Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
quarta-feira, 30 de abril de 2014
terça-feira, 29 de abril de 2014
modinha para dorival caymmi
I
da síntese
ao mar composto
em espanto
o empuxo das sereias
a boceta das teresas
tim tim por tim tim
pelas ruas desertas
cabem no lamento
da preta do acarajé
II
noite
é noite ê
pescador voltou
no mar
roído de peixes
III
na lagoa o abaeté
mariazinha não voltou
foi amor de desonra
foi amor de desgosto
foi amor
foi prenhês
na água escura
do abaeté
IV
o corpinho dela
o requebro dela
a bata cai no ombro
das horas
sorri nos olhos alvos
e na curva do xibiu
há perfume de alecrim
V
a paleta atiça a cor
dos boleros
fundamenta o requebro
das mulatas
que vestem
os panos da costa
(oswaldo martins)
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Rogério Batalha
TextoTerritório lança obra de Rogério Batalha em três livros
Coleção traz textos inéditos,
antologia e volume com o poema Cidade
fundida
Aos olhos do poeta e letrista Rogério
Batalha a cidade não é exatamente bipartida, ao contrário, morro e asfalto se fundem
no trânsito diário da alegria e da labuta. Assim, o escritor não se deu às redundantes
dicotomias do espaço urbano, mas leu o território que o cerca a partir da
afirmação radical de um princípio de vida e prazer, sem deixar de lado a visão
crítica. Essa é a tônica dos livros Inventário, Cidade fundida e Medida do sal,
que a editora TextoTerritório reuniu no lançamento especial com o objetivo de
ampliar a
circulação a obra de Batalha.
As capas são da Artista plástica
Mozileide Nery, inspiradas em uma dedicatória de Arnaldo Antunes feita para
Batalha. Para o lançamento, a TextoTerritório encomendou 50 caixas especiais,
que foram pintadas pela artista. No lançamento, Mozileide Nery também fará uma
exposição de suas monotipias sobre tecido.
Desde o primeiro livro publicado
Batalha teve a qualidade de sua poesia reconhecida por nomes que são referência
na cultura brasileira, no entanto seu trabalho continuou em relativo
ostracismo. Waly Salomão escreveu a contracapa de seu primeiro livro, Malícia,
já o segundo, Bazar barato, teve de contracapa assinado por Antonio Cicero,
enquanto Melaço ganhou prefácio de Ricardo Oiticica. “As edições eram independentes,
algumas com tiragem de apenas cem exemplares. Estou empolgado porque os livros
praticamente não existiam mais. Eu transito num ambiente específico que é o
subúrbio. Voltar a circular numa vitrine maior está me animando a escrever
mais”, diz o autor que passou os últimos anos compondo mais que escrevendo
livros.
Dentre as novas publicações, Inventário é uma antologia de poemas
dos quatro livros já publicados Malícia,
Bazar barato, Melaço e Anfíbio.
Cidade fundida dialoga com o mito da cidade partida. O impactante
poema, que havia sido publicado apenas em um livro universitário, entre obras
de ficção e não-ficção e fora de comércio, ganha corpo pleno, em um volume
único.
Medida do sal reúne textos que são inéditos em livro, pois
circularam apenas em CDs. A publicação traz 40 letras de Rogério Batalha
musicadas por diversos parceiros que transitam pelo universo do samba, como
Moacyr Luz, Roberta Nistra, Dú Basconça, Agenor de Oliveira, Paulinho Lêmos,
Eliane Faria, Kinho e Rogério Lopes.
SOBRE O AUTOR
Rogério Batalha é natural de
Miguel Couto (Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense). Circulou por Madureira,
Cascadura, Penha e outros territórios. Depois de editar de maneira independente
seu primeiro livro, Malícia, em
1998, publicou ainda Bazar barato
(1999), Melaço (2002), Anfíbio (Armazém Digital, 2005) e teve
sua poesia incluída em uma coletânea organizada pela Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ). Suas parcerias como letrista com Moacyr Luz, Rogério
Lopes e Dú Basconça foram apresentadas no Encontro de Compositores promovido
pelo Centro de Referência da Música Carioca. Com Roberta Nistra, da nova
geração do samba da Lapa, escreveu sambas de temática afro-religiosa. Suas canções
entraram para o repertório da cantora Lu Oliveira, que registrou “Passou,
passou” (Moacyr Luz e Rogério Batalha) em seu primeiro CD, produzido por Zé
Renato (Boca Livre); e de Manu Santos, que gravou em seu disco de estreia “Domingo
é dia” (Moacyr Luz e Rogério Batalha).
domingo, 13 de abril de 2014
Três poemas de Juan Carlos Mestre
Salmo
dos Bem-aventurados
Ávida
vena, dame tu cordel.
Antonio
Gamoneda
Bem-aventurado o que aos quarenta anos
ainda não conheceu a recompensa e chama virtude o cordão de um sapato, o homem
sem convicção que deitado na relva passa o dia dormindo e discute sobre o
esforço com os gafanhotos.
Bem-aventurado o que suporta o
empréstimo da verdade, o escavado em pedra e o que construído de palha é
alternadamente senhor do nada e rei de um só vassalo.
