Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
terça-feira, 21 de dezembro de 2021
ladainha do bom jesus
poema para muitos pés
pletora passos preclaros os
pés
em clave de sol a pino
pisar pedras as escarpas
proteger o refluir do humor
crestado solar sobre o solo
rachado subir pelos rebordos
dos cravos espinhos cravar
calcanhares e artelhos parcos
pousar no plexo dos dedos
o perfurante das arestas
irregulares provas ao longo
corpo-serpente do morro
até as portas do paraíso
do nós que se revolta
(oswaldo martins)
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
horyon lee
dançam no improvável
essas moças cujos pés
o movimento delineiam
enxergam ou fazem-se
enxergar as sombras
a sugerirem os néctares
da luz sem limites até
a devassa lente fixar
as saias no levadiço
das mãos a puxarem
os desejos da língua
tece o sexo impudente
terça-feira, 23 de novembro de 2021
uma lenda arrepiadora
olharam a sanhuda ave de césar
na árvore a baloiçar de lá pra cá
de cá pra lá até onde o vento
a roupa-traste de rasgada tiras
já não veste o moreirinha tirado
pelo medo de seus cabos
pela morte-fama do contestado
cabeças boiam no ainda boiar
desta farda incorpórea e rota
qual caxias à margem-história
joga ao revés de si os paraguaios
dos sertões que em kirie eleison
entoam glórias ao bom menino
no há-de vingá-los da morte
o manto-água da matéria-nada
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
totem
o rato ante o degrau da escada
a ultrapassar demandava-se
o repentino da quietude
os olhos miúdos interrogavam
os pés – belos agentes do caos
que no alto do eirado provocavam
os tabus ratilínicos a proverem
hipóteses para as virtuoses
destes vetustos roedores
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
descante
a cor da unha
o balanço-sola
a liturgia dos pés
caem vagares sob a cidade
as pessoas os cães os cavalos
passam há cigarras ainda
e o estupor civilizado
no chão o outro do eu
cavo ao fecharem-se olhos
ultimo o silêncio
as sintaxes secam
a despedida-quando
o cicio do age-fim
resta no nada
(oswaldo martins)
terça-feira, 12 de outubro de 2021
dobra
para dora ribeiro
quid o agora
resto e uns espaços
a desocupar
um guarda-chuva
leixado na poça
do mar levado
desmnemósine
para elesbão ribeiro
moûsa e silencia pois
no após resta pouco
uma poeira lambendo
da brisa o sino
vazio
entre o nada e o aquém
(oswaldo martins)
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
vida do bebê
in memorian
chá de bico
usos de senhoras
veste preto
calcinha vermelha
camisolão e pudor
lençol furado
domingo, 15 de agosto de 2021
Borges
domingo, 11 de julho de 2021
perjúrio
botas truncam troncos retorcido
exercício de aforas padiola-rés
aos réis da malcozida república
tocam a subir a ignota terra torta
à sombra dos heróis contestados
pelos que de vaza-barris fixam
o lobrigar nas casas e em preces
chilreiam sandálias-pássaras aves
do exílio que cantam no lombo
da soldadesca de olhos na atonia
em batalha de cujo cuspe-krupp
a esmo o ermo da crença fere
o corpo a ordenar-lhes avancem
os canhões mesmo que abertos
no flor-estrondar ao revés do tiro
(oswaldo martins)
quarta-feira, 30 de junho de 2021
segunda-feira, 21 de junho de 2021
domingo, 20 de junho de 2021
os soldados catam despojos
havia um corpo na terra
morta a cabeça degola
em sânie e escara
o espólio
do proscrito
os restos
de terra e corpo
devolvem à ferida aberta
à cova
do futuro
(oswaldo martins)
Soneto Para Reguera - Atahualpa Yupanqui
Si una
guitarra triste me dijera
Que no
quiere morir entristecida,
Me
pondría a rezar sobre su herida
Con
tal de recobrar su primavera.
Si un
trovador me pidiera
Un
poquito de luz para su vida,
Toda
la selva en fuego convertida
Para
su corazón yo le ofreciera.
