sexta-feira, 24 de junho de 2016

debuxos

1

certo
palavras e janelas
são o ai jesus dos suicidas

nada do que permite ou cala
serve

só o irascível carbono
vela

o movimento de jato
ou as borboletas azuis

2

certos palavras-zero
achos-quê

as latitudes roem
ratos desequilibrados

libam que libam
próximos ao nada

3i

ir ao caos
e calar

(oswaldo martins)

sábado, 11 de junho de 2016

coisitas

1
um ramo sempre mais
que o buquê de flores

2
um oceano mais
que a praia

3
um abismo
que a janela

4
corte
que a faca

5
poesia
ousia


(oswaldo martins)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

chica

o nada planta suas raízes
medram apenas árvores
paisagens

as casas velhas cheiram a novo
que é do preciso salgar
as carnes

uma e outra vez
que a que manda perceba
dos capitães do mato

o sal


(oswaldo martins)

sábado, 4 de junho de 2016

anotações para chica da silva

 para o ronald  augusto, que não conheço, ainda

1.       O Museu Chica da Silva é de rara beleza, mesmo que isso contrarie a ideia do que é um museu ou o museu da bela mulher. Que se fodam os que querem edulcorar a história! As salas vazias, o vazio como ícone do que sempre nos foi roubado, salgado, é uma linguagem eloquente das putarias com que se constrói uma pátria!

2.       Passear pelas salas cheias de espanto por não encontrar a Chica que manda é uma lição de história mais fodida que qualquer compêndio da dita, que qualquer romance borra-botas que pensa reconstituir o que foi e o que é.

3.       A presença da ausência dói mais que a ausência da presença. Nossa pomba-gira dionisíaca fala mais quando se posta na sala nua e nos olha desde seu desaparecimento.

4.       A Chica dançava rock nos jantares do comendador.

5.       Comia o cu dos das que se metiam a bestas.

6.       Beleza é o caralho de exu, eu quero é o vazio das gangues!

7.       Chica, Antônio e Arthur o único trio da formação do desaparecimento do Brasil, fodido pelos portugas.

8.       A história do Brasil é uma história de ausências.

9.       Oswald foi seu palimpsesto; Cecília, um pálido arremedo.

10.   Em Diamantina visitem o museu da Chica roubada. Vale mais que uma aula de história.

(oswaldo martins)

Pilulinha 46

O livro O Sexo Vegetal, de Sérgio Medeiros, publicado pela editora Iluminuras, em 2009, constrói-se com elementos inusitados. Uma arte de amar que se propõe uma simplicidade estonteante – livro paradoxal na busca da compreensão do humano, posto que a linguagem ao afastá-lo da natureza envolve e desorienta o leitor na negação cultural com que o homem inventa o mundo.

A construção empreendida pelo poeta de uma relação amorosa para os vegetais que copulam com as palavras permite que se rompam as forças comuns da linguagem, fabulando a possibilidade de uma língua natural, de uma lógica que escapou da construção da história. Como um botânico que colhesse não os espécimes, prestes a serem desvendados, Medeiros busca, como um minucioso estudioso, os espécimes linguísticos que dão ao poema sua justificativa e espanto.

Tal como alguém, frente ao sublime kantiano, se vê abismado na torrente da finalidade sem fim, a língua apresentada pelo poeta permite que se vislumbre de passagem, mas poderosamente, a possível percepção da aluvião a que pertencem o homem, a natureza, de que se afastou – e não poderia ser de outra maneira – e a linguagem a dizer só quando, se apresentado, se diz.

A sinestesia destes versos “Havia tantas estrelas no céu que ele pôde ouvir algo” brinca com a tradição da língua brasileira, abandona-a e determina uma outra deriva para os ouvidos já batidos dos ora, direis, posto que a cena que se desenrola é a do mato parado às costas do observador, iludido com o espetáculo dos universos gigantescos, paralisado com a encenação do que é: mato parado do que observa sem ver.

A poesia de O Sexo Vegetal é poesia de erotismo delicado e construído a ponta de faca, para desentocar do leitor costumeiro inusitadas relações em que se vê mergulhado.


(oswaldo martins)