sexta-feira, 30 de novembro de 2007

2

2

em noa noa
as mulheres não se despem

nus naturais
andam pela praias

recostam-se
umas nas outras

indolentes
estendem o anoitecer

com o colorido
dos sarongues

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

poema do dia

temporale 1

quero te ver dopo il temporale
no passado
onde o abismo vive num poço
sem vertigens
e
limita-se ao descanso profundo
e às idéias de águas paradas

(Dora Ribeiro - Bicho do Mato)

Recomendando a leitura 2

1 – Obra Poética Completa – Federico García Lorca – Martins Fontes – 1996
2 – Poesias – Eugenio Montale – Record – 1997 – Trad. Geraldo Holanda Cavalcanti (edição bilíngüe)
3 – Safo de Lesbos – Safo – Ars Poética – 1992. Trad. Pedro Alvim. (edição bilíngüe)
4 – Metamorfoses – Ovídio – Hedra – 2000. Trad. Bocage. (edição bilíngüe)
5 – Bicho do Mato – Dora Ribeiro – 2000.
6 – Daquela estrela à outra – Ungaretti – Ateliê Editorial – 2003. Trad. Haroldo de Campos e Aurora F. Bernardini (edição bilíngüe)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

8

quando criança ensinaram coerência

até hoje estudo
a superação de todas as besteiras

de todos os edifícios
de todas as fidelidades

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Baquilides de Ceos

Agora, como sempre,
com outro é que se obtém perícia:
pois não é fácil alcançar
aporta das palavras nuca ditas

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Recomendando a leitura 1

1 - Tarde - de Paulo Henriques Britto - Cia das Letras - 2007



2 - Um homem extraordinário - Anton Tchekov - LP&M - 2007



3 - Em louvor da sombra - Junichiro Tanizaki - Cia das Letras - 2007



4 - Parte Alguma - Nelson Archer - Cia das Letras - 2005



5 - Meia Vida - V. S. Maipaul - Cia das Letras - 2002



6 - Anacrônicas - Alexandre Faria - 7 Letras - 2005



7 - Odisséia - Homero - Cotovia - 2003 - Obs: Tradução de Frederico Lourenço (aliás, deliciosa)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

de tudo ao meu amor serei atento

útero em retroversão
subserosos anteriores
ecotextura heterogênea
padrão fibroadiposo
distorção difusa do parênquima
vagina sem alterações demonstráveis ao método
a sensibilidade do método

Cesar Cardoso

Dois Poemas de Paul Celan

1

Ilegibilidade deste
mundo. Tudo em dobro.

os fortes relógios
dão razão à hora cindida,
roucos.

tu, presa nas tuas profundezas,
somes de ti
para sempre.


2

CRISTAL

Não procura nos meus lábios tua boca,
não diante da porta o forasteiro,
não no olho a lágrima.

Sete noites acima caminha o vermelho ao vermelho,
sete corações abaixo bate a mão à porta,
sete rosas mais tarde rumoreja a fonte.



(trad. Cláudia Cavalcanti)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O livro Poesia expressionista alemã é uma pequena amostra deste movimento. Publicado pela Estação Liberdade, em 2000 é uma edição bem cuidada, bilíngue. Traz algumas gravuras importantes e bonitas do movimento, entretanto, deixa um gosto de quero mais e mais. Pena que nossas editoras ou nosso mercado editorial não se joguem com vontade na edição destes poetas. Pelo que sei - e sou um leitor ávido de poesia - apenas Gottfried Benn e Georg Trakl, aliás belíssimos poetas, foram publicados.


domingo, 18 de novembro de 2007

lamento, calhorda, a tua morte
não porque me condoa de fato
pelo teu sombrio existir

lamento tua morte, velhaco,
por saber que nunca ouvirás
os gritos de ódio

lamento tua morte, canalha,
por não poder escarrar-te
a cara

lamento tua morte, vendido,
mas jubilo poder ir ao Chile
para salgar-te a terra

para cuspir em tua mortalha.

1

1

no rosário dos amores
este corpo

na cama

o seio exíguo
a água marinha

a gentil descortesia
os cabelos

enquanto minha vara
arrancados os folhos

celebra
a dicção dos nomes chulos

José

A última crônica do livro de Rubem Fonseca - O romance morreu - emocionou-me. Momentos houve em que a leitura tinha de ser interrompida, pois a impossibilidade física de prossegui-la, provocada pelos olhos marejados, compunha um quadro estranho.


