitet zur Schonung.

(Rilke – Trad. Augusto de Campos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário