sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

campo dos lírios

  ao poeta mario faustino

o menino jesus
ao ver jesus pregado na cruz
ordenou aos soldados que descessem
o corpo daquele homem

atônitos ficaram os romanos
ao verem o menino

a carregar nos braços
o corpo de um deus
que há pouco haviam crucificado

elesbão ribeiro

09/08/13

poema salsicha ou receita para assar no fogo do diabão

a prolegômenos daqui a pregação dos rastafári
se mistura à dos pastores

chiquinho canta as artes da igreja engrossada
pelo canto do urubu rei

tudo no deus nos salva nos salvam o riso a corda
a chacota de todas as horas

no absenteísmo dos trouxas se resumem os concílios
das neo-virgens facebookianas

e eu rio rio rio rio – rio ao ver assarem-se as salsichas
do agora


(oswaldo martins)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

12 dos melhores livros lidos e relidos em 2013

1 – Composições de Juan Gelman – poesia
2 – Beleza e tristeza de Yasunari Kawabata – romance
3 – O fundamentalista relutante de Hoshin Hamid – romance
4 – Histórias de Paris de Mario Benedetti – contos
5 – Venta não de Alexandre Faria – poesia
6 – Estive lá fora de Ronaldo Correia de Brito – romance
7 – Corpo Estranho de Plínio Junqueira Smith - poesia
8 – Uma história de família de Silviano Santiago – romance
9 – Frestas de Luiz Costa Lima – Teoria da literatura
10 – Tempos de reflexão de Nadime Gordimer – ensaios
11 – Como fazer amor com um negro sem cansar de Dany Laferrièrre – romance
12 – Mudanças de Mo Yan – romance




sábado, 21 de dezembro de 2013

Pilulinha 36

Amor que serena, termina? e Com/posições são dois livros de poesia do poeta argentino Juan Gelman, traduzidos para o português por Eric Nepomuceno e Andityas Soares de Moura. Gelman nos dois pungentes livros trabalha até a exaustão essa mescla curiosa de expressão pessoal, ligada aos sentimentos da hora ou da vida inteira por que todos nós somos tocados, mesmo sem a necessidade de expressá-los e de regrá-los, expandindo-os até o limite do dizer mais além do que a língua permite, e a expressão do próprio poema como expressão antiga e constante da cultura humana.

Em Com/posições a presença constante do outro é a medida da própria expressão que os subverte, os torna seus; em Amor que serena, termina as experiências vivenciais do exílio, da morte e do desaparecimento são construídas sem a elas fazer referências diretas – perpassam mesmo todo o sentido do livro, mas deslocam-se as vivências para a reflexão mordida e reativa.

O poema de Judá Halevi, nascida em 1075 e morta em 1141, tendo vivido entre Tudela, Granada, Toledo, Córdoba e Alexandria, e a com/posição feita por Gelman revelam o processo do poeta. A morte do filho e da nora nas prisões argentinas, o sequestro da neta nascida na cadeia da ditatura portenha determinam certa contenção de sentidos que se revelam mais amplos quando o poema desloca os sentidos e explodem como uma granada na voz da própria poesia.

Judá Halevi

Ofra lava sus vestidos em el agua de mis lagrimas
Y los pone a secar al sol de su hermosura.
No necessita el agua de las fuentes, pues tiene la de mis ojos
Ni outro sol que el de su beleza.

Lavar

em minhas lágrimas lavo as roupas do amor/
estendo-as ao sol de tua beleza/
não necessitam de fonte: estão meus olhos/
nem de manhã: só de teu resplendor/

Anoto apenas: este verso “não necessitam de fonte” cria uma perspectiva nova para o belo poema de Halevi. Aqui, tocado pela ausência da manhã, pela impossibilidade de que surjam manhãs, a poesia fala de uma ausência entranhada neste eu que lava as roupas do amor. Vê de dentro. A primeira pessoa neste poema é tudo e o diferencia do de Halevi. Há um movimento muito bonito de distensão e contenção dos símbolos demarcados pelo poema primeiro.

