Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
terça-feira, 28 de outubro de 2014
O MUNDO INIMIGO
O cavalo mecânico arrebata o manequim pensativo
que invade a sombra das casas no
espaço elástico.
Ao sinal do sonho a vida move
direitinho as estátuas
que retomam seu lugar na série do
planeta.
Os homens largam a ação na paisagem
elementar
e invocam os pesadelos de mármore na
beira do infinito.
Os fantasmas vibram mensagens de
outra luz nos olhos,
expulsam o sol do espaço e se
instalam no mundo.
(Murilo Mendes)
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
lançamento do lapa
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Lição das coisas
(diante do desespero que brota no céu-da-boca
quando por uma fresta a dor se apresenta e
se assenta ao pé da mesa).
na oficina da vida – retífica dos dissabores sentimentais –
o amor mutuca entulhos, becos e febres irreais.
contudo
feito cavalo que jamais incorpora o enfadonho caboclo das
lamentações diária.
penso, que,
a ETERNA lição-das-coisas, encontra-se em:
embrenhar-se numa floresta de sonhos e sonhos e sonhos.
(diante do velho oleiro distraído
apreciador da cerveja de milho)
o sonho é um périplo infinito.
(Rogério Batalha)
Ateliê Ferrugem: Comer cru também é parte do regalo
Ateliê Ferrugem: Comer cru também é parte do regalo: Há poesias que te pegam logo de início, talvez por serem “pop” demais. Nada que também comprometa a sua qualidade. Mas há outras poesias qu...
Rumo a 2022: apontamentos sobre alguma poesia, brasileira, contemporânea | Alexandre Faria*
Falação
Contra o artista serviçal escravo
da vaidade (…) A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza (Vaz, 2011,
p. 51).
É à fala que nos referimos, por
ela nos pautamos ao criar métodos de aproximação da poesia que vem falando, nos
últimos 10 anos, das periferias urbanas brasileira (a preposição, aqui, é
ambígua e demarca simultaneamente assunto e origem). Conceber poesia a partir
da longa tradição ocidental e escrita e apor ao termo o gentílico brasileira
são estratégias de pensamento que desconsideram que a sociedade desse país se
organiza a partir de complexas raízes da escravidão, do racismo e do
analfabetismo. Caetano Veloso, numa famosa canção alardeava: “deixem os
portugais morrerem à míngua / minha pátria é minha língua / Fala Mangueira”.
Mais à frente, na mesma canção (“Língua”, do disco Velô, de 1986), concluirá:
“A língua é minha pátria e eu não tenho pátria, tenho mátria e quero frátria”.
Caetano Veloso fala de uma mesma
frátria órfã (Khel, 2003), que vai se afirmando no canto-falado de manos e minas.
Um desses manos, Dugueto Shabazz (ou Ridson Dugueto), diferentemente do “latim
em pó” do baiano, falará de um “latim afrofavelizado” (Ferréz, 2005, p. 83). As
afirmações de identidades culturais contemporâneas, especialmente as de
minorias étnica, social e economicamente discriminadas, tensionam as afirmações
de uma identidade nacional monolítica, ainda que pautada pela diversidade.
Menos que a unidade macunaímica, o que a fala de Dugueto Shabazz demarca é a
diferença. A vontade de ser diferente. É como se, glosando a canção de Veloso,
o poeta da favela perguntasse como pode Mangueira falar, se o lema é tão
pessoal, luso pessoano e nacionalista – minha pátria é minha língua? E
concluísse: “mas minha língua não é essa, a do colonizador. Cansei de ser mulato
sabido!”
Leia o resto do texto no link abaixo:
dilúvio geral depois de ler Fernão de Oliveira
nações de homens
vivem nesta terra
bárbaros
viciosos
outras vezes
apenas gente
de gloriosas
patranhas
com muita verdade
boas doutrinas
ainda sucedem
não fabulizemos
grande vento
se acendeu nos
matos
examinemos
a melodia
da nossa língua
tomando todas
as vozes e cada
uma por si
(Dora Ribeiro)
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Dois poemas de Virginia Grütter, poeta de Costa Rica
LA VENTANA
Tenías dos pechos igual que yo
Y el pelo negro igual que yo
Y la boca pintada como yo la queria
Y usabas falda igual que yo
De tela floreada igual que yo
Y llevabas sandalias como yo
Y te arrastraban dos policias
Y dabas gritos en mitad de la calle
Y llevabas de rastras las sandalias
Y te sangraban los pies
Y desde adentro me llamó mi abuela
Y vino
Y cerró la ventana
Y me arrastró del pelo
Hasta lo más oscuro de la sala.
