segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Rotina


Tenho a garantia da perda
toda manhã.

A ligeireza do tempo
e a vassoura escondida
atrás da porta
para espantar visitantes
eternos.

Fotos de mortos nas paredes
me arrepiam pela falta.
Tudo é nu de medo.

Garanto que nada fique.
Limpando o enredo,
sem personagens
ou poeira,
o tempo não se agarra a nada
e em desespero
me solta.

As palavras escorrem
e se distinguem de mim.

A identidade radical,
o pão, a manteiga,
um dia inteiro pela frente.

(Lúcia Leão)

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

martírio da terra


deprimida revolta
nordeste de ignota
morada

maior que a brasil
português terra rabisco
cartas em hiato

um buraco tão grande
quanto a fome-sede
no estômago

dos viventes o eco
torneia a borda-planalto
das gengivas

dentadas e faltas
em cujo alimento
a pedra

dos séculos adere
tapa na orelha
das flores

rosa que não serve
antes o grude-pó
no corpo áspero

dos mandacarus

(oswaldo martins)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

farda


entre arbustos ressequida
calçola assustava a litorânea

gente seus sus inflavam
pelo soprar de um tropel

de fugitivos que ao vê-la
espaventosa guarda

dos sertões ante a coorte
de antônio beatinho

de esgueira pelos solcacos
via luzir hiroshimas

quando estrondavam
os bacamartes

(oswaldo martins)

Dois poemas: solitário amor e labirinto


solitário amor

toco-me
e, em transe,
te executo


labirinto

após
descubro flores
em tuas cicatrizes

(Aíla Magalhães)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

cavalo


o selvagem desabrido
com suas crinas ao vento

fora a montada do alferes
fantasma que balança

sua carcaça na vala
particular dos vermes

(oswaldo martins)

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

as calcinhas de dimitri tsykalov 2













as calcinhas de dimitri tsykalov


as calcinhas iludem imagens da paixão
passo a passo servem de guardanapo
ao deus baco o de cacete ereto
às vênus das desabrigadas xotas

nas calcinhas de madeira tipo assim
cinto invertido no xibiu da excitação
que desguarda o sempre em guarda
dos humores

as calcinhas de dimitri tsykalov
são mesa posta para os olhos
livres em sua radicalidade
de imagem

sobre os centros cerebrais atua
o metafísico foder que evoca
em evoés o esto brutal
dos versos obscenos

(oswaldo martins)

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A Virgem Maria estava


A virgem Maria estava
Brigando com São José:
Você vendeu a jumenta
Me deixou andando a pé
Desta maneira eu termino
Voltando pra Nazaré!

Nisso gritou São José
Maria, deixa de asneira!
Vou comprar outra jumenta
Do jeitinho da primeira,
Quando ouviram uma zuada
No descer duma ladeira

Era um caminhão de feira
Que vinha da Galileia.
São José disse eu vou ver
Se tem canto na boleia
Que possa levar nós três
Até perto da Judeia!

São José deu com a mão,
O motorista parou.
Tem três canto pra nós três?
Jesus foi quem perguntou.
Disse o motorista tem,
Jesus respondeu eu vou!

E foram subindo os três.
Disse o motorista: para!
A gasolina subiu
A passagem é muito cara.
Vocês estarão pensando
Que meu carro é pau-de-arara?

São José puxou da faca
Pra furar os pneus.
Jesus já muito amarelo
Disse assim quando desceu:
Valha-me Nossa Senhora,
Que diabo fizemos eu?!

(Zé Limeira)

higrômetros irregulares


(poema para todas a vozes)

os cientistas loucos  
as lógicas pressupostas
os eisteins dos meus botões

o chupa-chupa dos jornais
a unha bancária
o sol dos trópicos

os joões
as maricotas
as maritacas

os nor-nordestes
os sul-sudestes
os centro-oestes

a rosa dos ventos
a flor do centro
as flores do mal

os duques zurros
os pios da coruja
os pais da pátria

e os que a puta mãe pariu

(oswaldo martins)


segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Poesia do Japão


desimitação chucra do poeta de escol


a pedra e seu diapasão de dulcinéias
entre o faro dos cães e o mijo fétido
uno acento que aos néscios o engano
tange no resoluto dos éditos-mestre

as teologais verdades o oco padrão
cuspe de palavras e a pérfida ira
dos irados nos que autobiográficos
autobiografam as glórias em alarde

de si memorial de mestre-escola
mel dos meles sobredito dos ditos
nas livrarias-travessa de limpas
águas e certeiros eventos-eco

o índio de pacotilha a proposital
recolha dos brasis fatorados
em fortuna e honra sem a roda
nos entremezes do sr. voronoff

(oswaldo martins)

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Letes


Pelas horas de ausência e de deserto
em que durmo esta vida onde me gasto,
outra mão, que com o meu dormir desperto,
vai acordar o tenebroso pasto

de que se nutre o poço em mim aberto;
então, sou mil, sou fel, sou vinho casto,
e da minha unidade me liberto,
e – asa de éter – além de mim me afasto.

Indago abismos, lúcidas alturas
leio, cravos acendo em lajes frias,
frequento-me nas praias do arrebol,

reconstruo em meu corpo arquiteturas,
naturezas, e músicas, e dias
de um país exilado atrás do sol.

(7-8.6.52)

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