quinta-feira, 9 de maio de 2013

O planalto e a estepe


Duas irmãs que moravam numa cubata à entrada da cidade recebiam os estudantes. A cubata era no meio dos eucaliptos por trás do liceu, bem camuflada por ravinas e árvores. Os estudantes geralmente iam aos pares. Fomos também formando par, mas aceitaram só a mim e não ao que era da cor delas. Foi o que me disseram da primeira vez. Tu está bem, que és branco, mas ele não. Ele era o filho mais velho do Kanina, o João. Tínhamos dinheiro para os dois, dinheiro que levei tempo a roubar na máquina de costura da minha mãe, aos poucos. Mostrámos o dinheiro. A que me tinha interessado, talvez por ter o lábio debaixo atravessado por uma cicatriz clara, sorriu, tu podes, vem comigo. Ele não, disse a irmã. O dinheiro é igual, disse o João. Pois, mas a cor não é, disse a irmã.
   Racismo? De negro para negro?
   A minha era muito jovem. Ensinou-me a fazer sexo. Eu só queria provar, mas não sabia como, apesar das lições dadas por amigos experientes. Ela foi paciente, depois até gostou, disse-me. O João ficou fora da cubata, a dar pontapés nas árvores, furioso e impotente, o inútil dinheiro na mão. Esperou no entanto por mim. Demorei, porque quis mais. Como é a tua primeira vez, podes repetir sem pagar de novo, disse a puta, mas só desta vez. Fizemos e eu ainda gostei mais. Ela também, confessou. Acreditei, sempre fui crédulo. De facto ela estremeceu, senti os estertores no corpo dela mas estava no céu, podia ser um sonho. No fim perguntei, mas como recusas um da tua cor? Porque se um branco souber que me deitei com um negro, não vai querer se deitar mais comigo. E os brancos é que têm dinheiro.
   Racismo, sim, mas dos brancos.

(O planlto e a estepe - Pepetela)

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