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sexta-feira, 17 de junho de 2022

até o último homem

para o cândido rolim


a caatinga afoga

abrevia o olhar

faz andas de tortura

em agonia os quem

da lenta metamorfose

tenaz e inflexível

confrontam

a terra

a secura dos ares

e o estrondar das armas

quarta-feira, 6 de abril de 2022

maria

1

para horácio matela


o facão célere passa nos cortes

tira as moças para dançar

o ypsilone de bastiana

 

o camões dos sertões comanda

o folguedo de seus homens

às vezes tira dona maria

 

para dançar o xenhenhem

 

2

 

no raso da catarina folgam

as moças sempiternas

 

no raso da catarina maria

tira de rainha-bela

 

no raso da catarina bordam

moedas de ouro

 

para o cheiroso capitão

 

3

 

celebram pelo outro lado

este mar virado

 

os sinos do notre-dame

misturado ao bom jesus

 

o que fora o bendito pó,

que o conselheiro apregoou

segunda-feira, 28 de março de 2022

refrega

 

às seis horas o kyrie eleison

conforme o pó subia

 

a princípio frágil; fragorosos

caminhavam na caatinga

 

– pés e rostos duros –

assomavam com pedras

 

a carpir rezas

com as mãos

 

(oswaldo martins)

quarta-feira, 9 de março de 2022

a cabeça de sandor marai

para marcello barcinski

 

a cabeça girava sobre o coturno

acusação de esfolha terra

ritmo e rictos em frenesi

 

dos zigomas manchas

gotejavam formas perpétuas

na consciência de seus algozes

 

os lábios que calados ainda voz

se ouvia pelo século vindouro

intimavam a moto-perpétuo

 

a vergonha a mesquinhez o logro

desta des republicana civilização –

estupidez estampada nos selos

 

com que cerram olhos zigomas lábios

dos corpos-corpo em praça pública

nos recônditos porões das tiranias

 

oswaldo martins

terça-feira, 1 de março de 2022

juan rulfo

 para martha e arturo rueda

 

em comala vieram os gigantes

de terra e morte

 

ide cobrar o nosso

 

vozes e silêncios súbitos

aludiam sob os pés das mulas

 

sobre a cova balas de cantaria

incrustaram-se no alto da torre

 

cujo fantasma descarnado a sânie

dos povos anunciara

 

na predicação da língua-espelho

do pó ao pó

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

mar

 

no crestado cravam unhas

escavam para o além-terra

o movimento das partilhas

 

creem e soltam a dor-voz

na taipa dos casebres-ur

a fundar perseguidas visões

 

águas até do mar-resposta

sobre o vago aqueduto-pó

pelo sertão do infinito fim

terça-feira, 23 de novembro de 2021

uma lenda arrepiadora

 

olharam a sanhuda ave de césar

na árvore a baloiçar de lá pra cá

de cá pra lá até onde o vento

 

a roupa-traste de rasgada tiras

já não veste o moreirinha tirado

pelo medo de seus cabos

 

pela morte-fama do contestado

cabeças boiam no ainda boiar

desta farda incorpórea e rota

 

qual caxias à margem-história

joga ao revés de si os paraguaios

dos sertões que em kirie eleison

 

entoam glórias ao bom menino

no há-de vingá-los da morte

o manto-água da matéria-nada

quarta-feira, 16 de junho de 2021

1º combate

 

sob a terra arrastam-se as sandálias

a disforme procissão a bandeira ergue

com paus e pedras ao comando-águia

do beatinho avançam os sacerdotes

 

da caatinga – todos cavam ladainhas

nas trincheiras canções de véspera

ecoam sob o chap chap absconso

com que anunciam loas ao bom-jesus

 

arrepanham as calças a cabeça-peso

desvaria atulhada do sono da pedra

sob o setentrião o assalto toma-os

oriente- se, rapaz junto às armas

 

para sempre imagens da nulidade

ante o arrastar-se que desvela a estes

e àqueles a pungente dança-dança

do coreógrafo neste baião de 2

 

por dançar

 

(oswaldo martins)

quinta-feira, 10 de junho de 2021

descanso

 

o mar traz facas de arbustos tortos

iridescências de rubros cortes

faz o sol brilho de perdidos portos

ao navegar o seca-chão nordeste

 

o alferes wanderley boné de lama

coberto escarra escaras a suja boca

da montaria desdobra com a fama

um espécime de museu entoca

 

nos fraguedos o arcabouço rijo

ventre plena imagem de cuja morte

retorta amplitude deste mar adrede

 

à vala comum soma do deus frígio

o verme da matéria em sua coorte

de bacantes crinas ao vento-letes

 

(oswaldo martins)

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

mulheres e sertão

 1

 

as casas cuja densidade

cegou os olhos de orfeu

cavam na desdita o céu

opaco a vagar cidades

 

seus percalços já distam

peri-canto das amadas

surdas orfeu, o danado

açor dos fados cisma

 

abutre sobre o corpo

sua dor ao bico leva

sobe o risco escalavrado

 

à queda em dissabor

do canto cala ceva

de eurídice a ossada

 

(oswaldo martins)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

farda


entre arbustos ressequida
calçola assustava a litorânea

gente seus sus inflavam
pelo soprar de um tropel

de fugitivos que ao vê-la
espaventosa guarda

dos sertões ante a coorte
de antônio beatinho

de esgueira pelos solcacos
via luzir hiroshimas

quando estrondavam
os bacamartes

(oswaldo martins)

segunda-feira, 29 de abril de 2019

conselheiros


conselheiro 1

o estorno das palavras afunda
a voz nas cercanias

nega-se até a exata
designação das coisas

quando o dizer cala
a face enruga

e o corpo nu
marca as aras

e as sustenta
de enxugamentos

no oco
da lucidez


conselheiro 2 

destampa o vau
dos bons conselhos

faz com que os rios
de areia seca

transmudem-se
labirintos

em que a escuna
dos fiéis

braceja pelos mares
da alucinação

constrói casas
que se subissem

os montes santos
a escada de jacob

(oswaldo martins)