sábado, 24 de novembro de 2012

Pilulinha 24


Em Agulhas Descartáveis, livro de Luiz Coelho, editado pela Oito e meio, encontram-se algumas boas soluções para a formulação do poético, outras nem tanto.  Parece-me, ao contrário do que o prefácio diz, um livro irregular e de certa forma imaturo; o que não significa dizer que seja um livro ruim.

A poesia contemporânea parece ter pressa, os poetas querem se ver logo publicados, com ironia, poder-se-ia dizer que se acham todos um Rimbaud; mesmo antes de afiarem a faca da linguagem, tornarem-na plena, preferem as aspas das tesoura que revelam não a lâmina afiada da lâmina cabralina, mas a possibilidade de mascar. Ou mesmo, antes de alucinarem  a linguagem nas experiências das poéticas alheias, preferem a alucinação mais fácil do verso forçado,  porque ligada diretamente à vida – se posso repetir a ironia – acham-se todos um Whitman. Não sei se seria o caso de guardarem sua produção, de fazerem cortes, de evitarem algumas facilidades como a que o poeta comete no verso “por espremidas, meio que mal exprimidas” . Lembro-me  ao ler os versos acima de comentário feito por – se não me engano – Mário de Andrade, quando saúda o aparecimento de Vinícius de Moraes, poeta novo – que publica pela primeira vez perto dos dezoito anos – e critica o verso francamente ruim do “que passa e fica, que pacifica”.

Embora seja feita essa ressalva, há poemas de força marcante, como a série de hai-kais e friagem. Este poema é, a meu ver, uma das sínteses mais curiosa e bela do que a literatura de viagem vem produzindo ao longo de toda a tradição poética ocidental – sem que queira abarcar a completude do mundo, como intentaram diversos poetas. A síntese buscada confronta os grandes esquemas interpretativos do mundo e delineia um gostosíssimo tom menor nesta viagem à intimidade sugerida.

Friagem possui dois quartetos que são ligados por um elemento de passagem representado por um dístico, revelador – na linguagem – dos sentidos que transformam a narratividade numa intimidade lírica. O comentário extrapola a grandiosidade do épico com que se inicia o poema na narratividade anunciada do  “quando eu voltar” e ao usar habilmente a cena contígua “enquanto isso” de sabor rotineiro anuncia um vocativo,  Penélope, que transtornará a receptividade insinuado do narrativo mergulhando o poema nas forças da lírica, indicada pela presença de um imperativo que joga a cena poética no só no tecido lírico mas na intimidade que volta anuncia.

Quando a poesia atinge um grau de expressividade tão elevada, deveria o poeta ater-se a ela e com ela descobrir os caminhos que sua construção exige e de que a poesia de nossa época anda carecendo.

(Oswaldo Martins)






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