domingo, 27 de agosto de 2023

Cataratas poema de Ismail Kandaré


As cataratas desciam aos saltos

qual fossem brancos cavalos raivosos,

suas crinas de espuma e arco-íris.


Mas de repente, na beira do abismo,

caíam com as patas dianteiras

fraturadas, oh, suas patas brancas.


E então morriam ao lado das pedras…

Pois agora em seus olhos amansados,

frígido, o céu está se refletindo.


Kataraktet


Kataraktet kërcenin teposhtë,

si kuaj të bardhë, të vrullshëm

plot jele shkumë e ylberësh.


Por befas te buzë e greminës

ranë me këmbët e para,

i thyen, oh, këmbët e bardha.


Dhe vdiqën në rrëzën e shkëmbit…

tani në sytë e tyre të shuar,

i akullt, pasqyrohet qielli.

Ismail kadaré 

Tradução: Pedro Lucas Rego

sábado, 26 de agosto de 2023

Gazel 1 de Hafez

 Gazel 1


Vem e traz a taça, copeiro, derrama e circula esse vinho!

Porque o amor parecia fácil, mas logo veio o descaminho.


A brisa sopra em seu rosto, traz o almíscar dos seus cabelos:

Como sangram os corações, por esse momento tão ínfimo.


Tinge com vinho o teu tapete, se assim disser o velho mago.

Deve entender, o peregrino, as leis e estâncias do caminho.


Na estância do meu bem-amado, como posso encontrar alento?

Ora já bradam os cincerros: a caravana está partindo.


As trevas e as ondas ferozes, o vendaval e o turbilhão!

Que sabe desse nosso estado, quem vê da terra o mar bravio?


Desejos guiaram meus feitos, e meu bom nome foi desfeito!

Como manter esse segredo, se nos saraus já é sabido?


Se ainda queres sua presença, ó Hafiz, não te escondas dele!

Quando lograres encontrá-lo, faz do mundo um desconhecido.


terça-feira, 22 de agosto de 2023

mar salgado - Elesbão Ribeiro


 

imitação de hafez

o emaranhado sopra as horas se equipa da ínfima tortura

no exato de teus inter olhos mira da íris a loucura


o barista serve o café embora o vinho mais se apreste

aos desejos do solilóquio quando voa a voz da cordura


ruas tecem as borras dos becos as cartomantes nos calhavam

um futuro de espadas corta da garganta estas loas cruas


nos jardins secretos as damas apregoam nas heras dos muros

silente o taberneiro vê voarem as aves dos açúcares 


serena, ó oswaldo, os divãs urgentes as horas se povoam

na denegação das palavras pois apenas restam rosas murchas


quinta-feira, 17 de agosto de 2023

pêndulo

 

o colar sobre o púbis

detém-se


os andares de rua

o ademanes

 

da licenciosidade –

o colar –

 

intocável tempo –

roda o verbo

 

fia o lapso da voz

e para

domingo, 13 de agosto de 2023

Reverso


a fagulha sobreleva a ferida

carcome as mãos, defeca caroços

 

aos poucos, os dentes – inúteis

há troca entre a beleza e a canjica

 

sobram apenas sob a pele

agulhas – de dentro para fora

 

nos fedem animais

a mastigar sua íntima carniça

Oficina de Criação Literária

 

A Oficina de Criação Literária TextoTerritório vai iniciar um novo módulo.

Neste módulo discutiremos os gazéis de Hafiz, poeta pouco conhecido entre nós. Apresentarei algumas questões ligadas à poesia persa, a estrutura e temática dos gazéis. Leremos alguns poemas do Divã de Hafiz 

O início deste módulo da Oficina se iniciará no dia 17 de agosto, às 19:30 h on-line, pelo Zoom. (envio o link aos interessados). O custo é de 300 reais por módulo.

Organizada por Oswaldo Martins

Em setembro laçaremos, em livro, os volumes 1 e 2 da Oficina de criação referente aos anos de 2020 e 2022.

Caso se interesse,

Contacte-me pelo telefono (21) 981438622 o mesmo para o zap.


quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Se eu fosse Hamlet

 SE EU FOSSE HAMLET

Tradução: José Paulo Paes


Se eu fosse Hamlet

comprava flores para Ofélia, gomas de mascar inglesa,

transístor com fones de ouvido,

champanhe, palitos –

e a convidava para viajar

a Florença ou Roma.


Se eu fosse Hamlet,

dava de presente a ela uma gaiola cheia de pipilantes tentilhões

um par de patins de estrela do gelo

uma permanente para os aerobarcos suecos.


Se eu fosse Hamlet,

me concentrava na minha vida amorosa

em vez de ficar a remoê-la por aí;

loteava Kronborg

em apartamentos de condomínio,

e ia morar numa casa em Fiolgade

– talvez comprasse até um colchão de água –


Se eu fosse Hamlet,

mandava às favas todas as especulações sombrias

e seria mais do que sou agora,

em vez de ficar só pensando a respeito

e fazendo longas preleções sobre.


Não me intrometia mais na vida sexual de mamãe,

se eu fosse Hamlet.

Admitiria logo que o velho está morto

e não ia mais perambular pelas noites escuras atrás de um fantasma

que no coração só tem vingança.


Se eu fosse Hamlet,

deixava Polônio ficar atrás das cortinas

tanto quanto lhe desse na telha:

afinal de contas, é só um velho gagá –

e me recusava a andar, fosse onde fosse,

com tipos tão ridículos quanto Gildensfúncio e Rosentonto

ou como quer que se chamem –


Se eu fosse Hamlet,

ia farrear com Horácio

beber chope com Frank Jaeger,

jogar dados com marujos nalgum boteco do ponto,

andar com donas suecas,

mandar tatuar no braço:

Ophelia, I Love You,

logo abaixo de um

coração em chamas –


isso se eu fosse Hamlet.


Peter Poulsen (Dinamarca, 1940) é poeta, escritor, tradutor, ensaísta e músico. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Pharmakon

 para alexandre trajano

 

o logro distópico provoca maremotos

destrói convertido em oco o acaso

do tempo

 

tempestades caem na verticalidade

algente das ruas os seres hibernam

no ermo

 

explodem vazios quando o berro

inaugural dos nascituros rotos

retornam ao nada

Grupo de leitura


 

terça-feira, 1 de agosto de 2023

O do relâmpago


A Gonzalo Rojas

Como foram rápidas essas mãos para tocar a luz, assim como os olhos para deixar constância do que viram. Já não recordo se foi em Nova York, Caracas ou Chicago, onde o vi com essa lanterna virada para dentro, brava contra a página em branco, queimando-a com seu grafismo. Furioso de alegria dava renda solta a uns potros a galope por entre os lagos do sonho e da realidade. Por vezes imaginários correndo e se despindo, em outras submetendo-se ao rebuliço de um diálogo inaudito.

(Armando Romero - Colômbia)

Leitura coletiva Stanislaw Ponte Preta