quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Breve consideração à margem do ano assassino de 1973


Que ano mais sem critério
esse de 73
Levou para o cemitério
três Pablos de uma só vez

Três Pablões, não três pablinhos
No tempo como no espaço
Pablos de muitos caminhos:
Neruda, Casals, Picasso.

Três Pablos que se empenharam
contra o fascismo espanhol
Três Pablos que muito amaram
Três Pablos cheios de Sol.

Um trio de imensos Pablos
em gênio e demonstração
Feita de engenho, trabalho
Pincel, arco e escrita à mão.

Três publicíssimos Pablos:
Picasso, Casals, Neruda
Três Pablos de muita agenda
Três Pablos de muita ajuda.
Três líderes cuja morte
o mundo inteiro sentiu

Oh ano triste e sem sorte
Vá pra puta que o pariu

(Vinícius de Moraes)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

rio das mortes


o rio do esquecimento banha minha cidade
em suas águas os cadáveres adamantinos

rugiam quando as margens da incontinência
desmoronavam ante a fúria do movimento

os moinhos de pilar milho deixaram há muito
de ser os gigantes que vieram de são paulo

restam suas águas filetadas o passar contínuo
o letes que o nomeia, rio de aldeia, a sombra

que escorre desliza por dentro rude e ruinosa
como uma casa povoada pela materialidade

dos fantasmas
















guerra dos emboabas - século XVIII - anônimo

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Bispo algumas obras









O Bispo

Poema do dia


Autocrítica

Só duas coisas conseguiram
(des)feri-lo até a poesia:

o Pernambuco de onde veio
e aonde foi, a Andaluzia.

Um o vacinou do falar rico
e deu-lhe a outra, fêmea e viva,

desafio demente: em verso
dar a ver Sertão e Sevilha.

(João Cabral de Melo Neto – A Escola das Facas)

domingo, 23 de setembro de 2012

Domínio Público


A propósito de ações e declarações


Quando Aretino escreveu o I Modi, a partir das obras de Marcantonio Raimondi e Giuliano Romano, revelou o lugar da arte que lhe caberia no mundo moderno. Uma estranha metafísica se revelava ali. A construção da arte, que veio se chamar erótica, desde há muito, tinha seu estatuto formado, nos poemas fálicos do deus Priapo. Permitido o culto ao deus nos jardins gregos, os poemas pressupunham riqueza e capacidade de fecundação e de renovação. Demonizado na Idade Média pelo cristianismo, o corpo foi perdendo gradativamente seu lugar luminoso, de comércio entre os homens, e sendo despejado na vala dos pecados, das insurreições, do fora de ótica, das câmaras obscuras do leito privado.

Foi Aretino quem primeiro o retirou do limbo escuso da proibição, criando espaço para que dele se fizesse novamente luz, em tudo diferente do culto grego; embora a raiz última de suas evocações estivessem ligadas ao ressurgimento das poéticas greco-romanas, o que se lê no poeta italiano é uma visada que aponta para a modernidade e a dubiedade com que a modernidade irá tratar o corpo.

As contemporâneas formas de censura ao corpo e à desfaçatez, com ele se mostra nas ruas, têm sido a tônica deste mal começado século XXI. Aqui e ali o corpo é atingido por obuses conservadores que buscam redelimitar seu espaço. Às inovações da descoberta da asssunção do corpo feminino em meados do século XX correspondem as tentativas de controle do imaginário contemporâneo, através dos mecanismos institucionais e ideológicos que são as academias e escolas de variado vício e atraso.

Aqui e ali espocam ações que se coordenam numa visão conservadora da arte e da vida. No interior mineiro a proibição de circulação Dalton Trevisan, por pornográfico; no Rio de janeiro, a palestra de Jorge Coli tem sua transmissão interrompida quando a bela boceta de Coubert se torna o centro da exposição; outra vez em Minas, um conto de Ignácio de Loyola Brandão causa a demissão de mais um professor de literatura.

A infeliz, mas intencional, declaração da presidente da ABL vem confirmar algo de que suspeito já há algum tempo. A resistência ao obscurantismo que cerca este século pede uma atitude corajosa dos que se preocupam com a liberdade em seus aspectos gerais, mesmo porque nos ensina a história que, se a reação às forças desmotivadoras da alegria, da festa não se fizerem presentes de maneira contundente, não é só a poesia ou a arte que sucumbirá aos esquemas moralistas dos “donos das artes”, mas a própria capacidade de reagir às injustiças, à guetilização, ao extermínio e propaganda fascistas que irá por água abaixo.