PRESENCIA DEL OTOÑO

Debí decir te amo.
Pero estaba el otoño haciendo señas,
clavándome sus puertas en el alma.

Amada, tú, recíbelo.
Vete por él, transporta tu dulzura
por su dulzura madre.
Vete por él, por él, otoño duro,
otoño suave en quien reclino mi aire.

Vete por él, amada.
No soy yo él que te ama este minuto.
Es él en mí, su invento.
Un lento asesinato de ternura.

A última estrofe do poema reconstrói o significado do poema, a partir do vazio que se revela nestes belos versos finais, que retiram do amor sua mesquinhez burguesa e o ampliam para  a precisão da linguagem que Juan Gelman faz percorrer em toda sua obra.


(oswaldo martins)

el extranjero

con el cigarro encendido mi padre se paseaba horas y horas
por la oscuridad del comedor entre las plantas del patio
su mujer le decía "dejate de dar vueltas josé"
pero él no quería comer ni dormir ni deternerse
se le gastaron los pies una tarde
se dio vuelta y cerró los ojos como un pajarito

(juan Gelman)

Juan Gelman

Com/posiciones

EL JAZMÍN

Mirá el jazmín/
sus hojas verdes/
sus tallos verdes como el crisólito/
sus flores blancas como pechos/
rojo el zarcillo/
como mujer lunar
que derramó la sangre de un hombre/
inocente

samuel hanagid






sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

fragmentos de Safo

Fragmento 71

E a cobriu com um lençol de linho delicado

Fragmento 74

Não sei como escolher:
Em mim, há dois intentos

Fragmento 81

é bom ter cuidado com a língua
quando a paixão domina


(safo) 

buquê de flores

cacto

nua flor
do meu deserto

nele há pedras
do dizer

em poesia


orquídea

a flor
pendida na casca

anuncia a solidão
da árvore


lótus

no encantado
silencio

ali a pedra-flor
é o rosto

o ermo
do oco


rosa

no seco
a rosa

alteia
sem sombras

em linha reta
o frescor

que a si se nega


(oswaldo martins)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

originais do lapa

 
 
 
 
 

A ingaia ciência

A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,

a madureza vê, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.

A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência

e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência


(Carlos Drummond de Andrade – Claro enigma)

4 poemas sobre cores

1

afeitas a nuvens
e belas palavras

nas surdinas onde se tecem
vestidos leves de ar

as cores
dispõem feixes elétricos

e mistérios


2

tocam palavras com o ar
as moças voam

os altos edifícios
personagens de chagall

inventam cores
de passear sobre as casas

da cidade


3

as mãos como retinas cegas
de artes perdidas

nos bolsos da calça
desenham volutas de vento

sobre os muros anunciam
perguntas como um desejo


4

um violoncelista toca
as nuvens

azuis como os balaústres
as arcadas

em ruínas


(oswaldo martins)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Promoção de Natal


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

fotografia

para cristina terror

no sertão
o retrato em sépia
o estar estampado nas calças
simples como o amor dos homens

no sertão de cristina
um gato para passar a mão
alpendre de ficar no para sempre
a nonada o tempo refaz em fotografia


(oswaldo martins)

