sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Pilulinha 27


Não conhecia a poesia de Plínio Junqueira Smith, autor do curiosíssimo Corpo Estranho, editado pela Alameda Casa Editorial. Os poemas revelam a presença de uma ironia fina, sintonizada aos problemas cada vez mais urgentes da vida contemporânea. Na sintomatologia dos poemas, a sociedade adoecida apresenta como correlatos do corpo invadido os versos da aguda ironia com que se desmistificam os pruridos da doença. Desde a prosaica dor de dente às agruras dos pólipos a serem combatidos pelo humor poético.

A presença constante da morte – que só se realiza, sem se realizar, no último poema do livro é o mote através do qual o indivíduo se vê perdido numa sociedade agônica e limítrofe e a ela responde, com os motejos do riso. Se a representação poética se aproxima das representações ficcionais, o que se revela no livro do poeta não é propriamente um discurso sobre a morte, mas a sua contraparte, discurso eivado das dores vivenciais que o impulsionam ao combate subjacente a toda experiência do ser frente aos limites que se lhe impõem. A ironia funciona como um regulador que se desloca do pessimismo agudo à vontade contida no desejo de rir do mundo e de seus limites. Entre estes dois polos o instrumento de combate, como o afirma o poeta logo no primeiro poema do livro, estaria numa inusitada receita – o próprio poema.


Placebo?

Acometido de muitas e graves doenças
— Sem esperança, um dos males de Pandora —
Submeti-me, voluntariamente,
A metódica pesquisa médica.

Uma doutora alta, cabelos negros e curtos
Com olhos penetrantes e lábios finos
— Em suma, uma perfeita musa —
Viu em mim todas as enfermidades

E receitou-me antigo e incerto remédio: a poesia
Esperando minha evolução para melhor avaliar o tratamento:
Eficácia, efeitos colaterais, interações medicamentosas.
Tomei-a diariamente, como recomendado.

Quero confessar, hoje, com sinceridade:
Não sei se me puseram no grupo controle
E se ingeri somente inócuo placebo
Em vez de poderosa substância química.

O fato é que, de algumas doenças,
Melhorei e julgo-me curado.
Ainda padeço daquela doença fundamental:
A existência e os afazeres do dia-a-dia.

A musa-médica, à qual o eu-lírico se entrega e a descreve com malícia, é na medida mesma do desejo o que se contrapõe ao esquadrinhamento médico que vê nele “todas as enfermidades”. A receita – prosaica – faz com que o eu poético, ao se julgar curado, padeça da doença fundamental que se resume no belo verso “A existência e os afazeres do dia-a-dia”. Ora, o paradoxo que se coloca está claro e vai orientar o leitor na travessia dos poemas “adoentados” do resto do livro. A pulsão que o orienta – ao falar da morte – é necessariamente a pulsão da vida que se imiscui no cotidiano e nos faz olhar a doença com desconfiança, contaminando toda a existência deste olhar irônico sobre a infalibilidade da morte.

(oswaldo martins)

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