É preciso que renasçam os corpos nus, os tão belos seios despidos como os que as moças mostram nas passeatas; que renasçam os artistas que têm como matéria a vida e a nudez da vida.

(Oswaldo Martins)

sábado, 22 de setembro de 2012

exercícios abstratos para coisa alguma






















1

o esboço de espaços
a pintura branca

a invisível dança
nas retinas

o nu do sangue
pulsa

para o aquém quadro
o achaque

deveras apagado
do incômodo

2

o ovo
recém rabiscado

a cruz perfeita
a redução do traço

amplos espaços
em branco

este ovo-mundo
a tudo se parece

exceto ao ovo
ao mundo

embora de ovo e mundo
a pintura retrátil

se faça


3

as portas dos armários
são assim improváveis

traçam

horizontais verticalidades
das imperfeições portas

que de portas não se trata
que de portas sem noção

abrem

o escondido dos armários
chapados


4

senão de portas

janelas
para lugar nenhum



5

se do voo se não veem
as largas possibilidades

da janela aberta

é que  janela e espaço
são esboços

de um branco que se sirva
em amplitudes


6

mas os largos salões
de mato

em rasuras mínimas
recompõem-se no ovo

tão longe do ovo
que se diria feito

o quadro

do traço escuso
do ovo

(Oswaldo Martins)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

do livro de arthur


7

meu outro anjo
a infernal carcaça

das lógicas q
em espaço

arcos arcos de ar

a um objeto
que q reponde

sou o manitô
dos anjos

do livro de arthur


4
para jorge fernandes da silveira


fernando traçou tirocínios na cabeça de arthur

das coisas que nada vestem
às vestes, aos mantôs
refloridos

ele – outro anjo azul

no painel dos deserdados
boia parado

de tejos turvos

sábado, 15 de setembro de 2012

lencóis amarrotados



1

a insígnia dos corpos
são derivas

devires do presente
estampas da alegria

a rota fronha
o corpo nu

pendem suas franjas
fora da cama


2

os dentes se escovam
os fios do cabelo

café menos amargo
e o doce deleite

na concha da colher
lembra o viés da tarde

a manifestação metafísica
da trepada


3
para jorge coli

como no quadro de coubert
tua buceta aberta

sonha o mundo

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Anotações esparsas


““As possibilidades criadoras, a serviço do novo”, diz Moholy-Nagy, “são na maior parte dos casos descobertas, lentamente, através de velhas formas, velhos instrumentos e velhas esferas de atividade, que no fundo já foram liquidados com o aparecimento do novo, mas sob a pressão do novo emergente experimentam uma floração eufórica.””

(Benjamim, Walter. Pequena história da fotografia – 105/106 – Editora Brasiliense ,  1987)


“Em outras palavras: o valor único da obra de arte ‘Autêntica’ tem sempre um fundamento teológico, por mais remoto que seja: ele pode ser reconhecido, como ritual secularizado, mesmo nas formas mais profanas do culto do Belo. Essas formas profanas do belo, surgidas na Renascença e vigentes durante três séculos, deixaram manifesto esse fundamento quando sofreram seu primeiro abalo grave”.

(Benjamim, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica – 105/106 – Editora Brasiliense, 1987).

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

HINO DO VASCO DA GAMA

HINO DO SÃO CRITOVÃO RJ

HINO DO OLARIA

HINO DO MADUREIRA

HINO DO FLUMINENSE

HINO DO FLAMENGO

Hino do Canto do Rio

HINO DO BOTAFOGO-RJ

Hino do Bonsucesso

Hino do Bangu - RJ

HINO DO AMÉRICA-RJ

Os limites da leitura


O link para a revista que discute os problemas que envolvem a Literatura e o Autorismo, no qual está na íntegra o texto de Fernanda Fernandes, encontra-se no link abaixo.



