segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Leituras

 

Dentre os livros lidos em 2023, os que mais gostei foram dos 90 lidos relidos este ano. Retirei da lista as releituras e os trágicos gregos a que sempre volto.

Lidos

Prosa 

1 – O lugar – Annie Ernaux;

2 – O som da montanha – Yasunari Kawabata;

3 -  A marca humana – Philip Roth;

4 – Garrafas que sonham macacos – Everardo Norões;

5 – Plataforma – Michel Houelebcq;

6 – Los árboles caídos también son el bosque – Alejandra Kamiya;

7 – Yoga – Emmanuel Carrère;

8 – A piscina/Diário da gravidez/Dormitório – Yoko Ogawa;

9 – Sombra severa – Raimundo Carrero;

10 – Brancura – Jon Fosse;

11 – Ru – Kim Thúy.


Poesia

1 – Natureza aberta – Dora Ribeiro;

2 – O divã ocidento-oriental – Goerhe;

3 – Cantos – Leopardi;

4 – Agência de viagens – Krystyna Dabrowska;

5 – A demência do tempo – LúcioAutran;

6 – A poesia árabe-andaluza – Ibn Quzman de Córdova;

7 – A Ilíada – Homero;

8 – Mar salgado – Elesbão Ribeiro;

9 – El animal que agoniza ahí Afuera – Paula Varela;

10 – Rosa Mareada – Rogério Batalha;

11 – Das coisas esquecidas no fundo da caixa de costuras – Taiana Machado

 

Não ficção

1 – Aulas sobre Shakespeare – W, H, Auden;

2 – História da literatura ocidental – Otto Maria Carpeaux;

3 – A fronteira – Erika Fatland;

4 – Onde foram parar os intelectuais? – Enzo Traverso;

5 – A política do impossível – Stig Dagerman;

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Dário além da esquina

 

Um senhor piedoso dobra

o paletó de um homem morto.

Apenas Dário e a multidão

e as mesas do café vazias.

 

Agora, comendo e bebendo

pelas pessoas que apreciam

o incidente sem o relógio de pulso

gozam as delícias da noite.

 

A última boca repete.

Ele morreu, ele morreu.

Todo o ar em um defunto. 

 

Parece morto há anos

um quase retrato

desbotado pela chuva. 


(Heleniara Moura)

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Um sol para cada um

 

Aqui tem um sol para cada um

Caos soprado longe aos verdes mares

A terra traz manjares para alguns

Buchos curtidos no ontem das dores


Tem a boa hora para cada um

Travessas correm riscos ao assomar

Aguaceiro rola inunda o debrum

Da chita surrada a consumar


Frias luzes, choros débeis, ser frágil

Olhos amorosos recontam os dias

Do encontro, do colo, do riso fácil


As Vitórias, Marias Vitórias,

Percorrem formosas na noite vígil

Passo a passo assumem trajetórias

(Cynthia Magluta)

terça-feira, 28 de novembro de 2023

bacantes

 

elas – sobre quem dispõe deveres

e os lares submersos assombram

com esgares de toda a monta –

foram chamadas à montanha

 

pele de gamo e folhas de hera

ornam-lhes a cabeça

jovens tranças em desalinho

se aprestam aos ares

 

dentuças se atiçam desabaladas

em correria em gritos em fúria

tomam o vinho que escorre

desde os peitos até os pés

 

e com a ponta concava da boceta

os corpos pisoteiam e cobram

a desdita e a descrença

aos que a elas tecem enganos

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

brecht

 

dançam leves partículas em sôfregas

manhãs greve buzina o só alvoroço

a cama guarda o frígido acorçoo

flâmula nos lençóis em amarroto

 

descobrem-se rotos – vagares íntimos –

os poemas em desalinho sem fogo

aguardam quietos caírem gotículas

do lá fora chuva em abstruso coro

 

nada veste o desacordo entre a tez

dos presos à rua e o cárcere plúmbeo

privado e límpido do chão burguês

 

sequer refreiam-se – ante o acúmulo –

ante a turba – em suas torres de indez

se negam corpos por temor do chumbo

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

fogo-fátuo

 na mínima partícula do acaso

as rosas os madeiros os cupins

o brioso desfazer inexorável

dos povos enfim o vozeio-silêncio

 

a exaltação reiterada do engasgo

cessam e nada resta do chapim

com que os heróis gregos no risível

ornavam nas mantas das pedras-rio

 

seus olhos de moedas para o amanhã

posto terem os deuses displasias

enganosas nas palavras ineptas

 

da trapaça – deuses esses canalhas

afeitos nas luzes da eterna inépcia

apresentam vermes à voz inapta

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

medidas

 folhas medem-se por espessuras

sem comprimento ou largura

planam mobiles de calder


nas madonnas de verdi ao vento

folhas planam dos olhos ao chamamento 

do ideograma de erza pound


se as viramos no fio espesso

de seus feitos ranhuras no avesso

se mostram quando borboletas em redes



segunda-feira, 2 de outubro de 2023

nariz

 

para o jopa moraes

 

ponta estranheza cava

elos na epiderme

azedumes de vômito

 

