sábado, 4 de julho de 2009

antiode para a senhora parker

I
balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
(frígida – cesário verde)

alexandria foi uma biblioteca na qual os homens liam o que lhes aprouvesse o gosto
ali reinou hipátia, a sábia, que teve do corpo arrancada a pele
foi são cirilo quando se tornou patriarca
foram seus asseclas, os padres
os capadócios da nova igreja
da moral e dos costumes
que expuseram seus dogmas, dogminhas e virgindades infaustas

ah, senhora parker, mulher de príncipes,
filha de barões,
até quando servirás de giolhos
aos come-quietos
até quando a soletração emprenhará teus ouvidos
e, torquemada particular, terás de enfrentar as verdades
que te escapam e às quais não possuis respostas

parker, parker, os teus goyas terão de servir-te sem arte
criarão o óbvio como se como se reinventassem a roda
como se reinventassem a roda da tortura os alicates para
arrancar as unhas a conversão anódina da ilusão com a qual,
vangloriados, exporiam os cristãos novos.

parker, mulher danada, vendedora de sonhos,
os seus cães rugem e se aquietam – parecem-se com os cães de herculano, com os cães do inferno vendendo óbolos medievais para os pobres do reino que se extasiam com a morte das princesas iguais a ti.

dianas, berenices, elizabeths, princesas que não cabem no diário, que não cabem nas mãos dos usuários
e, no entanto, insistis.



II
pausadamente lembra o silvo das jibóias e a marcha demorada e muda dum fantasma.
(frigida – cesário verde)


vês aquela jibóia pendurada na parede?
devorou duzentos séculos de liberdade
vês aquela jibóia pendurada na janela?
devorou duzentos homens
vês aquela jibóia pendurada na soleira?
devorou duzentas crianças
duzentas crenças

vês aquela jibóia?

tem a pele limpa e asséptica se lava todo dia toda hora com os sabões importados da casa harrods
usa perfumes franceses
come fiambres espanhóis
e pastéis de nata portugueses, depois limpa a boca com guardanapos de privada autenticidade empoada

e sai contente para as ruas, dizendo:
__Ai Jesus, se esse neguinho me pega
revirando os olhinhos sonhadores

Ai, senhora, sois dessas madames?
III
eu vejo-a caminhar, fleumática, irritante
(frígida – cesário verde)

uma sílfide diriam alguns
erínias, fúrias – megera gorda, transvertida
em elegantes cacoetes de senhora
bruxa a quem roubaram o espelho circular

velha senhora,
hécate, vai-te daqui

deixa que os sonhos reinventem as auroras
e que as hipátias dirijam as bibliotecas
os goyas construam seus monstros devoradores das sombras
e de edificantes senhoras que, como tu, assombram
como fantasmas inconclusos

os paraísos perdidos

(oswaldo martins)

Nenhum comentário:

Postar um comentário