Bem-aventurado tu que sem te chamares
Juan não és outro que Juan o explícito, o pai do ar cujos filhos herdarão as
máquinas de moer vento.
Bem-aventurado o que passou a noite com
a insignificância, porque embelezado pela privação será dele alguma vez a
ausência,
o que é vizinho de dois bocas, o da voz
miúda a que lhe falta um dente, o homem sem pretexto que teve um asno, uma
boina, um bode.
Bem-aventurado o que ante o argumento da
pólvora torce o focinho de lanterna e fala alto, o que paga seu uivo com a
vida, o que num instante é articulação de lobo e árvore ajoelhada.
Bem-aventurado o pássaro cujo canto
desperta o coração de uma mãe nos galhos da tristeza.
Bem-aventurado o manco e seu violino de
oxigênio, a abelha de açúcar que suga a superfície dos licores brancos.
Bem-aventurado o viajante que vaga no
concêntrico e traduz o limite, a fertilidade do sacrifício, a teologia das
medalhas da lua.
Bem-aventurado o que emigra à margem de
seu amor, porque dele será a estranha fruta do animal de sábado.
Bem-aventurado o esqueleto de Rimbaud e
seu pássaro influente, único herói no festim do crânio.
Bem-aventurado o que diante da alusão
aos espelhos se volta pensativo e ignora azul e amavelmente suas lágrimas.
Bem-aventurado o imortal do morto, a
desculpa do chapéu e seu balido, o repentinamente desenganado no paladar das
tábuas da morte.
Bem-aventurado a andorinha de madeira
que faz o menino pulsar antes de conhecer o sexo.
Juan
Carlos Mestre
Tradução:
Ronaldo Costa Fernandes
PARMÉNIDES
La verdad es una diosa que enseña el
camino a los errantes.
Si debe ser necesaria la luz antes ha de
no ser la noche.
El olvido es la presencia aparente de lo
que aún existe.
La diosa habita el círculo de la
benevolencia, es piadosa.
Lo femenino es la rueda de un carro, lo
masculino la otra.
Yo soy dos semejanzas paralelas de amor,
dos infinitos.
No sé si las yeguas piensan o padecen,
dudo entonces.
¿Es más justo el que nace o el que no
pudo ser?
Cuando me muera regresaré al todo de la
nada. Estoy contento.
Juan Carlos Mestre
HERÁCLITO
Mi padre dijo: Hoy es el día del fuego
en cuya destrucción todo es diferente.
Ancho era el mar y yo quería buscarme a
mí mismo,
rodee su cuello con dulzura, sus
extinguidos brazos,
aquellos que tensaban el arco y en la
luz del día
caricia exacta de más y más amor hacían.
También el humo hace toser a los dioses,
por eso padre mi alma está llena de
fuego.
Yo le decía, pero su sueño era hallar la
orilla,
averiguar el inicio de la costa, botar
naves.
No se da cuenta que el agua quemó ayer
todas las playas.
Juan Carlos Mestre
sexta-feira, 11 de abril de 2014
estudo para o valongo
1
o horror das trevas
no valongo
nos ossos
em suas concavidades
nas unhas
em restos de cabelo
não fossem as ruínas
a boca dos mortos
ou a geografia
de espantos
2
a mandíbula solta
e o braço em partes
feitos embrulho
num canto da cidade
3
o juiz da ribalta
cheio de piolhos
usou no rosto pomada
na cabeça a peruca
e no cu um espeto
bem vodu
4
no sitio arqueológico
as cacimbas
a febre da dor
e este convite
para dançar
5
a casca do baobá lavra
de histórias
o corpo
os pontudos seios
os caralhos duros
da umbigada
6
quando estaca
a umbigada
a vida
ou o gurufim
7
uma caveira
não só é uma caveira
uma caveira
fala pelos mortos
fala dos que morridos foram
pelo assassinato
8
um morto
mesmo os mortos assassinados
não só é um morto
9
os mortos do valongo
pretos novos
no limite da palavra
cravam ossadas
nos olhos
(oswaldo martins)
terça-feira, 8 de abril de 2014
olhos
olhos
para celeste
sobre o ombro que sustém o mundo
desenfreia sua trágica experiência
de afetos
os baobás da lembrança
na palma das duas mãos respondem
pelos ombros de irene
perpassa de joão, o marinheiro,
aos casacos de nomes
o alumbramento
celeste-definidora
caixa de segredos
quando os olhos
são olhos
olhos para a poesia
(oswaldo martins)
quinta-feira, 3 de abril de 2014
iracema
o
gênio de colombo
manchou
de opróbrios a alma do mazombo,
cuspiu
na cova do morubixaba!
(augusto
dos anjos – os doentes)
a noite não era simples
nos pátios dos colégios
o hino para sempre imbecilizado
os fantoches fantasiados e nefastos
do neofascismo
os que roubaram o corpo de macunaíma
e o escalavraram na pedra
na ponta da baioneta
os que descendem da linha de caxias
e não da linha direta de xangô
os putos e suas metafísicas
de corpos despedaçados
a tumba cinquentenária
para o escárnio dos escarros
nos que ali estão para que ainda
lhes extirpemos o fígado
(oswaldo martins)
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