translúcido objeto à luz

cega o cume do nada

espécie-ápice do tempo

 

o por quem estar lapso

do delírio – a flor

dos borbas

 

devôro cônscia língua

riso-apostema

do verme

domingo, 10 de setembro de 2023

destempo

 

avantesmas veem o fim dos dias sorridentes

de muito o abandono noturno finge-se trem

 

secos em desaparecimentos abrem caretas

para o estranho friso escrito em cartas

 

cujas latitudes em barafunda nos desvãos

costeiros ultrapassam os limites das ondas

 

apitam o infinito sobre o que ao lado

busca existência efêmera – depois a morte

domingo, 27 de agosto de 2023

Cataratas poema de Ismail Kandaré


As cataratas desciam aos saltos

qual fossem brancos cavalos raivosos,

suas crinas de espuma e arco-íris.


Mas de repente, na beira do abismo,

caíam com as patas dianteiras

fraturadas, oh, suas patas brancas.


E então morriam ao lado das pedras…

Pois agora em seus olhos amansados,

frígido, o céu está se refletindo.


Kataraktet


Kataraktet kërcenin teposhtë,

si kuaj të bardhë, të vrullshëm

plot jele shkumë e ylberësh.


Por befas te buzë e greminës

ranë me këmbët e para,

i thyen, oh, këmbët e bardha.


Dhe vdiqën në rrëzën e shkëmbit…

tani në sytë e tyre të shuar,

i akullt, pasqyrohet qielli.

Ismail kadaré 

Tradução: Pedro Lucas Rego

sábado, 26 de agosto de 2023

Gazel 1 de Hafez

 Gazel 1


Vem e traz a taça, copeiro, derrama e circula esse vinho!

Porque o amor parecia fácil, mas logo veio o descaminho.


A brisa sopra em seu rosto, traz o almíscar dos seus cabelos:

Como sangram os corações, por esse momento tão ínfimo.


Tinge com vinho o teu tapete, se assim disser o velho mago.

Deve entender, o peregrino, as leis e estâncias do caminho.


Na estância do meu bem-amado, como posso encontrar alento?

Ora já bradam os cincerros: a caravana está partindo.


As trevas e as ondas ferozes, o vendaval e o turbilhão!

Que sabe desse nosso estado, quem vê da terra o mar bravio?


Desejos guiaram meus feitos, e meu bom nome foi desfeito!

Como manter esse segredo, se nos saraus já é sabido?


Se ainda queres sua presença, ó Hafiz, não te escondas dele!

Quando lograres encontrá-lo, faz do mundo um desconhecido.


terça-feira, 22 de agosto de 2023

mar salgado - Elesbão Ribeiro


 

imitação de hafez

o emaranhado sopra as horas se equipa da ínfima tortura

no exato de teus inter olhos mira da íris a loucura


o barista serve o café embora o vinho mais se apreste

aos desejos do solilóquio quando voa a voz da cordura


ruas tecem as borras dos becos as cartomantes nos calhavam

um futuro de espadas corta da garganta estas loas cruas


nos jardins secretos as damas apregoam nas heras dos muros

silente o taberneiro vê voarem as aves dos açúcares 


serena, ó oswaldo, os divãs urgentes as horas se povoam

na denegação das palavras pois apenas restam rosas murchas


quinta-feira, 17 de agosto de 2023

pêndulo

 

o colar sobre o púbis

detém-se


os andares de rua

o ademanes

 

da licenciosidade –

o colar –

 

intocável tempo –

roda o verbo

 

fia o lapso da voz

e para

domingo, 13 de agosto de 2023

Reverso


a fagulha sobreleva a ferida

carcome as mãos, defeca caroços

 

aos poucos, os dentes – inúteis

há troca entre a beleza e a canjica

 

sobram apenas sob a pele

agulhas – de dentro para fora

 

nos fedem animais

a mastigar sua íntima carniça

Oficina de Criação Literária

 

A Oficina de Criação Literária TextoTerritório vai iniciar um novo módulo.

Neste módulo discutiremos os gazéis de Hafiz, poeta pouco conhecido entre nós. Apresentarei algumas questões ligadas à poesia persa, a estrutura e temática dos gazéis. Leremos alguns poemas do Divã de Hafiz 

O início deste módulo da Oficina se iniciará no dia 17 de agosto, às 19:30 h on-line, pelo Zoom. (envio o link aos interessados). O custo é de 300 reais por módulo.

Organizada por Oswaldo Martins

Em setembro laçaremos, em livro, os volumes 1 e 2 da Oficina de criação referente aos anos de 2020 e 2022.

Caso se interesse,

Contacte-me pelo telefono (21) 981438622 o mesmo para o zap.


quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Se eu fosse Hamlet

 SE EU FOSSE HAMLET

Tradução: José Paulo Paes


Se eu fosse Hamlet

comprava flores para Ofélia, gomas de mascar inglesa,

transístor com fones de ouvido,

champanhe, palitos –

e a convidava para viajar

a Florença ou Roma.


Se eu fosse Hamlet,

dava de presente a ela uma gaiola cheia de pipilantes tentilhões

um par de patins de estrela do gelo

uma permanente para os aerobarcos suecos.


