segunda-feira, 28 de julho de 2025

DESERTO

Direção e dramaturgia original: Luiz Felipe Reis

Atuação: Renato Livera

 

O primeiro livro que li do Roberto Bolaño foi Noturno no Chile, livro denso e difícil que traz um monólogo indivisível. Depois, á medida em que foram sendo publicados no Brasil, passei a construir uma percepção mais intensa do autor. Nos últimos tempos tenho lido sua poesia.

 

Quando, um amigo, Ronald Iskin, me falou da peça que estava em cartaz no Teatro Poeira, resolvi assisti-la. Imaginei pelo título e pela descrição da peça que reencontraria o escritor. A peça me surpreendeu positivamente. A atuação, a montagem cênica simples e o texto muito bem urdido do monólogo – a sobriedade que bem unia texto e atuação me trouxeram diversas e grandes emoções.

 

Foi interessante notar que uma das reflexões que a peça traz é construída por uma costura muito bem-feita da apreciação que Bolaño faz da poesia (ou da antipoesia) de Nicanor Parra. Na véspera de eu ir assisti-la, reli os poemas de Parra, poeta com o qual trabalharia no curso de leitura on-line que ministro. Desta forma o texto de Parra estava ainda reverberando em meus pensamentos.  

 

Ao ser tocado pela emoção da peça (e do texto de Bolaño) muitas vezes mergulhei no meu próprio universo literário. Algumas das impressões já me eram conhecidas outras, não. A construção temática se apresenta contida desde o início e vai nesta contenção atingindo graus de emoção que se mostram tanto mais fortes quanto maior o silenciar do grito, que explode neste paradoxo entre o contido e o explosivo.

 

O paradoxo mistura entre o contido e o explosivo me parece ser uma das buscas de Bolaño, como afirmei acima. O que me deixou de alguma forma perplexo foi exatamente esse paradoxo ser entremeado pela presença de uma subjetividade expressa, coisa que prefiro evitar quando escrevo. Ao falar de si, Bolaño fala do mundo com maior ou menor expressividade? Fiquei me interrogando sobre essa rasura, que leva à mistura paradoxal do autor e que a peça atualiza, com brilhantismo.

 

Oswaldo Martins

domingo, 27 de julho de 2025

bolaño

 

sobre a mesa

este papel

um livro

 

o cinzeiro das paneleiras

do espírito santo

 

nada mais

além da poesia em estado puro

 

depois as manchas das palavras

que sempre ficam por dizer-me

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Poema de Cláudio Leitão

a tarde morna

me diz teu calor

olor e flor

memória sem fado

ato a nosso fato 

essa face orna

(Cláudio Leitão)

sábado, 7 de junho de 2025

jardim

1

 

vermes rentes às paredes

sabem-se a ser do homem

a medida única

 

2

 

nestes ossos expostos

um edifício ruinoso

habita-os

 

3

 

um pedaço de pano

em roxo sujo no interior

do horto

 

4

 

não se fazem jardins

apenas o que há

sem disfarce algum

 

5

 

as entranhas à mostra

esse vermelho parque

devoram

 

6

 

a lavra cava veias

na sórdida solidez

dos homens

segunda-feira, 2 de junho de 2025

sem título

 para eugênia abrahão


as mãos 

os braços mais tarde

os pés as desarticuladas unhas

o estrondo cava esta imagem dura


meus olhos

o espanto das ruínas 

o ignóbil voejar das moscas 

ser este menino estraçalhado 

a nuvem de vergonha que o cobre

um retrato que desce aos escombros


de gaza

quinta-feira, 10 de abril de 2025

teoria 3 do poema


estrugir tem origem desconhecida

o homem quando a ele se aferra

atordoado pelo voo dos objetos

em descontrole

 

tange as possibilidades nulas

os poros se abrem

à dilação do tempo

o mínimo instaura


sua postura tátil no inútil

do quando ele usufrui

dos prazeres o átimo

de si mesmo

sábado, 22 de março de 2025

quarta-feira, 19 de março de 2025

teoria 2 do poema


se deus criou o mundo

e cronos retirou-o do caos

o poema acenderá

todas as dúvidas

em sua similitude


terça-feira, 18 de março de 2025

Íbico

 ... na primavera cidôneos

marmeleiros – banhando-se das correntes 

dos rios, onde há das Virgens

jardim inviolável – e os brotinhos de vinhas –

crescendo sob sombreados ramos de 

parreiras – florescem. Mas para mim a paixão 

não repousa em nenhuma estação. 

E, com raios marcando o caminho 

 o trácio Bóreas, 

voando veloz da casa de Cípris, com crestantes

loucuras, sombrio, descarado,

com mão firme, desde o fundo,

vigia meus sensos...


(Frag 286  Íbico)