Como não gosto de que me vejam tomado pela emoção - sinto alguma vergonha - e em minha casa, os filhos rodam em torno, necessitava de um estratagema para fruir a leitura. Acostumei-me a ler, desde cedo, sentado no banheiro de casa. Mesmo na casa de meus pais, pois éramos sete irmãos, que dormíamos em pares nos quatro quartos da casa, a necessidade de me isolar correpondia ao sentar-me no chão do banheiro para ler. Assim fiz. Sentei-me no chão do banheiro.


A expressão do reconhecimento do mundo, que José vai tramando ao longo da crônica, primeiro nos livros, depois nas ruas desta cidade incrível que é o Rio de Janeiro, recompunham um pouco de meu trajeto - eu também, vindo das Minas, aprendi a ver o mundo primeiro pelos livros. Só quando, adolescente, nas ruas do Rio foi que aprendi a olhar o mundo fora das palavras, a sentir o cheiro da vida, das esquinas, que marcariam de maneira tão intensa minha percepção das pessoas, dos objetos do cotínuo que é a vida.


Por isso a emoção, por isso a necessidade de ler escondido. Por isso escrever sobre a crônica. Que as pessoas leiam, mas eu me reservo o direito de fingir que é apenas literatura.



sábado, 17 de novembro de 2007

Bicicleta

Mariinha bicicleta foi uma prostituta famosa na década de 30. Nos anos 50, era a mais famosa cafetina da cidade. Sábia, brindava os freqüentadores de sua Casa, com ensinamentos, retirados da experiência adquirida nos muitos anos em que – como dizia – servia às famílias e à manutenção das boas relações maritais, além das excelentes histórias que contava, com a graça e a leveza dos narradores ligeiros. A conheci como um dos próceres da cidade, sua fama, importância e honradez disputavam com os políticos, com os padres, com os doutores a primazia da orientação moral da população. Quando a idade não lhe permitiu nem mais a posição de cafetina, abandonou o ofício, que engrandecera, e tornou-se habituê dos cafés da tarde das senhoras da cidade. Certa vez, tomada pela idade e receando alguma doença grave, foi ao consultório de meu pai para tratar-se. Ele reservou para ela algumas horas da tarde.

Entre uma e outra orientação dada, algumas histórias foram sendo contadas. Da reprodução que delas fazia o pai, à mesa do jantar, algumas se destacavam e eram contadas e recontadas. Não sei se intencionalmente ou não, as histórias tinham sabor, cheiro e tato. Podíamos sentir seu cheiro, tocá-las, comê-las. Despertavam nossos apetites, o meu e o de irmãos e irmãs.
Tendo recebido uma noviça em sua casa, por volta dos anos 50, no início de seu pontificado, Mariinha, que tinha seus clientes prediletos, guardara a menina para um deles, que sempre lhe pedia primazia em relação às putas novas que ali viessem aprender o ofício. Pois bem, chamou seu moleque de recados e o enviou à casa do Doutor.

__ Vai e diga o Doutor que eu espero, sem falta, no horário de sempre em minha casa.
Enquanto o moleque ia à casa do Doutor, Mariinha chamou sua nova protegida e com ela iniciou um curto monólogo:

__ Ocê, venha cá. Hoje recebo a visita do Doutor, deixa ele satisfeito. Nunca negue o que for. Você veio até aqui para isto. Tá qui as roupas que vai usar. Toma um banho, põe cheiro e espera no quarto.

O Doutor chega à hora marcada e Mariinha o acompanha até a porta do quarto. Depois se recolhe à sala na espera do veredicto, satisfeita - a menina era bonita. Servia-o há alguns anos, ninguém como ele para tirar as ilusões das putas. Aprendera que o pecado maior, mortal, para a mulher da vida eram dois: filho e paixão – um decorrência do outro. Por isso, quando uma putinha nova, sem saber ainda da vida, vinha até sua Casa, mandava chamar o Doutor. Descansada, esperava. Pouparia seu tempo e não ouviria as lamúrias de sempre. Dormitava, feliz.

Foi despertada de seu sono por gritaria vinda da direção do quarto. Esperou. Arrematando as roupas, com um seio à mostra, as coxas aparecendo sob a roupa rasgada, a noviça veio em sua direção. Gritava, histérica. Doutor apreciava a cena na porta do quarto, sorria.