Se eu fosse Hamlet,

me concentrava na minha vida amorosa

em vez de ficar a remoê-la por aí;

loteava Kronborg

em apartamentos de condomínio,

e ia morar numa casa em Fiolgade

– talvez comprasse até um colchão de água –


Se eu fosse Hamlet,

mandava às favas todas as especulações sombrias

e seria mais do que sou agora,

em vez de ficar só pensando a respeito

e fazendo longas preleções sobre.


Não me intrometia mais na vida sexual de mamãe,

se eu fosse Hamlet.

Admitiria logo que o velho está morto

e não ia mais perambular pelas noites escuras atrás de um fantasma

que no coração só tem vingança.


Se eu fosse Hamlet,

deixava Polônio ficar atrás das cortinas

tanto quanto lhe desse na telha:

afinal de contas, é só um velho gagá –

e me recusava a andar, fosse onde fosse,

com tipos tão ridículos quanto Gildensfúncio e Rosentonto

ou como quer que se chamem –


Se eu fosse Hamlet,

ia farrear com Horácio

beber chope com Frank Jaeger,

jogar dados com marujos nalgum boteco do ponto,

andar com donas suecas,

mandar tatuar no braço:

Ophelia, I Love You,

logo abaixo de um

coração em chamas –


isso se eu fosse Hamlet.


Peter Poulsen (Dinamarca, 1940) é poeta, escritor, tradutor, ensaísta e músico. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Pharmakon

 para alexandre trajano

 

o logro distópico provoca maremotos

destrói convertido em oco o acaso

do tempo

 

tempestades caem na verticalidade

algente das ruas os seres hibernam

no ermo

 

explodem vazios quando o berro

inaugural dos nascituros rotos

retornam ao nada

Grupo de leitura


 

terça-feira, 1 de agosto de 2023

O do relâmpago


A Gonzalo Rojas

Como foram rápidas essas mãos para tocar a luz, assim como os olhos para deixar constância do que viram. Já não recordo se foi em Nova York, Caracas ou Chicago, onde o vi com essa lanterna virada para dentro, brava contra a página em branco, queimando-a com seu grafismo. Furioso de alegria dava renda solta a uns potros a galope por entre os lagos do sonho e da realidade. Por vezes imaginários correndo e se despindo, em outras submetendo-se ao rebuliço de um diálogo inaudito.

(Armando Romero - Colômbia)

Leitura coletiva Stanislaw Ponte Preta


 

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Dois poemas de Cláudio Leitão

 PLANO


No princípio era um verso.

Ao redor só o estágio das coisas.


MARÉ 


Lunar estival noturno saturno

Vaivém regular, dança e muda

Restinga trampolim calmaria

Água reserva onda mínima vaga

a sentir silêncios moídos por tropéis

sábado, 15 de abril de 2023

a voz

compõe silêncios

apêndice tosco

dos murmúrios a gritos

 

desconexa se acha

ante a selva cristalina

do nada

 

furúnculo de castelos

cortesã castrada

dos paralíticos de babel

 

a infrutífera constrói-se

pimpona no último gesto

da visita triste

 

Lançamento do Fenda


 

sábado, 8 de abril de 2023

a biblioteca

 

Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas.

(a biblioteca de babel)


as traças vêm sós toda sexta-feira

lentas perambulam pelas palavras

muitas vezes com o tato certeiro

depositam nos vazios suas lavras

 

encontram no folgar pelo absconso

sentido alguns outros indigeríveis

embalam-nos com as patas no intonso

ventre vasculham até onde o incrível

 

se revela às entojadas e eruditas

vozes guardiãs dos segredos nus

rainhas de paredes e frestas fazem

 

silêncio enquanto balofas digerem

o espanto da patuleia dos múnus

nas vênias cúmplices do tu acreditas

sexta-feira, 24 de março de 2023

ecoo

 

dos latidos ancestrais o rapsodo

errante lucidez de oculta chama

cultua nos antigos versos o êxodo

das palavras a máscara-amálgama

 

do cão a vagar desde os asterismos

que fulgem ao longe dos caçadores

seu brilho apagado ao apagado ror

de cores no ermo dos eufemismos

 

guarda o dia que passa, outro nenhum

provém de tua espera e dança e canta

e aprende com o ritmo o mutismo

 

do oculto sentido múltiplo do um

dispõe no não do dizer decanta-o

faz gritar a língua prenhe de abismos

 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

14 de Julho


 

Dois poemas inéditos

 

shoji

 

traspassa à sombra do silêncio

passos de soslaio furtam aedos

percorrem dedos

 

um dorso de gato faz do quarto

o inominável nada se desvelar

em lento segredo

 

os saquês cingem a inquietude

as sombras velam o incêndio

abre-se a passagem

 

o gato fita a pele seca viva

no ainda vazio transparente

do aposento


bola de gude

 

o ato vidra o atro

som da noite

 

os planos cantam

tonturas

 

se há abismos

veste os vazios

 

o estupor cego

dos que percebem

 

a denegação dos dias

 

(oswaldo martins)