as palavras cegas
andam à procura
elas dançam entre
os olhos em fuga
Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
se deus criou o mundo
e cronos retirou-o do caos
o poema acenderá
todas as dúvidas
em sua similitude
... na primavera cidôneos
marmeleiros – banhando-se das correntes
dos rios, onde há das Virgens
jardim inviolável – e os brotinhos de vinhas –
crescendo sob sombreados ramos de
parreiras – florescem. Mas para mim a paixão
não repousa em nenhuma estação.
E, com raios marcando o caminho
o trácio Bóreas,
voando veloz da casa de Cípris, com crestantes
loucuras, sombrio, descarado,
com mão firme, desde o fundo,
vigia meus sensos...
(Frag 286 Íbico)
o conceito em sua inutilidade
arredonda o corpo do poema
no espaço erode os objetos
as ações e – relâmpago vivo –
por serem móveis as palavras
que o secretam se derretem
as possíveis tramas fazem
rasas
as passagens que se mostram
e desaparecem
hetaira
afronta desde as águas
o himeneu a cantora
de fados e fodas
*
farmácia
circense margarida
dos homens canta
a pobre ilusão
*
tauromaquia
enquanto hera vigia
o tapete borda helena
símile divino
OS PEDREIROS CANTAM
Os pedreiros cantam nos andaimes
de cimento,
ferro,
cal;
seus assistentes assobiam.
Os pedreiros suam muito,
camisas ficam sujas
e trabalham com sapatos puídos.
Mas no domingo eles usam camisas brancas
e os sapatos novos, que rangem um pouco,
e eles abordam suas namoradas religiosamente
como alguém se aproximando de uma toalha de mesa ou olhando um adesivo.
Os pedreiros trabalham cantando
uma música, qualquer música,
e do andaime
eles se parecem um pouco com anjos
com suas asas de cal e entre nuvens de areia.
Eles guardam dentro de seus corações
pequenas ilusões como frutas maduras
assim como as avós entre roupas brancas
os marmelos perfumados.
Os pedreiros cantam,
seus assistentes assobiam.
Às vezes, no alto do andaime,
eles entram em colapso.
atabaliba é um nada
um menos que nada
ou ainda a partícula
deste nada
o resto do nada
mais que o nada
o absoluto-nada
um lugar ainda e não
um não em seu nada
o atabaliba-nada
cercaram-no por isso
com um muro
atrabiliário
Um sol frio
e branco
azulazulejado sol
silencioso sol
licencioso nasce
necrosado
*
Desista Juan,
suas pernas impedem a fuga
e o paralisam
duas ilhas
cruciantes de areias estéreis
cristalizadas
nas margens
atrozes da miserável artrose
nos joelhos
__ na
boca! na boca!
umas davam-lhe
as costas com repugnância
outras
porém faziam-lhe a vontade
(manuel
bandeira – na boca)
a elas, as de mãos dúcteis, o
verso compra
o carinho efêmero o silêncio o
desbordar
no íntimo de si
iguais na malícia saem ao
mercado feiram
e impõem se mutuamente o alegre
preço
do acordo tácito
assustam o mundo do espetáculo
ele e elas
proibidos se ferem ao
celebrarem a hecatombe
das entranhas-fim
ao alegrarem os deuses com a sordidez
dos atos
usam escusas tão dúbias quanto
o seriam as vozes
do indizível
ele e elas revelam o mundo do de
diversos nomes –
possuidores se tornam, oxalá, a
cara manifesta
do consumo
os vasos sabem a miúdas enfibraturas
quase imperceptíveis apenas ao
toque
deixam-se ver e lestos no esconderem
quem os cunhou secam em sepulturas
as imagens no sobre conceito afixadas
desmedida a sua dimensão de nuncas
a gerir a vida e a sentenciar os
numes
em palavras reles calam e reprimem
com toda avidez o dia até o
amanhã
quando uma mão sediciosa os exuma
e mostra à caveira dos olhares
o oco
imenso das tecituras: os vasos-caco