3. Os limites da leitura


Em artigo publicado na Folha de São Paulo, Costa Lima retoma a reflexão sobre o arbítrio justamente a partir do caso de Oswaldo Martins, professor de português e poeta, demitido, em 2008, da Escola Parque, no Rio de Janeiro, em função de poemas tidos como pornográficos. O crítico tece um painel sobre a sociedade atual e a dimensão da arte reificada e mostra que não basta identificar o fato de que tudo é tratado como “coisa” no mundo capitalista, para o qual os olhos adornianos encontrariam hoje um panorama bem diferente nas ações reguladoras humanas.

Pois, se os dejetos orgânicos e industriais podem ser reutilizados, é na medida que são matéria, algo passível de reaproveitamento. Essa regra não se aplica ao que supõe um investimento valorativo. Um valor que agonize pode, no melhor dos casos, ante condições favoráveis, converter-se em outra coisa.
Que adianta especularmos sobre o que poderá ser a transformação da arte dita autônoma, quando nem sequer sabemos se a humanidade ainda conhecerá condições que a favoreçam? Se acima está a reflexão de imediato despertada pela questão da reciclagem, passemos mais rapidamente para um fenômeno sobre o qual pouco nos detemos. (LIMA, 2008)

Ora, a poesia pode constituir na contemporaneidade um possível exemplo do que o crítico indica como “um valor que agonize”. Esta agonia estaria diretamente relacionada à capacidade de leitura e compreensão das perspectivas autônomas e, por isso, críticas e desviantes da hegemonia dos valores materiais que constituem a base da civilização e de seu mal-estar na leitura freudiana. Sobre os limites dessa capacidade de leitura vale citar o comentário do próprio poeta quando se refere aos equívocos na recepção do texto literário:

embora a literatura não use a linguagem utilitária, ela tem um poder de despertar as pessoas, abrir um espaço de percepção que linguagem utilitária vedava. A partir do momento em que se abre essa percepção, necessariamente o choque se dá. As duas linguagens passam a ser confrontadas, a do troca-troca do cotidiano e a intencional. Além do mais isso está também relacionado à forma de se perceber o que é literatura. As pessoas têm a impressão de que a literatura é o retrato fidedigno da realidade, e ao criar o seu discurso, que se contrapõe ao discurso utilitário, abre-se um fosso entre o indivíduo e a ação pública. Se a ação pública é normativa, a literatura busca desnormatizar os comportamentos.  (apud SETOR X, 2011, p. 12)


Na mesma entrevista, o poeta cita os conflitos gerados pela recepção problemática de um de seus textos, o Lições Oswaldianas:
 
as professoras dariam nuas as de história
por sua vez alunas e alunos também nus
assimilariam o que a história nos roubou

a celebração do corpo e do espírito assim
recolocados permitiriam a nossos jovens
a experiência dos ferozes tupinambá
(MARTINS, 2008, p. 34)

E comenta:
Um poema como esse obviamente não propõe que ninguém dê aula nu. Ao retomar a antropofagia de Oswald de Andrade, intenciona perguntar quem somos nós, qual é a nossa capacidade de pensar o mundo dentro de uma tradição que é muito maior que nós? Eu acho que é dando aula nu  – metaforicamente, senão vão me entender errado de novo
(risos).
Obviamente as pessoas não sabem ler – não falo de literatura – não sabem ler o mundo. Ler no poema uma proposta de nudez na sala de aula é um absurdo tão grande que a gente só pode designar as pessoas que leem assim como analfabetas. E o pior é que isso nasce dentro de uma escola.  (SETOR X, 2011, p. 12-13)

O poema citado compõe a série “Arte da deseducação”, que pode ser lida como um longo poema, dividido em 11 partes com certa autonomia. Para uma leitura completa, seria necessário abordar não apenas a série, como toda a Cosmologia do impreciso, que constitui um livro uno. Faremos, entretanto, um pequeno recorte a fim de testar a articulação dos poemas com as ideias ligadas à questão desenvolvida neste trabalho.

No poema 9, intitulado “tertúlias”, há um desvelamento de um dos processos de instituição da cultura (e do mal-estar) - a educação formal/escolar: “nas aulas a correção absoluta / ensina o desconforto / a tristeza” (MARTINS, 2008, p. 39). O princípio da correção é denunciado como a fonte do mal-estar. Mais que isso, a reflexão poética avança para demonstrar que tais mecanismos sistêmicos de controle invalidam inclusive o que pode ser compreendido como conquista: “a traça que destrói todas / conquistas / eabismos” (MARTINS, 2008, p. 39).