Mas,
de poco valió la proclamada
Pujanza
de mi anhelo, si callada
La
muerte te llevó, daniel reguera.
Pasa
tu zamba por la noche oscura,
Y el
eco de tu voz en la llanura
Sigue
buscando luz y primavera.
(mar
del plata, febrero de 1965)
quarta-feira, 16 de junho de 2021
1º combate
sob a terra arrastam-se as sandálias
a disforme procissão a bandeira ergue
com paus e pedras ao comando-águia
do beatinho avançam os sacerdotes
da caatinga – todos cavam ladainhas
nas trincheiras canções de véspera
ecoam sob o chap chap absconso
com que anunciam loas ao bom-jesus
arrepanham as calças a cabeça-peso
desvaria atulhada do sono da pedra
sob o setentrião o assalto toma-os
oriente- se, rapaz junto às armas
para sempre imagens da nulidade
ante o arrastar-se que desvela a estes
e àqueles a pungente dança-dança
do coreógrafo neste baião de 2
por dançar
(oswaldo martins)
quinta-feira, 10 de junho de 2021
descanso
o mar traz facas de arbustos tortos
iridescências de rubros cortes
faz o sol brilho de perdidos portos
ao navegar o seca-chão nordeste
o alferes wanderley boné de lama
coberto escarra escaras a suja boca
da montaria desdobra com a fama
um espécime de museu entoca
nos fraguedos o arcabouço rijo
ventre plena imagem de cuja morte
retorta amplitude deste mar adrede
à vala comum soma do deus frígio
o verme da matéria em sua coorte
de bacantes crinas ao vento-letes
(oswaldo martins)
segunda-feira, 7 de junho de 2021
o boi-pedra
um boi planta-se a meio
fixo como uma pedra
coça-se nas urtigas
seco na terra tora
meia-légua depois
cansaço de penas
ao céu na beira
mágoa as patas
em estira-rabo
rubicundo umbigo
pulsar de bicos
avoantes biltres
coça nas feridas
não fossem homens
que de longe viessem
tangê-los no aboio
subiam bambos
até o belo monte
(oswaldo martins)
quinta-feira, 22 de abril de 2021
cão - poema inédito
1
restolho
de palavras simples
compõe
a sintaxe do dia
2
ante
o deslizante
a
trava do silêncio
3
o
trator
rumoreja
rua
das cidades
campo
de infertilidades
mais
alguns ficam
sem
teto
4
o
inédito
não
dá crédito ao que
sequer
ao como
não-dizer
5
o
rumor desdeixa-se
prato
servido por gueixas
o
logro do logos
sim
sobretudo
a perversidade
dos
que preferem urtigas
6
o
mundo, meu irmão,
hipócrita
meu
fugiu
das tretas
para
a claridade trevosa
das
telas
cuidadosamente
7
patíbulo
e tédio
o
tão bonitinho
da
propaganda
prepara
o salto
do
13º andar
do
século
8
imagina,
querida
apenas
o corpo
esquece
a alma
as
figurações
de
casanova
tangem
na curva
do
corpo
o
que deveria ser
9
quem
pede tem preferência
quem
desloca recebe
filosofia
de sintaxes
sempiternas
retrato
da gioconda
10
na
praia
tem
a areia
areia
entra
buraco
e boca
de
siri
(oswaldo
martins)
terça-feira, 20 de abril de 2021
quinta-feira, 15 de abril de 2021
cais
levanto para o caos
balões alcançam olhos
em zoom a plataforma
evasiva de uma quadra
os braços caem
ao longo do corpo
alguém dança-bundinha
salta sobre o outro –
suicídios na esquina
depois silêncios vastos
a superfície dispõe
sua última dimensão
(oswaldo martins)
quinta-feira, 25 de março de 2021
inserção 11 do desimitações
11
no país que trocou
a rica cultura nordestina
pela universitária
música do agronegócio
o compositor pelo
cantor de churrascaria
o operário pelo
patronato
a poesia só
poderia ser o que é
quarta-feira, 24 de março de 2021
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021
César Cardoso - poemas
QUERIDO DIÁRIO
