quinta-feira, 11 de julho de 2013

Quero saber quantas estrelas tem no céu

Chamego de Lia

O mar tem um verde louco
Eu acho pouco dizer que é beleza
Na praia tem tanto coco
Eu fico rouca de gritar riqueza

És pescador
É de agua fria
Eis moreno cirandeiro
Eis o chamego de Lia

Quero saber quantas estrelas tem no céu
Quero saber quantos peixes tem no mar
Quero saber quantos raios tem o sol
Eu só desejo é a luz no teu olhar

Não sei o meu amor
Não sei o meu amor
Não sei eu não posso parar

Só sei o meu amor
Só sei o meu amor
Foi na ciranda
Que aprendi a te amar


Os versos acima de uma ciranda de Lia de Itamaracá são precisos, simples e de alta voltagem poética. Os correlatos do que se esconde, perfeitamente equilibrados entre o deixar pistas para os ouvidos atentos, se constroem na intenção do primeiro verso em que surge este mar de um verde impressionantemente louco. A loucura verde do mar, acrescentada do achar pouco dizer que é beleza, se compõe no moreno cirandeiro, chamego de Lia.

A voz da cirandeira se expande para a indagação metafisica da beleza, resolvida como impossibilidade desejante; quantos são os incontáveis, parece ser a dimensão textual da paixão que a domina e seduz nesta contaminação fulgurante da luz do sol, do mar, das estrelas nos desejo dos olhos de luz nos olhos do cirandeiro moreno, chamego de Lia.

A dimensão irredutível apresenta sua volta e se liga intrinsecamente ao não saber do amor, preenchida por este verso de uma continuada beleza – não sei eu não posso parar – reparem a dimensão do que nele está dito o não saber da paixão, do conhecimento, das coisas, do mundo e uma deriva do não poder parar, da afirmação da vida.

O chamego de Lia despreza o amor e investe profundamente nas indagações que nos levam a perceber o canto como personificação da paixão, de eros, princípio do presente e da entrega dos que se veem aprisionados pelo chamego. A percepção da paixão que nos é dada nestes versos talvez no nosso cancioneiro só encontre parelha nos versos de outro mestre, Aldir Blanc, quando em Lupicínica vai dizer-nos, com a sabedoria dos que abraçaram a capacidade de mimetizar os sentimentos, que

Na rua do Tijolo, bloco 5, aquele de esquina,
morou uma enfermeira com a chama vital de Ana Karenina.
Dirá um dodói que Tolstói era chuva demais pra tão pouca planta.
Ô trouxa, heroínas sem par podem brotar na Rússia ou lá em Água Santa...

Diria aqui, plagiando Aldir Blanc, que Lia de Itamaracá tem a chama vital de Anna Karenina e aos trouxas que buscam as belezas intransitivas da alta poesia que mergulhem como o albatroz de Baudelaire mergulhou,  para enxergarem a própria insuficiência poética que busca gritar aos quatro ventos sua excelência e o inextrincável de suas indagações. A poesia deve e pode se fazer com simplicidade e sabedoria.

A indagação metafísica da paixão encontra no chamego de Lia uma de suas mais altas expressões poéticas.

(oswaldo martins)


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