sexta-feira, 4 de março de 2011

Manchas na pele, linguagem

Segue abaixo um pequeno trecho do conto de Nuno Ramos
Como uma via intermediária, procuro entrar e permanecer no reino da pergunta – ou de uma explicação que não explica nunca. Assim, suspenso, murmuro um nome confuso a cada ser que chama minha atenção e toco com meu dedo a sua frágil solidez, fingindo que são homogêneos e contínuos. Posso, até mesmo, anotar em meu caderno características do que toco, como: “pinta-se de verde antes de reproduzir”, “mostra extrema ansiedade antes do acaso”, ou “destila o breu dos carvalhos ao redor”, mas não devo, em hipótese alguma, regredir à cadeia causal interminável, como um cachorro mordendo a própria cauda. Acabo por me conformar com uma vaga e humilde dispersão dos seres, fechados em seu desinteresse e incomunicabilidade de fundo, e como um modelo mal-ajustado ao modelo permaneço em meu torpor indagativo, deitado na relva, tentando unir pedaços de frases a pedaços de coisas vivas.
(Nuno Ramos – Ó)

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