segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sobre Dalton Trevisan

Acabo de ler novo livro de Dalton Trevisan. Continhos galantes. Como já vem sendo comum, o autor curitibano enfrenta os desafios da linguagem com economia. São curtos e mordazes. Não dão ao leitor muitas chances de se compadecerem das personagens. Secos, lembram as misérias da vida. Parecem ser realistas. Entretanto, a linguagem mínima, com que os constrói, busca afirmar-se num ponto além da vida cotidiana. Esclareça-se: um ponto além que desconstrói, não apenas a vida bem-posta dos cotidianos, mas a própria concepção de linguagem com que se está acostumado.

Irônico, o autor parece querer fazer com que o leitor se depare com uma formulação que desafia as máscaras românticas do amor, dando a esses rostos desmascarados o caráter definitivo da solidão em que os homens estão mergulhados. Neste sentido, a percepção cética da aceitação tem caráter duplo. Embora se saiba que o jogo da linguagem foi feito para comunicar, percebe-se que essa comunicação prescinde da linguagem, pois já está inscrita nas condutas sociais que seus personagens encarnam. A linguagem apenas sublinha um desacordo que ao cabo se revela ineficaz, já que se baseia no fingimento do que se afirma. Deve-se ler o Vampiro, pois, com os sinais trocados.

(Oswaldo Martins)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Recomendando Leitura 12

1 – Heranças – Silviano Santiago. Editora Rocco 2008.
2 – Homem lento – J. M. Coetzee. Cia das Letras.
3 – Nada – Carmen Laforet – Alfaguara. 2008
4 – O companheiro de Viagem - Gyulia Krúdy – Cosac & Naif – 2003
5 – Vitória – Joseph Conrad – Francisco Alvim – 1982.

sábado, 20 de setembro de 2008

à maneira de machado

3
à maneira de machado
vê, leitor, esse ponto.
quando, então, supõe-no ponto
não é o ponto que se lê
no ponto

mas o prontuário,
a obscuridade própria
ao ponto


(oswaldo martins)

à maneira de uma fábula

2
à maneira de uma fábula

ali viveriam trancafiados
os casais

ali a morte e seus dentes
podres

a redoma
dos sucessos

ali, bem ali
ao lado

a gesta absurda
a surda altivez

do que é nada

(oswaldo martins)

à maneira de chagal

1
à maneira de chagal

esses nus oceânicos

sobre a cama
dos casais volatizados

descerram as cortinas
de seus quartos

miram como mirou bandeira
a inútil paisagem

o beco

já não amam,
coitados,

apenas almejam
a herança

de seus quadros


(oswaldo martins)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

4 poemas de Cesar Cardoso

a melhor distância entre dois pontos
cesar cardoso

para cibele

2.
pisco de pupila de gato acesa no tato
mapa de vôo de besouro
nicho onde se misturam casulo e bicho
o zero e o cem
se encontrando entre o quase e o nem

esse brotar de noz
alvoroço
sem casca e caroço

aquele quando
onde dois se tornam ambos


3.
te amar, o melhor dos rumos
bússola inventando nortes
te habitar, o melhor dos filmes
sensual, centenas, sem cortes,
te viver, o melhor engano
das vidas enganando as mortes


4.
um pouco do meu olhar
deseja ter o prazer
de à noite ver refletir
um tanto do nosso amor
na luz de teu abajur


1.
que tempo acorda o espaço de desejos
reais como canções de realejo?

nuvens inauguram oceanos
mares escalando altiplanos

seus medos mudos modos nos aflitam
suas calmas de telhados nos visitam

ou planetas galáxias universos
ou jogos de palavras, simples versos

a curva desse amor e seus encontros
eis a melhor distância entre dois pontos

Goya

goya
1
o sonho o pintor revela:

gostáramos de bruxas
de vê-las arder fogueira adentro

dos fuzilamentos
do caso dreyfus

de ver flaubert dizer
nos tribunais

e sócrates ser morto

o espetáculo, senhores,
está vivo

(oswaldo martins)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Dois poemas de Cláudio Correia Leitão

EXÍLIO

Quando tive um velocípede
E rodava pela Rua da Praia
E os bondes de Niterói eram vistos
Da areia ou da baía sobre a murada
A fumaça preta de ônibus
Ainda não fazia tão mal
Os trens e os trilhos eram já escassos
E as barcas apitavam pungentes perdidas
na neblina dos dias de inverno
Eu nada sabia de Babel e Sião nem de Camões
Mas encontrava beleza e refinamento na saudade cotidiana
Se arrastando lenta pela casa e no tom solene,
Trechos de desterro do Velho Testamento lidos voz alta.

