sábado, 6 de outubro de 2012

antiode para a biblioteca parque de manguinhos


1.
esta biblioteca é minha
está na conta de todos os calotes que dei no 310 (del castilho-praça xv) para me despencar pra biblioteca nacional pro centro cultural bando do brasil
esta biblioteca é minha
está na conta de todas as esperas madrugadas em claro por um cata-corno na central do brasil depois de voltar de um teatro longínquo da gávea
esta biblioteca é minha
está na conta dos cochilos dos pontos perdidos das tardes inteiras de ir e vir saens pena botafogo lendo no ar-condicionado metropolitano
esta biblioteca é minha
está na conta da vesícula biliar que deixei pra pagar garimpos livrarias sebos de tudo que que me interessa e não é meu o ouro do outro a cidade
a cidade é minha

2.
não está na conta essa biblioteca parque da biblioteca da senhora parker apesar da quase homonímia de seus sobrenomes
lá, a antialexandria, o senso do privado contamina a ordem pública
lá, o trambique agostinho minou mina minará a sala das famílias do brasil
de lá sai cuspido e escarrado o poema em que nossas mães se reconhecem

não está na conta dos inocentes do Leblon a biblioteca parque de manguinhos
cá, por mais que venham todos os dias muitos inocentes com seu interesse antropólogo diante da tribo esquecida o elo perdido
cá, por mais que se assustem todos os dias os projetinhos beneficentes chá de caridade “aaaah eu não entendo porque ele não gosta de mim”
cá, furaram os olhos do sabiá

e mais, não está nem na minha conta que cada um diga aqui agora “a biblioteca é minha"
é tudo nosso a biblioteca a praça a cidade

3.
então não agradeço (a biblioteca é minha)
ao excelentíssimo presidente da república luiz inácio lula da silva e seu crescimento acelerado
então não agradeço (a biblioteca é minha)
ao excelentíssimo governador do estado apesar de todo respeito que tenho por seu pai (sergio cabral pai, um livro público da minha cidade)
então não agradeço (a biblioteca é minha)
à excelentíssima senhora adriana rattes pelo quanto sonhei um estação partindo direto de bonsucesso
então não agradeço (a biblioteca é minha)
às lágrimas e à luta da ilustríssima senhora vera saboya
então não agradeço (a biblioteca é minha)
às noites em claro do ilustríssimo senhor alexandre pimentel
então não agradeço (a biblioteca é minha)
ao estresse diuturno da dona ivete da dona maura das meninas da produção cultural
então não agradeço (a biblioteca é minha)
por nenhuma gota de suor de quem rala para fazer acontecer a biblioteca parque de manguinhos
então não agradeço (a biblioteca é minha)
por nenhuma gota de suor inclusive do meu para que num lugar obscuro do planeta os livros substituíssem os fuzis de um velho quartel

e não me venham com boa vontade que a paz é mais embaixo

e não me venha o senhor ventura que sei unir a cidade partida

e não esperem que entre o lupenarcotraficário e os interesses privados dos peixes pequenos nasça um senso público colombiano – falta-nos umas FARC 

e nem me digam terra ingrata filho ingrato poeta de merda

não agradeço nem nunca agradecerei pelo que é meu
não agradeço a deus pelos anos a fio dos meus cabelos brancos em que ficaram me devendo essa biblioteca e ficaram me devendo meu sono minhas solas meu fígado
a deus só posso agradecer por tudo que não me pertence
mas esta biblioteca é minha
é minha a praça a cidade meu o país

4.
esta biblioteca é minha como é minha a cidade de são conrrado a santa cruz sem cruzar pela barra
nos meus roteiros o usucapião da casinha na marambaia à da vinci pela rampa caracol do marques de herval
na mão tenho linhas que vão dos rotos da cracolândia do jacarezinho ao albene do teatro dos quatro
na mão tenho a rota do inesperado gozo das meninas da rua ceará ao delírio sangrento das carnes do porcão
na minha mão as cotas do pré-vestibular comunitário aprendem a safar-se do bullying, dos pilotis da puc, dos pedantismos diurnos do fundão, dos suicídios décimo-segundo andar da uerj
nas entrelinhas da minha mão, a cola das fórmulas para a prova de geometria

e agora que lhes dou o mapa que explico o poema à sombra das palmeiras quem cola comigo?
nem o craqueiro nem a atriz
nem a puta nem o dentista

pois quem me deu a minha cidade (e o amordesprezo que sei nutrir pelos sorrisos amarelos, pelos olhos por trás dos óculos de sol)
foram as minhas bibliotecas

5.
é isso aí
se precisar tiro onda de doutor

(Alexandre Faria)

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