Chamego de Lia
O mar tem um verde louco
Eu acho pouco dizer que é beleza
Na praia tem tanto coco
Eu fico rouca de gritar riqueza
És pescador
É de agua fria
Eis moreno cirandeiro
Eis o chamego de Lia
Quero saber quantas estrelas tem no céu
Quero saber quantos peixes tem no mar
Quero saber quantos raios tem o sol
Eu só desejo é a luz no teu olhar
Não sei o meu amor
Não sei o meu amor
Não sei eu não posso parar
Só sei o meu amor
Só sei o meu amor
Foi na ciranda
Que aprendi a te amar
Os versos acima de uma ciranda de
Lia de Itamaracá são precisos, simples e de alta voltagem poética. Os
correlatos do que se esconde, perfeitamente equilibrados entre o deixar pistas
para os ouvidos atentos, se constroem na intenção do primeiro verso em que
surge este mar de um verde impressionantemente louco. A loucura verde do mar,
acrescentada do achar pouco dizer que é beleza, se compõe no moreno cirandeiro,
chamego de Lia.
A voz da cirandeira se expande
para a indagação metafisica da beleza, resolvida como impossibilidade desejante;
quantos são os incontáveis, parece ser a dimensão textual da paixão que a domina
e seduz nesta contaminação fulgurante da luz do sol, do mar, das estrelas nos
desejo dos olhos de luz nos olhos do cirandeiro moreno, chamego de Lia.
A dimensão irredutível apresenta
sua volta e se liga intrinsecamente ao não saber do amor, preenchida por este
verso de uma continuada beleza – não sei eu não posso parar – reparem a
dimensão do que nele está dito o não saber da paixão, do conhecimento, das
coisas, do mundo e uma deriva do não poder parar, da afirmação da vida.
O chamego de Lia despreza o amor
e investe profundamente nas indagações que nos levam a perceber o canto como personificação
da paixão, de eros, princípio do presente e da entrega dos que se veem aprisionados
pelo chamego. A percepção da paixão que nos é dada nestes versos talvez no
nosso cancioneiro só encontre parelha nos versos de outro mestre, Aldir Blanc,
quando em Lupicínica vai dizer-nos, com a sabedoria dos que abraçaram a
capacidade de mimetizar os sentimentos, que
Na rua do Tijolo, bloco 5, aquele
de esquina,
morou uma enfermeira com a chama
vital de Ana Karenina.
Dirá um dodói que Tolstói era
chuva demais pra tão pouca planta.
Ô trouxa, heroínas sem par podem
brotar na Rússia ou lá em Água Santa...
Diria aqui, plagiando Aldir
Blanc, que Lia de Itamaracá tem a chama vital de Anna Karenina e aos trouxas
que buscam as belezas intransitivas da alta poesia que mergulhem como o
albatroz de Baudelaire mergulhou, para
enxergarem a própria insuficiência poética que busca gritar aos quatro ventos
sua excelência e o inextrincável de suas indagações. A poesia deve e pode se
fazer com simplicidade e sabedoria.
A indagação metafísica da paixão
encontra no chamego de Lia uma de suas mais altas expressões poéticas.
(oswaldo martins)
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