quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Seco

o filho disse ao pai
vamos dar um tempo
o pai disse
agora não
o filho disse
 magister
quem disse?
crendice
o que fazer
com a versão do outro?
silêncio
estrada
gole seco
até a canoa voltar

(Luiz Fernando Medeiros

fevereiro 2015)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Traduzido de Kleist

Dizem que no outro mundo o sol é mais brilhante
E brilha sobre campos mais floridos
Mas os olhos que vêem essas maravilhas
São olhos apodrecidos

(Sophia de Mello Breyner Andersen)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Tem elite no samba

Viens
Petite francesa
Dansez le classique
Em cime de mesa
(tem francesa no morro – Assis Valente)

Domingo pré-carnavalesco, andando distraídos pelo Jardim Botânico, procurando um lugar aprazível para tomarmos um café da manhã, lembramo-nos de um café na Rua Maria Angélica e para lá nos encaminhamos. Percebemos que a rua estava fechada e que bem em frente do café havia um ensaio de bloco carnavalesco que não prometia muito, pelo reduzido número de pessoas e certa quietude. Resolvemos encarar o café por ali mesmo.

Quando sentados na mesa, vimos tristemente iniciar uma música típica, vinda de um carro de som estridente, que convocava para os festejos antecipados de Momo, como a cidade achou por bem se autorizar. A estridência era enorme, incomodava com a sua pouca ou quase nenhuma harmonia. Olhamos constrangidos para os pratos já servidos; não havia mais jeito – a imprudência cobrava seu preço. Procurávamos conversar o que nenhum de nós podia ouvir.

A música foi-se tornando cada vez pior, mais alta e menos harmônica. Havia uma bandinha, um cara fantasiado de malandro e um mestre de cerimônia, perto do carro de som. Pensamos que eles funcionavam como enfeites bem comportados, como bonecos de presépio. Eram o próprio anticlímax do carro. A bacteriologia inventariante, como disse um poeta pouco afeito a festas, fazia lentamente seu trabalho de sempre, carcomendo aos poucos a estridência do carro que subitamente estancou. Apareceu um microfone.

Amigos, a tragédia burguesa pode ser a pior das tragédias humanas, posto que não se perceba trágica. O que é pior que a representação que se quer cômica e fagueira? As poucas figuras que sambavam mais balançavam os atributos de que eram falhas, imitavam as cabrochas, os mestres salas, as passistas. Mas, meu Deus, o faziam como se fossem encenações de um enterro de algum figurante alarve. Era o próprio o paraíso dos bufões, aquela celebração tacanha e gasta.

O microfone foi tomado com fúria pelo mestre de cerimônias que passou a apresentar o bloco, cujo nome curioso, nos levou ao desvario do riso franco e debochado. De nossa distância, observávamos a cena, já curiosos para ver até onde a pseudo festa acabaria.
Nosso homem vociferava, chamando o malandro até o microfone para cantar a música do bloco. Era um senhor idoso, mais parecia ser o jardineiro de uma casa apalacetada, tinha o olhar desconfiado e dócil dos que estão acostumados a cumprir ordens. Decidimos que era o jardineiro da casa onde morava o dono da festa. Cantava mal, não como canta bem um Nelson Cavaquinho ou um Casquinha, mas como quem não tinha nenhuma intimidade com o que estava fazendo. Uma tristeza. Vendo que seu jardineiro, pago a tostões, não estava dando conta do recado, nosso rico-homem toma do microfone e termina por assassinar as marchinhas tão formosas dos carnavais antigos.

Levantamos e nos dissemos basta. Pedimos a conta e nos preparamos para sair. Voltava a marchinha do bloco, gritada em tons grotescos. Saímos às gargalhadas, meio putos da vida, entre divertidos e irritados. Já um pouco mais distantes, escutamos a grande pérola desta carnaval descaracterizado que toma conta das ruas da cidade.

É pequeno, mas balança,
Não somos grandes
Não somos enormes
Não somos imensos
É pequeno, mas também balança
É pequeno, mas também balança

E mau, concluímos descrentes dos que apenas balançam.


(oswaldo martins)