sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

esparsos 2

 

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Às vezes, a linguagem pode surpreender quem a usa. Só muito mais tarde é que o deslize linguístico se faz compreendido, provocado que foi pelo espanto ou pela incapacidade de expressão. Certa feita, viajando com meus pais e meus irmãos, exclamei cheio de maravilha sobre um grupo de vacas, que pastava na encosta de um morro, olha, uma plantação de vaca!

 

Teria sido uma das minhas premonições poéticas? Transformar uma coisa em outra ou simples erro e desdomínio da língua? Quando escrevo algum poema, de repente aparece uma palavra, gritada não sei de onde, que transtorna todo o dizer que buscava e me leva à exata inexatidão do que gostaria de mostrar.

 

Meus poemas são minhas plantações de vaca?

 

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Gostaria de ter visto o dia nascer numa praia deserta, mas o medo das aparições me impediam. Sonhava com seres de outros planetas me observando da janela do quarto. Quando li no Augusto dos Anjos, o soneto dos morcegos, compreendi quem eram aqueles pequenos seres noturnos.

 

Depois vieram os sonhos com os escorpiões. Narrativas bem-acabadas com finais abruptos ao despertar. Vivia imerso nessas fantasias. Como a da sístole e diástole de pequenas bolinhas que se condensavam e se diluíam durante uma noite inteira, meu pequeno exemplo do big-bang.

 

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Gostava de, no carnaval, catar pedaços de serpentina e enrolá-los, um colado ao outro, até ter no fim dos dias de folia uma peça multicor que girasse em minhas mãos com o intuito de hipnotizar alguém. Infelizmente não guardei estes objetos rosarianos; fariam uma bela coleção para a minha biografia de objetos inventados.

 

Quem sabe os seres pudessem ser sugeridos por esses objetos sem precisão, em uma absoluta cosmologia do impreciso. Outro dia respondendo a uma demanda sobre o emprego de vírgulas em um poema que escrevi para uma revista, anotei: não emprego vírgulas na escrita dos poemas, pois busco neles uma possibilidade de não fixação dos sentidos, os versos devem se mostrar em mobilidade constante.

 

Seria uma forma de ressignificar minhas plantações de vaca, meu manto?

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