A JANELA
Tinhas dois seios como eu
E cabelo negro como eu
E a boca pintada como eu a queria
E usavas saia igual à minha
De pano florido igual meu
E calçavas sandálias como eu
E te arrastravam dois policiais
E gritavas no meio da rua
E arrastravas as sandálias
E sangravam os pés
E de dentro de casa a avó me chamou
E veio
E me puxou pelos cabelos
Até o mais escuro da sala.
TU LLEGARÁS OLIENDO A MADRUGADA
Tu llegarás oliendo a madrugada
a musgo y a caminho.
Traerás aún hojas desconocidas
enredadas al pelo
Y no estarás cansado
Pero yo besará tus ojos de águila
hasta secar la última lágrima
La última gota de sangre
E com ramas de veranera y de belíssima
Limpiaré la pólvora
Que aún quede entre tus dedos.
TU CHEGARÁS CHEIRANDO A MADRUGADA
Tu chegarás com cheiro de madrugada
a musgo e a caminho.
Trarás ainda folhas desconhecidas
metidas no cabelo
E não estarás cansado
Mas eu beijarei teus olhos de águia
até secar a última lágrima
A última gota de sangue
E com os ramos de buganvília, belíssima.
Limparei a pólvora
Que reste ainda em teus dedos.
(Trad; Antônia Miranda)
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
bandida
cortaram o cabelo da despudorada
trincharam lhe o rosto a navalha
mijaram lhe o corpo
com raiva
quando veio ter comigo
estava mais bela
que sulamita
(oswaldo martins)
Inquirições
quando acontece baita silêncio
às nove da noite de uma
segunda-feira
o que as pessoas estarão fazendo?
vendo novela, talvez
ou fodendo
esculhambando a vida alheia
enchendo a cara
falando ao telefone
escrevendo poema a respeito
só eu
(Ricardo Tollendal)
filha de maria
filha de maria também
ninfomaníaca por questão genética
só entre putas
encontrou o seu lugar
(Elesbão Ribeiro)
terça-feira, 14 de outubro de 2014
Por escrito, um romance da linguagem
Por escrito, de Elvira Vigna é um romance da linguagem.
Em meio à trama, desenvolvida pela narradora, o contar se problematiza mesmo
antes de se anunciar. Não por ser uma linguagem complexa, mas por, na sua
simplicidade de quase oralidade, dar a ver um mundo que o tempo todo se
constrói e se destrói. Romance feito de simplicidades complexas, paradoxo que cabe
não só à linguagem, mas na própria vida, o novo livro da autora é um correlato
mesmo das possibilidades humanas inconclusas.
É um belo livro
sobre a solidão humana, sobre a incapacidade de a linguagem dar conta das
relações que devem ser procuradas fora dela. Feita de silêncios, a narrativa deixa
que cacos perdurem aqui e ali e preencham com este movimento de subtração o que
a linguagem não dá conta de atestar.
O prazer da
leitura de Por escrito se deve ao fato de que a
incomunicabilidade se constrói a partir de outros vieses, como, por exemplo, a
construção a que se presta a narradora – quando a realidade ou os dados da realidade
são insuficientes para aplacar os desejos, tão pouco freudianos aqui – se
encontra na fabulação do real e toma aspectos tão densos e descontínuos como um
espelho da realidade, que se amplia em um sem-número de possibilidades. Neste
sentido leiam-se, com o cuidado que a linguagem requer, as referências à morte
de Aleksandra, cujas versões são muitas e inconclusas.
Há também no
romance de Elvira uma premência do falar feminino, sem as amarras que este
falar, classicamente, sempre teve em nossa literatura. A voz de Valderez é
sempre afirmativa, mesmo que a notícia que dá do mundo esteja repleta de
negatividades. São negatividades afirmativas.
A construção de Por escrito se delineia nesta multiplicidade de
paradoxos. Percebê-la é ao mesmo tempo dar conta de nossa multiplicidade frente
o mundo e descobrir a potência que a narrativa, essa, a de Elvira Vigna, cria, com
seus silêncios, de preenchimentos amplos e diretos.