(Cláudio Correia Leitão)


ÁGUAS

De Vassouras e Paracambi o mundo
Fontes, Rodeio, primeiro essas
O barulho da água do rio macaco
Marulho de ponte de ferro de trem sobre outros rios
Trilhas de cachoeiras no mato, em Cacaria
Conchegos líquidos e lágrimas
Águas de banhos de chuva e bacia
Água de poço proibido a crianças nos quintais
Água distante travessia e mar
Mas mar é água secundária na memória.


(Cláudio Correia Leitão)

pinturas

4

um anão sentado
no nada

é tão belo como
os nus seduti

de modigliani

(oswaldo martins)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sob a ótica de Octavio Paz

A visão de mundo que aparece nas últimas obras de Freud revela mais de uma analogia com o pensamento dos trágicos gregos. De certa maneira, trata-se de uma volta a alguma coisa que esteve sempre presente em seu espírito e que alentou e guiou suas primeiras investigações. Édipo, Orestes e Electra reaparecem, mas já não são os pálidos símbolos da família burguesa. Édipo volta a ser o homem que luta contra os fantasmas de sua fatalidade. O nome dessa fatalidade não é, ao menos exclusivamente, Jocasta. Não sabemos seu verdadeiro nome; talvez se chame civilização, história , cultura: algo que alternadamente faz e desfaz o homem. Édipo não é um doente porque sua doença é constitucional e incurável. Nela reside sua humanidade. Viver será conviver com nossa doença, dela ter consciência, transformá-la em conhecimento e ato. Nossos males são imaginários e reais porque a realidade, ela própria, é dupla – presença e ausência, corpo e imagem. A realidade, a vida e a morte, o erotismo, enfim, apresenta-se sempre com uma máscara fantasmagórica. Essa máscara é o nosso verdadeiro rosto. Seus traços são o resumo de nosso destino: não a paz, mas a luta, o abarco dos contrários.

A visão trágica de Freud brilha em muitas de suas páginas. Brilha e desaparece. Depois de entreabrir certos abismos e nos mostrar conflitos insolúveis, ele se retira à prudente reserva do homem de ciência. A ironia recobre a ferida. Estas reticências – feitas tanto de modéstia de sábio como de desdém pelos homens – talvez expliquem as sucessivas deformações e mutilações que sofreu seu pensamento. Muitos de seus herdeiros, especialmente nos Estados Unidos, esquecem sua crítica à civilização e reduzem seu ensinamento a um método de adaptação dos doentes à vida social. Aceitam o terapeuta, mas ignoram o filósofo e o poeta. As oscilações de seu pensamento explicam, mas não justificam essas simplificações. Contra esse esquecimento – mais que um esquecimento, uma mutilação – insurgiram-se alguns psicólogos, como Erich Fromm, que recentemente tentou construir uma ponte entre a psicanálise e o socialismo. Ao restringir dentro da psicanálise a crítica à civilização, muitos discípulos de Freud dão como certo que as instituições que nos regem são ‘saudáveis’, ou seja, representam a normalidade à qual se deve ajustar o indivíduo. A psicanálise se transforma de método de libertação em instrumento de hipócrita opressão. Freud descrevera os valores como quimeras; agora as ilusões se tornam reais e os desejos, ilusões. Com muita razão Freud observa que adaptar o paciente a uma civilização doente e podre até os ossos não é curá-lo, mas agravar seus males, convertê-lo num incurável.

(Octavio Paz)