__ Menina!

__ Ele queria coisas comigo que não faço - conseguiu falar entre choro e gritos que cada vez ficavam mais alto.

Mariinha encheu a mão e a plantou no rosto da puta que estancou choro e grito.

__ Ói, volta pru quarto, mas antes escuta um conseio: você é mulhé de zona, num é? Antão, mulhé de zona que não chupa e não dá o cu, não veve. E não veve, pru quê? Pruque quem sustenta mulhé de zona é home casado e home casado, de buceta, tá cheio até aqui.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A luta com um morto

A luta com um morto
Comentário do livro lucidez do oco

Lucidez do oco nasce da meditação do que separa um corpo do outro, o observador do observado e interroga o desejo diante da solidão que constitui o diálogo dos mundos. Todo livro se desdobra de uma epígrafe de Dora Ribeiro como um murmúrio incessante de aprendizado: “entre um verso e outro/ uma solidão vazante”. Lucidez do oco aprende com a epígrafe e ensina abismos de inconsistências. Aprende também com os mestres a contradizer toda palavra doxa, todo sedimento de arrogância retórica. Tendo como herança vestígios de toda a tradição, incluindo a modernista, assiste ao desfile dos espectros evitados. Assim o romantismo retorna prismatizado na memória do samba de Nélson Cavaquinho e na letra de Guilherme de Brito. Espectros de um êxtase buscado mas só encontrado como eco de um oco.

Páginas movem-se concentrando adiamentos do êxtase. No contraponto, no deslocamento de um centro sonoro ou visual pronuncia-se a dicção deste livro. Vestir o nada seria tarefa de traduzir o poema como poema do poema exato.

Desse aprendizado geral surgem outros modos de ler o já consagrado. A disjunção da forma é a luta contra a rigidez cadavérica e demonstra-se na tarefa de desconjuntar o soneto ou de tirar-lhe o aço resistente, para mostrar o desenho, a língua de trapo do traço.
O ponto alto da meditação sobre a solidão é a série dos escritos sobre a imagem do morto, intitulada Diglauberiana. Cenas rememoradas do enterro de Di Cavalcanti, produzido e lido pela câmara de Glauber, são remontadas no papel-poema. Aqui irônico constata o que escapa ao triunfo dos algodões na sua ânsia de confirmar a paralisia da morte. O poema ao contrário faz mover o morto, para mostrar a obra inquieta e exuberante de tudo que vive. Contra a permanência da rigidez, a agitação do sexual. Contra a quietude da morte, a permanência do traço vivo: “retrato de mulata: uma nesga de coxa/ a constância do rego/ de sua bunda/ os afagos/ meu cabelo/ em desalinho”.

O poema move o soneto que retorna mais uma vez para compor o círculo da inexata forma. Toda a seção intitulada “desminas” refaz Murilo e Oswald, como se escrever fosse tropeçar no acervo da descoberta modernista e ainda assim rabiscar novas inscrições: “as minas são ouro de outras poéticas [...] os sóis de minha terra/ trazem sombras nuas”. Ousa recusar algum Drummond: “não mais o contorcionismo das almas/ as montanhas míticas, o ferro/ não mais a beleza dos aleijadinhos/ as igrejas/ o ouro/ não mais a secura das gargantas/ o andar medido/ a paixão medida”. A força do grafito pulsante afirma-se como uma doação de sentido erótica que se caracteriza por agitar raivosamente a inquietação do animal contra a rigidez do sedimentado: “O homem perdido em seu quarto/ atira chutes em vão”. O aprendizado com Drummond reaparece na meditação sobre a fotografia que vai gerar o título do livro. A fotografia poética é de “impercebida terra visitada”, ou a inventar. Tudo são lutas para não se deixar fixar por um retrato em si, propondo-se o fugidio de muitas linhas, ou o quadro que ‘vaga torto para sempre”.
A meta é atingir o “branco fim”, numa conversa inusitada com Mallarmé: “ a foto ruge/ sobre o leito branco/ fulge/ do que não há”.

Luiz Fernando Medeiros de Carvalho

noa

noa

as mulheres descansam
os seios da infância

recostam a cabeça
fingem uma dança

de panos

são belas assim
quando o sol

sobrevoa
as sensações do tempo