(oswaldo
martins)
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
Poesia de Puerto Rico
Somos
Del otro lado de la ciudad nos proponemos festejar con
chiffon y seda,
es decir, con la frivolidad de un inglés en época de guerra.
Somos miles de escombros con ropa elegante en el medio de la
humareda,
un pueblo con celulares y sin poder adivinatorio.
(LOURDES VÁZQUEZ)
Somos
Do outro lado da cidade nos dispomos a festejar com chiffon
e seda,
quero dizer, com a frivolidade de um inglês em época de
guerra.
Somos milhares de escombros com roupa elegante no meio da fumaça,
gente com celulares e sem capacidade da adivinhar.
(Trad. Antônia Miranda)
Poesia do Haiti
Un jour rappelle-toi
cette ville dépécée
entre le bruit la bêtise et la douleur.
On a créé l’infidélité,
le bleu des trottoirs d’un autre continent.
La folie est devenue utile.
Nous nous appliquons à dessiner
des portes de sortie
Depuis tes yeux
le vide est à réinventer.
Écoute la prière de nos sexes
étouffée par le poids des mots
le trou de votre blue jean
est la seule fenêtre
qui donne sur l’espoir
On rêve tous de trottoirs.
Les cris de notre nudité
sont sans issue
comme vos silences.
*
Recorda-te um dia
desta cidade despedaçada
entre o barulho a besteira e a dor.
Criamos a infidelidade
o azul dos trottoirs de outro continente.
A loucura se tornou útil.
Dedicamo-nos a desenhar
portas de saída.
Desde teus olhos
o vazio está por reinventar.
Escuta a prece de nossos sexos
abafada pelo peso das palavras
o buraco de vosso blue jean
é a única janela
que dá para a esperança.
Todos sonhamos com trottoirs.
Os gritos de nossa nudez
são sem saída
como vossos silêncios.
(EMMELIE PROPHÉTE)
Traduzido por Anderson Braga Horta
Outro de Herberto Helder
a faca não corta o fogo,
não me corta o sangue escrito,
não corta a água,
e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linho com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam,
no mundo há poucos fenómenos do fogo,
água há pouca,
mas a língua, fia-se a gente dela por não ser como se queria,
mais brotada, inerente, incalculável,
e se a mão fia a estriga e a retoma do nada,
e a abre e fecha,
é que sim que eu amava como bárbara maravilha,
porque no mundo há pouco fogo a cortar
e a água cortada é pouca.
que língua,
que húmida, muda, miúda, relativa, absoluta,
e que pouca, incrível, muita
e la poésie, cést quand le quotidien devient extraordinaire,
e que música
que despropósito, que língua língua,
disse Maurice Lefèvre, e como rebenta na boca!
queria-a toda
Herberto Helder
A Faca Não Corta o Fogo
2008
Se houvesse degraus na terra
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
(Herberto Helder)
Portátil
à minha volta o bar urrava
e saí para a rua sentindo frio
ao celular a voz cobria-me de veludo
quisera varar a fibra ótica
para ávido beijar sua boca
que continuava fustigando
sinapses
e os peixes de sua língua
saltavam convexos
o frio se dissipava
os peixes pulavam ainda na onda
Luiz Fernando Medeiros
Setembro, 2014
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
sem título
conto nos dedos da menina de rua
os abraços que nunca recebeu
nos vãos que as mãos criam
no ar
quando ela brinca perto do chafariz
há estatísticas para quase tudo
mas eu preciso achar o cacho de
cabelo
que a mãe nunca cortou nem colocou
num álbum de fotografias
há estatísticas para quase tudo
e empobrecer
é feito um nascer do sol
que nunca veio
a falta de banho que talha
o acúmulo
de camada após camada
de sujeira
própria e outra
gera uma casca que em certa medida
em madrugadas empoeiradas e bêbadas
em reuniões em volta do fogo
– ou da lareira –
seria considerada
– por um louco –
e sentida dentro do oco da noite
como riqueza.(Lúcia Leão)
Clinamen
Na escuridão
Estava em
queda livre
Não sentia
força puxando
Nada tocando
no vazio
Estava em
queda livre
Vários anos
de aperfeiçoamento na yoga
Concentrar
na respiração
Não inspirava
nem expirava
Não havia
vento da resistência do ar
Estava em
queda livre
Como se
daria o baque final do choque das costas contra o chão?
Caía de
costas ou de frente?
Ia para
baixo ou para cima?
Estava livre
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
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