Não
conhecia a poesia de Plínio Junqueira Smith, autor do curiosíssimo Corpo Estranho, editado pela Alameda Casa Editorial.
Os poemas revelam a presença de uma ironia fina, sintonizada aos problemas cada
vez mais urgentes da vida contemporânea. Na sintomatologia dos poemas, a
sociedade adoecida apresenta como correlatos do corpo invadido os versos da
aguda ironia com que se desmistificam os pruridos da doença. Desde a prosaica
dor de dente às agruras dos pólipos a serem combatidos pelo humor poético.
A
presença constante da morte – que só se realiza, sem se realizar, no último
poema do livro é o mote através do qual o indivíduo se vê perdido numa sociedade
agônica e limítrofe e a ela responde, com os motejos do riso. Se a
representação poética se aproxima das representações ficcionais, o que se
revela no livro do poeta não é propriamente um discurso sobre a morte, mas a
sua contraparte, discurso eivado das dores vivenciais que o impulsionam ao
combate subjacente a toda experiência do ser frente aos limites que se lhe impõem.
A ironia funciona como um regulador que se desloca do pessimismo agudo à
vontade contida no desejo de rir do mundo e de seus limites. Entre estes dois
polos o instrumento de combate, como o afirma o poeta logo no primeiro poema do
livro, estaria numa inusitada receita – o próprio poema.
Placebo?
Acometido
de muitas e graves doenças
—
Sem esperança, um dos males de Pandora —
Submeti-me,
voluntariamente,
A
metódica pesquisa médica.
Uma
doutora alta, cabelos negros e curtos
Com
olhos penetrantes e lábios finos
—
Em suma, uma perfeita musa —
Viu
em mim todas as enfermidades
E
receitou-me antigo e incerto remédio: a poesia
Esperando
minha evolução para melhor avaliar o tratamento:
Eficácia,
efeitos colaterais, interações medicamentosas.
Tomei-a
diariamente, como recomendado.
Quero
confessar, hoje, com sinceridade:
Não
sei se me puseram no grupo controle
E
se ingeri somente inócuo placebo
Em
vez de poderosa substância química.
O
fato é que, de algumas doenças,
Melhorei
e julgo-me curado.
Ainda
padeço daquela doença fundamental:
A
existência e os afazeres do dia-a-dia.
A
musa-médica, à qual o eu-lírico se entrega e a descreve com malícia, é na
medida mesma do desejo o que se contrapõe ao esquadrinhamento médico que vê
nele “todas as enfermidades”. A receita – prosaica – faz com que o eu poético,
ao se julgar curado, padeça da doença fundamental que se resume no belo verso “A
existência e os afazeres do dia-a-dia”. Ora, o paradoxo que se coloca está
claro e vai orientar o leitor na travessia dos poemas “adoentados” do resto do
livro. A pulsão que o orienta – ao falar da morte – é necessariamente a pulsão
da vida que se imiscui no cotidiano e nos faz olhar a doença com desconfiança,
contaminando toda a existência deste olhar irônico sobre a infalibilidade da
morte.
(oswaldo
martins)
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