Para o Roberto
A um passo, de Elvira Vigna, propõe um microorganismo narrativo que, de imediato, subordina o leitor aos efeitos que provoca. E são muitos. De variada centralidade, o romance é cruel. Neles se misturam os personagens – constituídos sob a desumanidade básica da solidão humana – e suas ações.
Partindo do pressuposto de um quase assassinato, constroem-se tramas que se sucedem e retornam em um círculo perfeito e aberto. A cena que se narra desenvolve-se em torno de um mesmo espaço físico - embora tal espaço esteja envolvido por outras cenas que voltam a se fixar e ficar em torno de outros centros que giram em torno de outros centros que, numa progressão infinita, fazem com que o romance retorne e se movimente nos mesmos espaços, como se os círculos sobrepostos devorassem a si mesmos.
Do círculo da devoração dos espaços concebidos pela autora, a devoração se expande em direção à linguagem e à sua capacidade de comunicar o incomunicável – a farsa que ela representa, quando deixada fora dos seus círculos íntimos e concêntricos. Metamorfoseada, sua linguagem se deixa devorar, com a sábia volúpia da contenção. Por isso as poucas cenas, os poucos personagens, a repetição de umas e outros, como se fechasem os círculos abertos para torná-los perfeitos – quando, na verdade, abrem-se outros círculos que se fecham para reabrir o que se fechara.
A devoração lúcida se estende às ações dos personagens, num tracejamento trágico. Se no teatro trágico o reconhecimento é o caminho que se abre para a catarse, para o mergulho definitivo na percepção dos espectadores, os leitores de Elvira necessitam buscar outra deriva, desde logo porque não há reconhecimento que possa levar o leitor ao apaziguamento, mas um contínuo de estranheza que o leva a perder na leitura seu ponto fixo e consolador, sem que exista a necessidade de substituir essa ausência por algo que lhe mostre um caminho, que interceda por ele, definindo de antemão uma possível educação.
Se há em A um passo a lembrança de uma educação esta só existirá como seu duplo negativo, isto é, como possibilidade de afirmar que a beleza e a crueldade dos movimentos humanos são parte de uma natureza indômita da qual se participa com entusiasmo e prazer.
Em Sade e em Machado de Assis encontram-se observações semelhantes. A natureza – e dela faz parte o homem – não é uma proposição para a festa dos espíritos – mas podridão e morte. Se Sade nos propõe a dor como domesticação e Machado, a ironia que revela a crueldade – em Elvira, a constante mudança, a ausência de um centro fixo – ou a superposição de centros – demonstra que a linguagem, a partir da qual a natureza se dá a ver, devora quem dela faz parte e, na proposição do paradoxo da existência – violento e arrebatador – cria este centro discêntrico que A um passo – sem a mínima concessão – elucida.
(oswaldo martins)
Partindo do pressuposto de um quase assassinato, constroem-se tramas que se sucedem e retornam em um círculo perfeito e aberto. A cena que se narra desenvolve-se em torno de um mesmo espaço físico - embora tal espaço esteja envolvido por outras cenas que voltam a se fixar e ficar em torno de outros centros que giram em torno de outros centros que, numa progressão infinita, fazem com que o romance retorne e se movimente nos mesmos espaços, como se os círculos sobrepostos devorassem a si mesmos.
Do círculo da devoração dos espaços concebidos pela autora, a devoração se expande em direção à linguagem e à sua capacidade de comunicar o incomunicável – a farsa que ela representa, quando deixada fora dos seus círculos íntimos e concêntricos. Metamorfoseada, sua linguagem se deixa devorar, com a sábia volúpia da contenção. Por isso as poucas cenas, os poucos personagens, a repetição de umas e outros, como se fechasem os círculos abertos para torná-los perfeitos – quando, na verdade, abrem-se outros círculos que se fecham para reabrir o que se fechara.
A devoração lúcida se estende às ações dos personagens, num tracejamento trágico. Se no teatro trágico o reconhecimento é o caminho que se abre para a catarse, para o mergulho definitivo na percepção dos espectadores, os leitores de Elvira necessitam buscar outra deriva, desde logo porque não há reconhecimento que possa levar o leitor ao apaziguamento, mas um contínuo de estranheza que o leva a perder na leitura seu ponto fixo e consolador, sem que exista a necessidade de substituir essa ausência por algo que lhe mostre um caminho, que interceda por ele, definindo de antemão uma possível educação.
Se há em A um passo a lembrança de uma educação esta só existirá como seu duplo negativo, isto é, como possibilidade de afirmar que a beleza e a crueldade dos movimentos humanos são parte de uma natureza indômita da qual se participa com entusiasmo e prazer.
Em Sade e em Machado de Assis encontram-se observações semelhantes. A natureza – e dela faz parte o homem – não é uma proposição para a festa dos espíritos – mas podridão e morte. Se Sade nos propõe a dor como domesticação e Machado, a ironia que revela a crueldade – em Elvira, a constante mudança, a ausência de um centro fixo – ou a superposição de centros – demonstra que a linguagem, a partir da qual a natureza se dá a ver, devora quem dela faz parte e, na proposição do paradoxo da existência – violento e arrebatador – cria este centro discêntrico que A um passo – sem a mínima concessão – elucida.
(oswaldo martins)
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