É claro que, na perspectiva autônoma da cosmovisão do poeta, as conquistas humanas não podem ser dissociadas dos abismos. Um mundo sem abismos é o que os ideólogos-programadores do Facebook, ou diretores de escolas-modelo, buscam engendrar, reproduzindo a lógica que sustenta as estruturas de poder da cultura ocidental. E se esses abismos são denunciados, o sujeito portador da idiossincrasia da leitura crítica, autônoma e incômoda, deve ser expurgado e fica sem defesa:

A medida foi tomada pela instituição ante a reclamação de pais de alunos, que acharam que escrever poemas eróticos não é tarefa para um professor de seus filhos. Não chamo nem sequer a atenção para o fato de que tal colégio foi fundado com uma plataforma liberal, que, ao ir crescendo, etc. etc.
Pergunto-me, sim: que defesa tem um poeta que, para sobreviver, precisa dar aulas de português, caso sinta a necessidade de escrever poemas eróticos? Não adianta atentar para a cegueira desses pais ou para a covardia hipócrita de tal direção. A questão concreta é como pode alguém, no caso o poeta-professor, defender-se ante uma decisão arbitrária que interfere em sua sobrevivência material? (LIMA, 2008)

Indagado sobre o que leva um escritor a sofrer as sanções sociais, econômicas e morais em função de sua obra, o próprio poeta responde:

é, em primeiro plano, o retrato grotesco com o qual ele faz o grupo social se ver e, em segundo plano, o como ele o faz, isto é, a linguagem que o autor em prega para dessacralizar o lugarde onde fala, a própria escrita. O que leva à estigmatização e à punição do escritor em parte está neste correr contra, nesta profanação a que submete a linguagem corrente e mesmo a que se estabilizou em uma certa época, como foi o caso do romantismo no Brasil, ou como é a consideração do amor desde o aparecimento da subjetividade como valor. O amor como um fim em si é invenção burguesa para justificar a herança e sua divisão. A ele submeteu-se a sexualidade e a hipocrisia desta sexualidade deve ser combatida. A sociedade privatizada, todos com os seus apartamentos, com seus computadores pessoais, suas questões individuais  – o sexo entre quatro paredes onde tudo vale, segundo o lugar comum mais cínico – deve ser rechaçada, destruída. O lugar da arte, da poesia, é perceber como fazê-lo – descobrir o sexo livre dos entraves do quarto em uma linguagem também sem entraves.
(MARTINS  apud SETOR X, 2011, p. 13)

É neste sentido que as imagens ou os temas ligados à sexualidade que levaram a rotular o poeta como pornográfico revelam os equívocos da recepção, uma vez que a motivação das referências sexuais está ligada à intenção de desestruturar ou de alargar os limites da própria percepção pública quanto aos valores humanos. Na orelha do livro, Alexandre Faria chama a atenção para o fato de que tais referências funcionam como estratégia de reafirmação da vida e da liberdade através do

erótico em sua fortuidade mais (ex-/im-)pulsiva: a  buceta, sintomaticamente grafada com u, ratificando o gesto transgressor, a sedição da poesia. “Dobradura-porta / aberta ao absurdo”, como diz a “antimetafísica das apreciações”, é a buceta, mas também são os quadros e livros que “buscam / o que de buceta / são”. (in MARTINS, 2008)

O poema citado por Faria é de outra série da Cosmologia do impreciso, a “Antimetafísica das apreciações”,  conjunto de 11 textos  que estabelecem diálogos com quadros, livros e músicas, que talvez representem aquilo que o poeta referiu em uma das entrevistas citadas como “uma tradição muito maior que nós” (apud SETOR X, 2011, p. 13). Ler sua poesia obriga ao conhecimento ou à investigação dessas alusões. Permitimo-nos aqui, ler o poema 3, citado por Faria, como uma recriação do quadro de Courbet.

quando quadros e livros
bucetas são

não são bucetas que se levam
aos livros e quadros

senão que quadros e livros
buscam

o que de buceta
são
(MARTINS, 2008)


4. Considerações finais

Distantes no tempo e nas artes em que se exprimem, o pintor realista Courbet e o poeta contemporâneo Oswaldo Martins aproximam-se não apenas pela temática erótica, mas pelo tratamento cosmológico expresso no título de suas obras. A origem do mundo e Cosmologia do impreciso refletem sobre a gênese e a evolução de nossa sociedade e, longe de tratarem-na como um cosmos no sentido dicionarizado de “conjunto organizado e harmônico”, trazem à tona o universo ambíguo e desestabilizador em que vivemos, propondo uma cosmogonia crítica através da arte.

