Tempos difíceis foram vividos
pela juventude, quando a repressão recrudesceu. As opções libertárias estavam
fechadas, sobretudo nas gerações de 60 e 70. Diversos relatos e mesmo obras
ficcionais dão conta deste período negro, em que os meninos e meninas se punham,
como dava, na vida.
O romance de Ronaldo Correia de
Brito, Estive lá fora, deslocado dos humores das
cidades que requerem para si o ufanismo dos tempos difíceis, faz um corte
radical e repropõe a leitura do significado dos tempos de repressão e tortura,
descentrado da visão viciada seja dos militantes seja dos desbundados da
contracultura. Ao centrar sua narrativa em Recife e nas lutas citadinas de quem
vem do interior do estado, inaugura uma reflexão pouco usual na literatura contemporânea
brasileira.
O mundo urbano é circundado pela
percepção conservadora – que se desfaz com o contato com a sibila da morte e do
esquecimento – que atinge tanto os personagens envolvidos na trama quanto os
que, à sombra da decadência de um mundo que já não há, temem pelo desaparecimento
de uma maneira de saber a vida.
É sabido que o regime militar –
via atuação midiática – destruiu os valores da diferença e igualou as condutas
morais e imorais num mesmo pacote de desejos e consumo. O romance do escritor
cearense, ao calar sobre a invasão das novas formas de consciência, traduz, com
precisão e com um rendimento crítico profícuo, esta destruição, quando nos
apresenta personagens que agem como zumbis inquietados numa sociedade que os
produziu quietos e conformes.
O grande mérito de Estive lá fora é tomar não o ponto de vista histórico
para relatar um mundo pasmado em um país destroçado, mas, pelo caminho da dobra
ficcional da palavra, permitir perceber que o aetismo cultural e político se
intensifica num momento chave da história nacional e produz – como bem o
sabemos – no presente, um deslocamento radical entre sociedade e sua representação
política e cultural.
(oswaldo martins)
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