Silêncio e caos

VILMA COSTA


Venta não, de Alexandre Faria, reúne noventa poemas subdivididos em dois grupos. O primeiro, “tudo muito sempre”, possui oitenta e um poemas. O segundo, “o pai era um”, agrupa os nove restantes, cada qual formado por nove versos. Há uma estrutura diferenciada entre os dois blocos, tanto do ponto de vista formal quanto de conteúdo semântico. A numeração desses textos, e não as páginas do livro, chama a atenção pelo rigor linear e crescente do primeiro bloco (1 a 81), enquanto os nove últimos se apresentam em ordem inversa (de 90 a 82). Podemos considerar que a ordem numérica quebrada com a segunda parte do livro, além de estabelecer um corte entre as duas, põe em questão a equação matemática. Sugere que o livro é para ser lido não apenas do início ao fim, mas do meio ao fim, do fim ao início, do fim ao meio — como deve ser lida qualquer intrigante coletânea de poesia.
Uma breve consulta virtual aponta a ligação com o livro chinês Tao te ching (O livro do caminho e da virtude), atribuído a Lao Tzi, uma das mais conhecidas e importantes obras da literatura da China, supostamente escrita entre 350 e 250 a.C. do calendário ocidental, dividida também em oitenta e um fragmentos e ensinamento filosóficos. Alguns destes elementos são re-semantizados, outros confrontados com questões contemporâneas e mesclados com novos conteúdos, ou reafirmados através do tempo, nesse aqui e agora. Homenagem, reiteração, paródia, pastiche? Talvez um pouco de tudo, ou nada disso. Sobrevivem nos poemas de Faria, além do número de capítulos da primeira parte, algumas questões sobre o tempo, a busca inútil de origem, a simplicidade, a contenção de paixões intempestivas, a crítica à pretensão de controlar o inexorável da vida. São também fragmentos sem títulos, sem letras maiúsculas (como no alfabeto chinês), econômicos de pontuação e conectivos.
Os poemas de “tudo muito sempre” carregam entre si uma estreita relação, mas se distanciam dos de “o pai era um”, como se o mesmo livro contivesse dois. Contudo, no seu conjunto a obra busca uma unidade. Do ponto de vista temático, há uma multiplicidade de questões que abordam conteúdos filosóficos, sociais, existenciais e estéticos — fundamentalmente humanos, demasiado humanos.
Sabedoria e silêncio
A leitura da primeira parte começa pela busca de um sujeito lírico que parece se esconder de sua individualidade através de uma voz coletiva. Esta, dirigindo-se a um interlocutor, paira, contém-se concisa, quebra a sintaxe e, conseqüentemente, priva-se por vezes da própria comunicação do que pretende dizer. Trata-se de uma dicção fragmentada pelos silêncios, não meras pausas, mas que funcionam como elementos estruturais dos textos. O primeiro desafio para ser encarado é a página em branco e, sobre ela, dar nome ao que vem desse vazio existencial ou natural que, filosoficamente, manifesta-se nessa voz, como que ausente de identidade pessoal. No poema 15: “como se tocasse/ o silêncio// a sintonia dos olhos/ não cabe na boca”; ou no 12: “(…) será também no vazio/ o gozo/ das coisas”.
É no vazio das páginas que o gozo da poesia se realiza. As palavras brincam, buscam-se e perdem-se na apologia do aquiagora, reincidente em muitos momentos, por um sujeito que se ausenta, exime-se, “e silencia/ dentadura na pele/ do infinito”. Afinal, “o mapa do tesouso/ silencia”. O que podemos cogitar é que esse sujeito lírico que tece sabedorias a um interlocutor desdobra-se nesse outro a quem se dirige. Antes do sábio que recomenda, é o humano que precisa do outro para se conter e seguir o caminho incerto desse aqui e agora do nosso tempo, consciente de sua condição.
que nada
!
sabe