Nesse sentido, as reações que os leitores contemporâneos manifestam contra tais obras de arte carregam-se de conotações morais que, se não permitem afirmar que os tempos de hoje são de exceção, pelo menos indicam perigosa propensão a se aceitar passivamente reações de intolerância e violência, unilaterais, o que sugere forte inclinação para que a repressão  se instale oficialmente. As obras analisadas, então, apresentam o poder de desestabilizar recepções conservadoras, não exatamente pelo suposto teor pornográfico que encerrariam, mas pelo fato de que, ao produzirem tais reações de censura, deslocam sua recepção da esfera privada para a pública, promovem o debate, a polêmica, e, com isso, colaboram para acentuar a percepção dialética dos valores constituintes do homem e da sociedade.

É principalmente na ágora, na praça pública, no espaço onde se confrontam as diferenças, que os valores morais podem ser tensionados, relativizados, revistos e, quem sabe, transformados. Dificilmente, se circular e for consumida no âmbito privado, a crítica social surtirá os desejados efeitos de transformar a sociedade. Assumindo uma perspectiva de análise bourdiana, a leitura sociológica rompe com o encanto, mas também busca romper com preconceitos que estabelecem lugares imutáveis para os valores da arte.

Diante do panorama apontado neste trabalho, se faz necessário manter acesa a demanda por investigações que procurem encontrar caminhos para a ampliação do repertório de possíveis comportamentos e escolhas do interator. Nesse sentido, além de verificar que tipo de  arte está sendo produzida nos meios eletrônicos ou nos tradicionais, há uma demanda por pesquisas multidisciplinares que tenham como objetivo não apenas a redefinição de habilidades técnicas de leitura interativa, mas do efetivo poder de ocupação da esfera pública que tais obras potencializam.

(Fernanda Pires Alvarenga Fernandes, Doutoranda no PPG Letras Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre em Letras e bacharel em Comunicação Social pela UFJF). 

domingo, 9 de setembro de 2012

A minha amada não cuida de mim


(ao modo de brecht)

a minha amada  não cuida de mim
quando estou bebado,
diz que eu não passo de um bebado
quando acendo um charuto
queixa-se do cheiro e lembra-me de um futuro enfisema

tenho uma outra amada
que bebe quando bebo
e fuma quando fumo
e ri muito comigo!

elesbão
09/09/2012


LÁGRIMA PALHAÇA: A POESIA-SEMENTE DE INFÂNCIA E MEMÓRIA


Tania T. S. Nunes, doutoranda UFF

                                  O bote é cilada / Adverte à naja
  A flauta do encantador
 Melhor seduz / Quem se deixa dominar (p. 23)

                Em tempos de corpos enrijecidos e descrentes da vida, o título de um livro de poemas pode soar reticente e desafiador. A princípio, Lágrima palhaça é aquela que o mundo já não comporta, mas que insiste em rolar. Poderia ser uma lágrima escondida, envergonhada. Afinal, vivemos tempos duros, um mundo quase destituído de sentido em que a lágrima sentimental, ingênua ou de alegria já não tem mais espaço para correr e molhar nossos rostos.
            E, por esse caminho, adentremos a poesia de Alexandre Faria, Lágrima Palhaça (Aquela Editora, Juiz de Fora, 2012). A edição em formato de bolso sugere que a poesia seja carregada no dia-a-dia. As letras do título estão penduradas, estilo bonecos de marionetes. Desconfia-se que algo mais queira dizer... O “G” invertido aponta para um avesso. Tudo isso são só coincidências ou poderão trazer sentido para a leitura dos poemas que se oferecem por trás da forte seara verde da capa? Qual a expressão desse avesso?
            O número de poemas da obra integra um universo mágico. São vinte e cinco. Vinte e cinco foram também os anos de engavetamento desses escritos, nos diz o poeta em Nota prévia. Mas algo mais se começa a descortinar em Papo de Bilheteiro, texto inicial de André Capilé e, também, no título do primeiro poema: Circo. A temática aí vai anunciada.
            Estamos em terras perigosas que nos aproximam do mundo encantado da magia circense onde a poesia de Alexandre passeia subentendida de infância e embutida na memória, na delicadeza dos gestos, no riso retirado facilmente até na cena mais simples e comum pelo palhaço.
            A poesia-criança de ver o mundo com olhos puros, olhar sonhador de menino ingênuo que ainda não sabe o tempo porvir, mas vive o presente feliz, crédulo e crente, a  acreditar no que vê e no que intui em seu imaginário.
            Hoje tem marmelada?
                Hoje tem goiabada?
               