domingo, 7 de setembro de 2008

Sobre os gregos

1

O único conteúdo possível da tragédia grega era o mito, fornecido pela tradição: enredos inventados pela imaginação do dramaturgo, que enchem os nossos repertórios, estavam excluídos. Tratava-se de interpretações e reinterpretações dramáticas de enredos dados. Mas não é esta a única particularidade do teatro grego, em comparação com o nosso: a diferença estilística não é menos importante. O teatro grego é mais retórico e mais lírico do que o moderno. Os discursos extensos, que os gregos não se cansavam de ouvir, seriam insuportáveis para o espectador moderno, que prefere, a ouvir discursos, ver e viver a ação. O grego, ao que parece, freqüentava o teatro para se convencer da justeza de uma causa, como se estivesse assistindo à audiência do tribunal ou à sessão da Assembléia. E os requintes de retórica, superiores em muito aos pobres recursos da eloqüência moderna, não bastaram para esse fim: acrescentaram-se, por isso, aos argumentos do raciocínio as emoções da poesia lírica, acompanhada, como sempre, de música. A tragédia grega era instituição do Estado democrático, e a participação nela um direito e um dever constitucionais. Assim, a tragédia grega era uma discussão parlamentar na qual se debatia, lançando mão de todos os recursos para convencer o público, um mito da religião do Estado. Considerando-se isto, as concorrências dos poetas, que apresentaram as peças, perdem o caráter de competição esportiva: a vitória não cabia ao melhor poeta ou à melhor poesia dramática, mas à peça que impressionava mais profundamente; quer dizer: à peça na qual o mito estava reinterpretado de tal maneira que o público se convencia dessa interpretação e – podemos acrescentar – por isso o estado a aceitava. Tratava-se de um acontecimento político, que ocorria uma só vez. O teatro grego não conheceu representações em série. Com a representação solene, a causa estava julgada, a lei votada. O verdadeiro fim do teatro grego – assim reza a tese sociológica – era a sanção duma modificação da ordem social por meio de uma reinterpretação do mito.
(Otto Maria Carpeaux – História da Literatura Ocidental Vol. 1)
2
Sob o olhar do cidadão

A entrada do coro, em Antígona, se dá num clima de intensa alegria. Exultam os cidadãos com a vitória sobre Argos. Seu primeiro canto é dirigido ao Sol, à luz que brilha com a fuga da armada inimiga: “Ó sol mais belo que jamais surgiu sobre Tebas das Sete Portas, enfim nos ilumina, belo olhar de um dia dourado”. Do lado de Tebas, o sol, a luz. E nesse canto, o elogio a Creonte também vitorioso.
Sua segunda intervenção se dá depois da descoberta de que a proibição fora violada. É lançado então um canto de louvor ao homem: “De tantas coisas maravilhosas, a grande maravilha é o homem.” Dentre os elogios, louva a sua capacidade de aprender a linguagem, o pensamento e os costumes sem mestres”
“E a linguagem e o pensamento ágil e as leis e os costumes ele aprendeu tudo sem mestre.” Ao invés de lamentar a desobediência às leis de Creonte, o coro canta um louvor ao que o homem aprende sem mestre. Não só pensar, usar a linguagem ou agir bem, mas também a capacidade de lançar suas próprias leis. O coro lança como contornos próprios às leis não os da mãos do tirano, mas os do grupo dos cidadãos. Linguagem, pensamento e leis são louvados como aquisições pessoais sem mestres da verdade. No elogia ao homem, uma crítica a esses mestres.
Em suma: ao mestre considerado desnecessário, há a ameaça do desterro. Já por essas primeira intervenções do coro se pode ver que não há grandes simpatias para com a figura do mestre. Se o primeiro canto do coro é de vitória, é pela polis que se regozija. Já o segundo, dá glórias ao homem comum e lança uma ameaça ao tirano. Sob o olhar do coro de cidadãos não é nada simpática a figura daquele que procura monopolizar a linguagem e o poder.
(Flora Sussekind)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

escapada

armou tal confusão
o fulano
que me botou pra correr
se eu quisesse ficar
seria nos moldes dele
nos braços dele
na pele dele
despreguei sem jeito
as fotos da parede
deixei os furos
dos alfinetes
vodu
vou amaldiçoar
até o fim
esse amor
essa carne
esses pés
tudo tão rápido,
e tão rápido
vou me despir
para os outros
que nem nos sonhos
ele vai poder
me perdoar

(Lúcia Leão)

Os amigos Elesbão e Rose Clair no Paisandu


primeira careca no canto direito inferior da foto da primeira página do Segundo Caderno de O Globo( 02/09/08) é minha. Sou eu conversando com a Rose que enciontrei com a Maria Lúcia nesta suposta última sessão de cinema no Paissandu.
A Rose (Rose Clair/Horácio) acaba de lançar um livro sobre cineclubismo, merece estar na foto. Aliás, é por causa dela que se sabe ser eu. Pô, mas eu merecia foto melhor. Afinal desde os anos sesseta frequentei o Paissandu. Vi a estréia, lá, de Trinta anos esta noite- o filme desta última sessão. Há alguns anos revi este filme lá mesmo. E neste domingo...

abraqos!