Viens
Petite francesa
Dansez le classique
Em cime de mesa
(tem
francesa no morro – Assis Valente)
Domingo
pré-carnavalesco, andando distraídos pelo Jardim Botânico, procurando um lugar aprazível
para tomarmos um café da manhã, lembramo-nos de um café na Rua Maria Angélica e
para lá nos encaminhamos. Percebemos que a rua estava fechada e que bem em
frente do café havia um ensaio de bloco carnavalesco que não prometia muito,
pelo reduzido número de pessoas e certa quietude. Resolvemos encarar o café por
ali mesmo.
Quando
sentados na mesa, vimos tristemente iniciar uma música típica, vinda de um
carro de som estridente, que convocava para os festejos antecipados de Momo,
como a cidade achou por bem se autorizar. A estridência era enorme, incomodava
com a sua pouca ou quase nenhuma harmonia. Olhamos constrangidos para os pratos
já servidos; não havia mais jeito – a imprudência cobrava seu preço. Procurávamos
conversar o que nenhum de nós podia ouvir.
A
música foi-se tornando cada vez pior, mais alta e menos harmônica. Havia uma
bandinha, um cara fantasiado de malandro e um mestre de cerimônia, perto do
carro de som. Pensamos que eles funcionavam como enfeites bem comportados, como
bonecos de presépio. Eram o próprio anticlímax do carro. A bacteriologia inventariante,
como disse um poeta pouco afeito a festas, fazia lentamente seu trabalho de
sempre, carcomendo aos poucos a estridência do carro que subitamente estancou.
Apareceu um microfone.
Amigos,
a tragédia burguesa pode ser a pior das tragédias humanas, posto que não se perceba
trágica. O que é pior que a representação que se quer cômica e fagueira? As poucas
figuras que sambavam mais balançavam os atributos de que eram falhas, imitavam
as cabrochas, os mestres salas, as passistas. Mas, meu Deus, o faziam como se
fossem encenações de um enterro de algum figurante alarve. Era o próprio o paraíso
dos bufões, aquela celebração tacanha e gasta.
O
microfone foi tomado com fúria pelo mestre de cerimônias que passou a apresentar
o bloco, cujo nome curioso, nos levou ao desvario do riso franco e debochado. De
nossa distância, observávamos a cena, já curiosos para ver até onde a pseudo festa
acabaria.
Nosso
homem vociferava, chamando o malandro até o microfone para cantar a música do
bloco. Era um senhor idoso, mais parecia ser o jardineiro de uma casa apalacetada,
tinha o olhar desconfiado e dócil dos que estão acostumados a cumprir ordens. Decidimos
que era o jardineiro da casa onde morava o dono da festa. Cantava mal, não como
canta bem um Nelson Cavaquinho ou um Casquinha, mas como quem não tinha nenhuma
intimidade com o que estava fazendo. Uma tristeza. Vendo que seu jardineiro,
pago a tostões, não estava dando conta do recado, nosso rico-homem toma do
microfone e termina por assassinar as marchinhas tão formosas dos carnavais
antigos.
Levantamos
e nos dissemos basta. Pedimos a conta e nos preparamos para sair. Voltava a
marchinha do bloco, gritada em tons grotescos. Saímos às gargalhadas, meio
putos da vida, entre divertidos e irritados. Já um pouco mais distantes,
escutamos a grande pérola desta carnaval descaracterizado que toma conta das
ruas da cidade.
É
pequeno, mas balança,
Não
somos grandes
Não
somos enormes
Não
somos imensos
É
pequeno, mas também balança
É
pequeno, mas também balança
E
mau, concluímos descrentes dos que apenas balançam.
(oswaldo
martins)