Após dois dias em Pisac chegamos
a Lamay, uma cidadezinha minúscula no meio do Vale Sagrado dos Inkas. Como
paramos em um lugar desses, vocês devem estar se perguntando? Para isso devemos
voltar alguns dias, quando estávamos ainda em Cusco, e fomos ao centro de
informações turísticas. Lá ouvimos pela primeira vez este nome misterioso:
Huchuy Qosco, ou a “Pequeña Cusco” em Quechua, a língua nativa desta região.
Depois disso escutamos falarem deste lugar mais algumas vezes: neste café onde
estou agora escrevendo este texto, onde Giri nos contou como era linda essa
cidadela perdida nas montanhas ou conversando com campesinos, abuelas e
abuelitos que encontramos pelo caminho.
Então estávamos em Pisaq, e
tínhamos mais dois dias até nosso retorno à Ollantaytambo, do outro lado do
Vale, onde estavam nossas mochilas, e onde iríamos reencontrar Ainar, um amigo
que havia nos prometido levar até algumas ruinas próximas da muito agradável
Ollantaytambo (mas essa é uma história para outro dia...). Procurávamos o que
fazer nestes dois dias, e isto nos levou a Lamay, de onde começaríamos a subida
até Huchuy Qosco. Encontramos a única hospedagem do pueblo, bem barata (25
soles), administrada por Paty e sua mãe, uma senhora muito amável e simpática.
Mais simpática ainda por ter me presenteado com um par de peras cascalho, que
não comia há anos e me lembra demais de tempos passados, da minha infância, nas
férias na casa de meus avós, em Barbacena, tão longe de mim hoje.
Lamay é uma típica cidade de
interior. Tem uma praça com uma igreja, algumas carrocinhas vendendo o
onipresente pollo frito, hamburguesas e chicha morada, uma bebida tradicional
feita com um milho roxo que só vi por aqui. Depois de um passeio pela cidade,
compramos mantimentos para levar, buscamos informações de como chegar nas
ruinas e fomos dormir.
Acordamos cedo, mas saímos tarde.
Tomamos café, comemos pão com ovos e abacate e mais umas peras cascalho, para
finalizar, e partimos para esta misteriosa cidade perdida nas montanhas. No
início parecia que seria fácil, os locais disseram que a subida levaria cerca
de uma hora e meia, duas horas; mas logo na primeira subida vimos que a
realidade estava muito distante da nossa primeira impressão. Quando começamos a
trilha o sol já estava alto e muito forte e literalmente nos cozinhava. Olivia
caminhava cinco passos e se queixava: ai minhas pernas! Não consigo respirar,
ahhhh... e então ela parava, enrolava e acendia seu cigarro... vai entender...
Mas eu também não estava muito melhor. A altitude e o sol realmente cobravam
seu preço, e tornavam a caminhada em um exercício extenuante.
Subimos, e cada vez que parávamos
(e foram muitos os breaks) a vista se mostrava mais fantástica. Mesmo assim,
não conseguíamos avistar nenhum sinal de ruínas ou civilização. Nesse ritmo se
passaram cerca de 3 horas - não era pra ser no máximo duas horas? - e neste tempo cruzamos com alguns campesinos
subindo (todos nos ultrapassaram em um piscar de olhos e todos falaram: falta
só meia hora...) e com alguns turistas descendo – o primeiro disse que faltava
meia hora, e o segundo, meia hora depois, que faltava uma hora!
Continuávamos subindo e depois de
um tempo o caminho se tornou um interminável zigue-zague curto, com encostas
íngremes, cobertas de cactos e bromélias e com vistas cada vez mais incríveis.
Foi ali que pudemos avistar um pedacinho de uma ruina inka, uma pequena casa na
borda da montanha, debruçada em um precipício, que parecia ser um tipo de posto
avançado de observação, pois tinha uma vista perfeita de todo o caminho e do
vale abaixo. Após tomarmos uma longa curva, chegamos ao que parecia ser o nível
da cidadela, e contornando a montanha tínhamos uma linda visão do Vale, com
Lamay e Calca se destacando abaixo, ao longo do Rio Vilcabamba, e dois picos
nevados ao fundo, os apus, deuses das montanhas, reinando sobre todos. Estes
picos ainda tinham muita neve, mas como descobrimos mais tarde, a cada ano a
quantidade de branco diminui; um sinal claro de que o clima está se
modificando.
Finalmente chegamos ao que
parecia ser o limite externo de Huchuy Qosco, um campo com algumas construções
feitas sobre ruínas incas, um curral, meia dúzia de vacas e cavalos pastando
aqui e ali. Tudo muito bonito, mas nada nos preparava para o que veríamos em
seguida. Passamos por uma série interminável de terraços, onde provavelmente
eram cultivados milhos, batatas e coca, até que chegamos à praça de Huchuy
Qosco. Havia algumas casas incas em
ruínas e uma bela construção em estilo imperial inca à nossa direita. Ao fundo,
em alguns terraços mais a cima, um grupo de llamas pastando e correndo livres
pelas montanhas. Mais abaixo algumas construções coloniais, sinal de que os
espanhóis também ocuparam esta área e onde construíram um poço, onde mais
alguns cavalos bebiam água. E a nossa frente nos deparamos com o que sobrou de
uma casa bastante grande, onde viviam as cholitas, mulheres incas e um lindo
gramado com uma grande pedra no meio, onde outrora haviam festas e rituais. Mas
isso foi em outro tempo, pois quando chegamos ao alto dos 3620 metros de
altitudes no meio dos Andes, o que vimos foi uma surreal e disputada partida de
futebol entre os moradores da região. Por essa ninguém esperava!
(Tiago Teixeira)
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