para o cândido rolim
a caatinga afoga
abrevia o olhar
faz andas de tortura
em agonia os quem
da lenta metamorfose
tenaz e inflexível
confrontam
a terra
a secura dos ares
e o estrondar das armas
Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
para o cândido rolim
a caatinga afoga
abrevia o olhar
faz andas de tortura
em agonia os quem
da lenta metamorfose
tenaz e inflexível
confrontam
a terra
a secura dos ares
e o estrondar das armas
1
para horácio matela
o facão célere passa nos
cortes
tira as moças para dançar
o ypsilone de bastiana
o
camões dos sertões comanda
o
folguedo de seus homens
às
vezes tira dona maria
para
dançar o xenhenhem
2
no
raso da catarina folgam
as
moças sempiternas
no
raso da catarina maria
tira
de rainha-bela
no
raso da catarina bordam
moedas
de ouro
para
o cheiroso capitão
3
celebram
pelo outro lado
este
mar virado
os
sinos do notre-dame
misturado
ao bom jesus
o
que fora o bendito pó,
que
o conselheiro apregoou
às seis horas o kyrie eleison
conforme o pó subia
a princípio frágil; fragorosos
caminhavam na caatinga
– pés e rostos duros –
assomavam com pedras
a carpir rezas
com as mãos
(oswaldo martins)
para marcello barcinski
a cabeça girava sobre o
coturno
acusação de esfolha terra
ritmo e rictos em frenesi
dos zigomas manchas
gotejavam formas perpétuas
na consciência de seus algozes
os lábios que calados ainda
voz
se ouvia pelo século vindouro
intimavam a moto-perpétuo
a vergonha a mesquinhez o
logro
desta des republicana
civilização –
estupidez estampada nos selos
com que cerram olhos zigomas
lábios
dos corpos-corpo em praça
pública
nos recônditos porões das tiranias
oswaldo martins
para martha e arturo rueda
em comala vieram os gigantes
de terra e morte
ide cobrar o nosso
vozes e silêncios súbitos
aludiam sob os pés das mulas
sobre a cova balas de
cantaria
incrustaram-se no alto da
torre
cujo fantasma descarnado a sânie
dos povos anunciara
na predicação da
língua-espelho
do pó ao pó
no crestado cravam unhas
escavam para o além-terra
o movimento das partilhas
creem e soltam a dor-voz
na taipa dos casebres-ur
a fundar perseguidas visões
águas até do mar-resposta
sobre o vago aqueduto-pó
pelo sertão do infinito fim
olharam a sanhuda ave de césar
na árvore a baloiçar de lá pra cá
de cá pra lá até onde o vento
a roupa-traste de rasgada tiras
já não veste o moreirinha tirado
pelo medo de seus cabos
pela morte-fama do contestado
cabeças boiam no ainda boiar
desta farda incorpórea e rota
qual caxias à margem-história
joga ao revés de si os paraguaios
dos sertões que em kirie eleison
entoam glórias ao bom menino
no há-de vingá-los da morte
o manto-água da matéria-nada
sob a terra arrastam-se as sandálias
a disforme procissão a bandeira ergue
com paus e pedras ao comando-águia
do beatinho avançam os sacerdotes
da caatinga – todos cavam ladainhas
nas trincheiras canções de véspera
ecoam sob o chap chap absconso
com que anunciam loas ao bom-jesus
arrepanham as calças a cabeça-peso
desvaria atulhada do sono da pedra
sob o setentrião o assalto toma-os
oriente- se, rapaz junto às armas
para sempre imagens da nulidade
ante o arrastar-se que desvela a estes
e àqueles a pungente dança-dança
do coreógrafo neste baião de 2
por dançar
(oswaldo martins)
o mar traz facas de arbustos tortos
iridescências de rubros cortes
faz o sol brilho de perdidos portos
ao navegar o seca-chão nordeste
o alferes wanderley boné de lama
coberto escarra escaras a suja boca
da montaria desdobra com a fama
um espécime de museu entoca
nos fraguedos o arcabouço rijo
ventre plena imagem de cuja morte
retorta amplitude deste mar adrede
à vala comum soma do deus frígio
o verme da matéria em sua coorte
de bacantes crinas ao vento-letes
(oswaldo martins)
1
as casas
cuja densidade
cegou
os olhos de orfeu
cavam na
desdita o céu
opaco a
vagar cidades
seus
percalços já distam
peri-canto
das amadas
surdas
orfeu, o danado
açor
dos fados cisma
abutre
sobre o corpo
sua
dor ao bico leva
sobe o
risco escalavrado
à
queda em dissabor
do
canto cala ceva
de eurídice
a ossada
(oswaldo
martins)