Tempo
Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.
(Cândido Rolim)
Esses senhores.
Ninguém os chama de filhos.
Nem de órfãos.
(Cândido Rolim)
As definições da poesia
são várias, demandam uma série ininterrupta de percepções e inovações, que vão
desde o corte rítmico ao corte visual em proveito do sentido – nem sempre
tangível do poema. Em Sutur, o poeta Cândido Rolim apresenta, para além da
acuidade com que enxerga a realidade, uma densidade cujo desdobramento se dá na
forma com que trabalha seus poemas.
Se assíntota é linha que se aproxima indefinidamente de uma curva sem jamais cortá-la, a palavra do
poeta retransfigura a definição e nos entrega, mais que um modo de operação de
suas poesias, a definição que permite ao leitor buscar, nos cortes operados, um
sentido oculto que se desvelará na percepção do leitor como construção das
relações do espaço e do tempo. Senão veja-se:
Assíntota
linha que se
aproxima
indefinidamente de
uma curva sem
jamais
cortá-la
O isolamento dos verbos
aproximar e cortar, entre o curvo e o reto, acerca-se e dá destaque ao modo de
operação dos poemas do livro. Neste entre-lugar, o poema cria como que uma
terceira possibilidade que não é nem o curvo nem o reto, nem mesmo o modo de
operação do pôr o mundo a nu, mas o próprio do mundo repovoado. Essa técnica,
no sentido mesmo de arte, possibilita que se desdobrem inúmeros modos de
aproximação com o sentido e inaugure possibilidades inovadoras de participação
e confecção das suturas expostas pelo poeta.
Veja se, por exemplo,
este outro poema – sábado -, cuja ironia, cáustica, por sua mínima lírica, faz
retroceder toda constatação da ação humana a uma “qualidade negativa”
preenchida dos vazios em que a propulsão dos afetos não encontra respostas
afetivas, como se o sujeito da ação afetiva se permitisse um não-lugar à
satisfação dos desejos e o transmudasse em outro móbile que se conformasse, ao
sabor dos ventos, ao que possa ser apreendido como objeto do desejo. Em outras
palavras: o vazio a ser preenchido só se opera a partir da falta.
SÁBADO
Homens acariciam
carros
carros
O modo de operação dos
poemas vai se construindo aos poucos, complementando ao longo de todo o livro
esse primário dizer que faz com que a poesia de Cândido Rolim se mostre
necessária e pulsante frente a este mundo de construções falseadoras do real,
por ele mundo se contentar com a repetição do mesmo. Se o mundo opera com o
preenchimento dos vazios pela positividade dos sentidos, a falta desta
positividade, em Rolim, pressupõe seu preenchimento a partir dos desdobramentos
dos vazios em mais vazios; como os móbiles de Calder, a construção da poesia de
Sutur se mostra na configuração do momento de leitura. O que, aliás, é mais do
que necessário no panorama da literatura contemporânea.
Oswaldo Martins
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