Esta consciência, apesar de remeter à falsa modéstia colocada na boca de Sócrates — “Só sei que nada sei” —, representa uma convicção quanto ao tema: “sabedoria/ a avó analfabeta// o resto/ erudição e velhice”.
No único texto de “tudo muito sempre” em que o sujeito expressa-se em primeira pessoa, a questão também é colocada: “não sei/ não quero saber/ e vou aprendendo/ a não ter raiva/ de quem pensa / que sabe”.
Rede textual
Alexandre Faria não é estreante na produção poética, pelo contrário, atua regularmente em sites, saraus, oficinas de poesia, ensaios literários e magistério. O poema a seguir reporta-se a um outro livro do autor, Lágrima palhaça, que versa sobre o circo da vida, suas quedas e glórias: “palhaço chora// equilibrista/ trapezista/ malabares/ caem// leão devora/ domador// nesse circo// há glória/ também”.
Enquanto a primeira parte de Venta não prima pela concisão, a segunda é menos econômica, dando voz à fluência narrativa de um sujeito presente que se manifesta em primeira pessoa e ensaia até uma referência autobiográfica: “1970 (quando nasci) me implantaram o programa/ desde então frutifica cultivar a fé nos dados/ (…)/ mas defeito de fábrica humana falha/ durou menos que minha vida aquele chip”.
O tempo parece restringir-se ao agora, o que significa que o passado ficou para trás, são poucas reminiscências. O espaço é aqui, folha branca tentando dizer o indizível. Um agora contemporâneo imediato que se contrapõe ao tempo mítico e transcendental preservado e reincidente no tempo presente: o eterno retorno do mesmo, privilegiado no subtítulo dessa primeira parte: “tudo muito sempre”.
se eterno
nunca
se eterno
onde?
só o que é com
aqui
agora
Alguns poemas, se lidos separadamente, parecem herméticos demais, a começar pelo primeiro: “o que é com/ só/ aqui e agora// goza um enquanto// se insondável// nem sonhes”.
Mas se compreendidos como fios de uma mesma rede textual, incorporados aos outros, passam a somar a multiplicidade de sentidos que se entrecruzam neste tecido-texto em permanente tensão. Esta se estabelece em vários níveis, a começar pelo confronto filosófico ou cultural de pontos de vista orientais e ocidentais. “pois no princípio/ o silêncio/ demiurgo.” Mas no princípio não seria o verbo divino? Não necessariamente: “o verbo/ comprava barulho// silêncio a barganha/ da criação”.
Conflitam aí a precariedade do verbo e a teimosia poética compulsiva que atravessa o Lutador, lembrando Drummond: “lutar com palavras/ é a luta mais vã./ Entanto lutamos…”. A luta acontece também entre o erotismo e a necessidade de contensão dos impulsos, entre Dionísio e um Apolo predominante.
paixões
são para errar a mão
salgardem sempre
(…)
Apesar de sugerir “(…) rasga a receita/ da paixão medida/ não há quem avise”, Apolo predomina com a recomendação de cautela: “limites: avança/ até serem teus/ então recolhe”.
Enquanto no taoísmo chinês tudo vem do vazio e o recolhimento é tranqüilo e natural, para o Apolo pagão e Ocidental a origem era o Caos e “a vida é luta renhida/ viver é lutar”. Segundo Nietzsche, o apolinismo grego teve de brotar de um fundo dionisíaco: “O grego dionisíaco tinha necessidade de se tornar apolíneo: isso significa quebrar sua vontade de descomunal, múltiplo, incerto, assustador, em sua vontade de medida, de simplicidade, de ordenação à regra e ao conceito”.
mas venta não ê meu povo guenta aí —
(…)
inventa não meu que o povo inda há de ver
veredas no garimpo da poesia nas favelas
(…)
É só desse fundo dionísiaco que pode brotar a poesia, mesmo que a racionalidade filosófica o tente conter. Na vida e na arte, neste aqui e agora, uma lágrima palhaça cai no picadeiro do poeta, homem múltiplo e incerto que, apesar do “trágico desconcerto” de um “chip que deu pau”, ainda ama, ainda sonha.