Tem sim senhor!  Tem poesia. Pão e circo eram de que precisava o povo antigo. Poesia é alimento, é pão e criação. De poesia e circo, todos precisam. Vamos nos lambuzar! Vamos “descobrir à vista, o que não havia sido posto à venda”, anuncia o Bilheteiro. Esse é o ingresso em Lágrima Palhaça. Essa é a magia para penetrar na mágica das poesias de Alexandre Faria. Unir os sentidos ao sentido.
            A expressão do avesso é o palhaço, a figura ambígua. “É o avesso da mentira,/ Pintura que se retira/ E desvenda outra mentira, É o verso.” (2012, p. 13).
            No primeiro poema, o G invertido da capa sobressai nos elementos da composição. Lê-se: “O palhaço/ ... E todos os seus filhos/ São palhaços, / Marionetes dos risos, /Vedetes do circo,/ Objetos de uma alegria / Que o próprio show proporciona,/ Gargalhada que sempre funciona / Na única vida como vida.// O palhaço / É a lágrima proibida, /O tempero ardido/ Do seu prato de comida,/ É o verso / desgastado, corroído, / Medo e ira disfarçados, /Riso e festa plagiados / Único verso já escrito”. (2012, p. 13).
            Gargalhada desgastada, riso e festa plagiados: é o verso, é a alegria contida, é a figura ambígua do palhaço. É o poema. Todos esses elementos, em tempos medrosos de mendicância social e cultural, insistem em sobreviver. A Lágrima Palhaça é a lágrima proibida.
            E o poeta ao ser indagado sobre se há sentimentalidade em Lágrima Palhaça aponta o poema Amor:  
            O que esfria a mulher do atirador
                Não é o risco do milimétrico desvio
                O tiro de venda nos olhos
                O rufo o silêncio os ohs dos vizinhos//
                Nem o quanto lhe cabe das plantas //
                Nem o cuidado que ele tem com a tábua (2012, p. 32).
           
O que esfria a mulher do atirador? O poema não responde. Mas não é preciso dizê-lo. Está no título do poema. O cuidado que ele tem com a tábua e com a arte implica no avesso da vida, o cuidado em preservar o amor na figuração da mulher entregue às facas. E, ela ante o perigo da vida entrega-se ao risco, ama e sente-se amada naquele momento.
No entanto, não instile a memória de um adulto sensível ao falar da infância, do circo, do palhaço, das marionetes e malabares porque a lembrança refaz-se rapidamente no tempo seja ele em que distância estiver. São imagens marcadas a gargalhadas no inconsciente coletivo.  Isso é Trânsito. Nesse poema se lê: “São malabares as motos / Do globo da morte” (2012, p. 26). São malabares as nossas lembranças escondidas e, às vezes elas precisam transitar pelo tempo presente para fazer o homem não esquecer de que está vivo e a morte espreita a qualquer momento, porque “A criança no retrato/ Uma jaula// E o futuro não era presa / do adulto” (2012, p. 36).
            Lágrima Palhaça são instantes de poesia. São puras gotas de arte em pequenos frascos trabalhados com muito amor sobre o verso-criança. Poucos versos, o jogo da métrica presente no sentido das palavras.
O leitor vai enveredando... a memória vai escavando momentos e personagens do circo... verso a verso... até a última sílaba: Plantio: “Ri do fim / Que essa lágrima fecunda”. É uma afirmação contundente. Mas ela surpreende e esvazia o leitor porque deixa o gosto de quero mais. Assim, a poesia é Sedução, é cilada. É como comer goiabada e não ter a chance de se lambuzar. E o poeta torna-se um Bamba. Constrói “pé ante pé / a vara / a sombrinha // Não há corda entre os extremos da espera”.
Seus versos são “eletrochoques para não esquecer”. Lágrima Palhaça pode até ser uma lágrima que não tenha razão de ser, mas é aquela que diante da solidão dos tempos e da memória escavada em vasos insiste em brotar. Por isso a partir dela esperamos sempre mais. Esperamos outros poemas, outras construções, outros exercícios de sutileza transformados em arte.
Lágrima Palhaça é, enfim, semente de poesia colhida em seara fértil. Como semente, só ela é capaz de gerar, nutrir, suprimir, suprir ou acudir como qualquer criação depositada pelas mãos de um poeta – sensível e dentro do mundo, no limite do desequilíbrio mas equilibrado entre o avesso e o vivido – pode produzir.
Riamos todos do fim...
Porque foi possível chegar lá. 

