oswaldo martins |
Fotografia
Uma das mais belas coisas a se
fazer, quando se gosta de fotografia, está em tirar instantâneos das cidades
com que o fotógrafo se identifica. Dela retira certos ângulos, certos registros
humanos, razão de ser das cidades. As pessoas ocupam as ruas e, anônimas,
desfilam por elas, cônscias ou inscientes de que ocupam um lugar que é caro à
paisagem com que se está acostumado. As cidades vazias também possuem um espaço
de recolha para aqueles que a observam para delas extrair uma possibilidade que
muitos não veem, seja pela pressa do dia a dia, seja pela falta de costume de
olhar, desacostumado que se está com a própria vida. O foco buscado da cidade
vazia não é o mesmo que se tem quando a cidade está abandonada das pessoas, por
obrigação da preservação pública. Uma cidade vazia é como um vidro estilhaçado.
Um vidro estilhaçado não revela a
razão de ser do copo, mas a memória do copo age naqueles cacos. Uma cidade é
antes de qualquer coisa essa memória, que se reconstitui, quando por ela se
anda com o intuito de apreendê-la; não importa se é um pedaço de um vitral que
caiu e se quebrou, se um naco de azulejo abandonado numa esquina, uma carroça
que passeia por ela, desafiando o poder dos possantes carros, numa avenida como
a Brasil. São flagrantes essas belezas, ao serem capturadas pela lente de uma
máquina; quase como uma flor, espalham sua fragrância eternizada no clique de
uma fotografia. Essa flor, passageira como em um carpe diem, se revela como
pessoas que circulam – águas dos rios em que não se banha duas vezes – pelas ruas
buscando esse ócio de olhar atento para o mínimo movimento, para a mínima
possibilidade de olhares que se cruzam como clarão e depois noite.
Para eternizar esse clarão necessita-se
da multidão e da possibilidade de abraçá-la, beijá-la, beber no mesmo copo a mesma
cerveja, fumar as vinte de um cigarrinho que passou de mão em mão; para
eternizar esse clarão necessita-se da possibilidade da paixão, passageira ou
não, enfim de uma cidade plena de suas possibilidades.
Assusta uma cidade vazia. Esse
monstro cuja razão de ser são as pessoas que a habitam, que a humanizam e constroem
e destroem relações, como se destroem construções feitas de tijolo e cimento,
do suor dos que a habitam – insista-se – anônimos, mas plenos de possibilidades
humanas, plenos para ver o clarão com que a vida se justifica e se distribui em
igual medida para todos.
Uma fotografia é como uma greve
que paralisa a cidade e a guarda gloriosa.
(oswaldo martins)
muito bom, Oswaldo. A fotografia mantém sua importância principalmente nesses momentos em que o fotógrafo se torna novamente um documentarista importante dos restos de uma sociedade abandonada.
ResponderExcluirmuito bom, Oswaldo. A fotografia mantém sua importância principalmente nesses momentos em que o fotógrafo se torna novamente um documentarista importante dos restos de uma sociedade abandonada.
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