1
o fruto
do trabalho
chega a noite
vou com ela pra cozinha
boto o avental
pego a faca mais afiada
e limpo os peixes
que não peguei durante o dia
2
liquidação
tudo a um real
só tenho sonhos na carteira
3
novo normal
a Terra ficou plana
e o Sol
nasce
quadrado
4
agenda
todo
dia
a
mesma rotina
acordar
lavar
o rosto
tomar
café
e
morrer
MORTE FÁCIL
morri
a cada berro e porrada
que iluminaram a infância de relâmpagos
toda vez que me descobriram
descobrindo corpos
meu dos outros
todas as vezes em que entraram
sem pedir licença
em cada traição
goela abaixo
até que eu aprendesse a trair
e morrer
nas refeições diárias de medo
nos vômitos guardados nas gavetas do estômago
na pressa dos passos paralisados
sem nem confessar
olha estou morrendo
mortezinha besta quieta calada
derrota nada heroica
hoje
especialista
morro de segunda a domingo
morro até dormindo
e escrevendo um poema
TRANSPORTE URBANO
vagalumes forram a noite de algodão
e o céu bota um ovo
nos figos do sonho
talvez ainda possam se amar
montanha e mar
viajo por Maracangalha
Pasárgada Núncaras
Terras do Sem Fim
Babel Lilipute Carabás
Oz Macondo Taprobana
viajo até o vinho virar uva
um quase tudo
que começa e se acaba em quase nada
ultrapassarei a faixa amarela?
CADERNO ESCOLAR
primeiro vieram os do norte
e nos mandaram destruir nossas plantações
e plantar novamente
e destruir e plantar e
depois chegaram os do sul
e mataram os do norte
e nossos cães e avós
e nos mandaram demolir nossas casas
e reconstruir e demolir e
então os do norte voltaram
e nos deram armas
e nos fizeram fuzilar os do sul
e nossos vizinhos
e pais
agora os do sul e os do norte
deram as mãos em nome da paz
nos disseram que finalmente estamos livres
e não conseguimos descobrir do que
a orquestra do titanic
anima o baile da ilha fiscal
números slogans rezas
ninguém mais fica calado
a traição que se aprende
devora os nossos passos
containers no cais do porto
com toneladas de piedade
mil caminhos na porta
e nenhuma fechadura
um palmo é nossa medida
de raso e medo profundo
o plástico embrulha estômagos
bairros oceanos
muros recitam flores
panfletos com patrocínio
numa chuva de napalm
navega a arca de Noé
os casais se desfazem
em seu próprio dilúvio
apagados os passados
nunca teremos sido
mas não se aflija - à noite
tem fim do mundo outra vez
e a extensa fila de abelhas
no mercado a comprar mel
ONDE
calma
ele já volta
foi só buscar a lâmpada
e os comprimidos
não é um adeus
ainda há desejos esfarelados
que não saltaram pela janela
olha ali no canto
não é a infância abanando o rabo?
o gol os tecidos a xícara emprestada de açúcar
os ossos
calma
os silêncios já vêm te ninar
desossar teus tímpanos
ele vai calafetar as frestas os medos as cáries
a voz do pássaro cego
olha
ali no canto
não
é o cão vomitando vogais?
calma
esquece o choro
engole o frio
não são seus passos subindo a escada?
vem anda
alinhava teu pesponto
teu sono forrado de pregos
estende a mão
fura bolos mata piolho pai de todos
cadê o homem que estava aqui?
A MUDANÇA
plantei
alegria e festa
nasceram
três pés de pânico
os
olhos paralisados
pelas
pegadas do trânsito
águas
que brotam paradas
movem
moinhos de tempo
passados
seguem passando
o
pavor sentindo medo
sou
náufrago no deserto
lanço
garrafas ao céu
todos
os dentros de fora
não
me iluminam o breu
atalhos
de latifúndio
a
morte a galope avança
coração
um quitinete
onde não cabe a mudança
CESAR
CARDOSO