sábado, 8 de setembro de 2012

Segundas Literárias TextoTerritório/Moviola



Todo mês
um encontro diferente
com grandes nomes da literatura.



Uma segunda-feira por mês, os professores da Oficina Literária TextoTerritório/Moviola promovem encontros com a obra de grandes escritores da literatura.
 Próximo encontro:

01/10/2012
com a poeta russa
Ana Akhmatova
(1889 - 1966)



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Dois Poemas de Lúcia Leão


o livro que eu queria escrever 

está na mesa
sua mão encosta
no vidrinho de pimenta vermelha
lado a lado com o sal grosso, natural 

sinto aroma de poesia
quando sento para comer
as cortinas abertas
grilos, carros passando

o verão
suspira

um menino chama o irmão
para entrar
uma mãe toma um gole de vinho
antes de jogar um pouco no picadinho

eu dobro o canto e marco esta página.  


colheita

o amor vencido
arrastou-se até o lago
sem ver reflexo nenhum
mergulhou em silêncio.

(Lúcia Leão)

cama etérea



os cordames se  elevam
à falta de solo

com respiração a cama
do nosso corpo

intui movimentos sobre
a relva verde

que te quiero em verdes
almofadas

a presença dos que sobem
à cama e aos lençóis

amarrotados

(oswaldo martins)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Eu sou eu Nicuri é o diabo 4


Pequeno preâmbulo para pensar Aretino


Os padrões da poética se mantêm durante séculos, toda mínima modificação que se faz de um texto para outro só completa seu efeito muitos anos após o escritor ou escritores tomarem uma deriva diferenciada. Textos há que divergem de toda uma época, o que só pode ser percebido, a partir de uma leitura em perspectiva e feita alguns decênios ou mesmo séculos depois. Os leitores contemporâneos, não o percebem por sua época apresentar uma urgência falseadora das verdadeiras modificações sofridas pelos textos poéticos, que são mínimas. Como se obriga o contemporâneo a “inventar” novidades a cada passo, perde-se a noção perspectiva do que realmente importa. A mudança de percepção sobre o mundo que uma e outra obra inauguram.

A modernidade perdura há pelo menos dois séculos, sem que o estatuto que a rege tenha sido, no mínimo, arranhado. O pós-moderno é uma deriva de pouquíssimas novidades e de repetição criativa. O período clássico durou outros três séculos, desde que Dante, o poeta florentino, escreveu a Divina Comédia e começou a embaralhar os sentidos mais expressos da escrita cristã e medieval ou que Aretino, outro poeta italiano, dando um passo além, recolocou em circulação, de forma especial e precisa, o erotismo pornográfico.

Mesmo pela evocação de uma nova cosmologia, que inseriu o purgatório como elemento da reflexão poética um pouco mais afeita aos apelos do sujeito, mesmo pela carnalidade de uma metafísica estranha e humana que a eroto-pornografia do poeta Aretino desvenda, a poética pôde muito mais tarde se erigir no que será nomeado modernidade. Sem as modificações introduzidas pelos dois italianos, dificilmente a modernidade subjetiva teria tomado a deriva que tomou.

(oswaldo martins) 

sábado, 1 de setembro de 2012

pilulinha mínima para um grande poema


Há certos poemas que merecem um longo comentário, pela concisão irremediável com lê a obra de outro. Este do Elesbão é um deles. Ali estão o Bilac, o Drummond de uma pedra e Dante, do canto do Inferno da Divina Comédia.

(Oswaldo Martins)

ps. Leiam o poema na postagem abaixo

jornada


iam já cansados e tristes
pelos caminhos andados.


elesbão
31/0/02012