(Vilma Costa - Jornal Rascunho)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

MULHER VISTA DO ALTO DE UMA PIRÂMIDE

Eu vejo em ti as épocas que já viveste
E as épocas que ainda tens para viver.
Minha ternura é feita de todas as ternuras
Que descem sobre nós desde o começo de Adão.
Estás encarcerada nas formas
Que se engrenam em outras na corrente dos séculos.
E outras formas estão ansiosas por despontarem em ti.
Quando eu te contemplo
Vejo tatuada no teu corpo
A história de todas as gerações.
Encerras tua filha, tua neta e a neta de tua neta.
Ó mulher, tu és a convergência de dois mundos.
Quando te olho a extensão do tempo se desdobra ante mim.


(Murilo Mendes – As Metamorfoses)

domingo, 8 de dezembro de 2013

lapa

          mangue minhas rugas onde dejetos fedem
          ardor e sementes trouxeram no meio-fio
          amalgamadas colombinas tb caco como ta
          tear cancro cumular sevícias e baratas

Flébil

Fino, não é pezinho
para sandália delicada
solado tiras desenho

Cor leve de tom pra pé
depois da noite,
a brisa flébil nos fios da pele.


(Cláudio Correia Leitão)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

pilulinha 35

A poesia de Elesbão Ribeiro, cujo primeiro livro, Estação piedade, traz o frescor de um olhar não viciado sobre a cidade, possui uma deriva especial. Os versos bem medidos, sem excessos, enxutos, criam uma expectativa no leitor que resulta do caldo cultural que perpassa a cidade nestes últimos quarenta anos.

Desde os cinemas dos bairros que se transformaram em templos religiosos às festas populares como a celebração de Cosme e Damião, a poesia de Elesbão Ribeiro associa uma nova perspectiva, um olhar inusitado, apaixonado, mas crítico, do espaço urbano, que ultrapassa os limites dos bem falantes e repetitivos poetas cariocas, com as suas figuras de sempre, os cristos, os corcovados, as praias. Recolhe em si o melhor Bandeira e o distende até uma dicção que lhe é própria.  

O sotaque de piscar o olho para a herança portuguesa convive com maestria com a boa malandragem, em seus recantos mais sutis, da linguagem da cidade. Assim, as percepções da alma e do corpo, sobretudo o feminino, se entregam a uma aguda sondagem da presença, em linguagem, de uma especificidade tanto corrente quanto inusitada. O triângulo isósceles da mulher de Tales de Mileto se transforma numa bem sabida, esperta, – anoto que o adjetivo aqui melhor descreve a poesia do autor – teoria geométrica que ao mesmo tempo se descreve no seu reverso.

O bom negro, o bom branco e o bom sotaque d’além-mar, em Estação piedade, gingam no corpo das belas mulheres, no olhar deste poeta surpreendente em que se constitui Elesbão Ribeiro.


(oswaldo martins)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

os nus

3

escrevo
palavras de fogo

quando nua
desata

os nós
de minha conduta


(oswaldo martins os nus lucidez do oco)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Coleção de Poesia da Editora TextoTerritório



rabeca

1
dois rostos roídos
cantam dísticos

o toque o chiado as rugas a vida

o cabelo ao vento
dela e dele

2

há um choro
no canto da sala

outros na mão no bojo no arco

o tempo vicioso
sem triunfo

3

o estojo verde
quem de fechar

há em seu tampo em seu lenho sua nau

a música toca
o avejão escuso


(oswaldo martins)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

os seios

debruçam-se no frescor
um nada o verão de basalto

a manga da blusa segue
a paisagem das ruas sopra

de sua canícula
um ponto solto

liberto
como uma tarde de maio


(oswaldo martins)

Os pés

dançavam
soltos, libertos
próprios
levemente próprios
foi da harmonia com o chão
que fez cada parte ter liberdade de si
ou eu que consegui voar
ao ponto de vê-los acima
dançando.
(fragmentos de uma onda de doce)


(Júlia Fernandez)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

canção brechtiana 2

a minha amiga devolveu-me a flor que lhe dei do meu jardim
a minha amiga disse não gostar mais de mim
de que me vale estar sentado ao sol

só a mão da minha amiga me aquecia

elesbão ribeiro

31/10 e 23/11/13

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

diálogo de incrédulos

creio em jesus que multiplicou as sardinhas
creio em jesus que multiplicou os croissants

reza  direito tomé

ó pedro não sabia que me ouvias
vou rezar do teu jeito

creio em jesus que multiplicou os peixes
creio em jesus que multiplicou os pães
não creio por três vezes que  jesus 
tenha multiplicado a própria mãe


elesbão ribeiro

19/11/13

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

quadros

1
marcier

as nuvens caem sobre mim
têm o peso específico das coisas

sem elas
os espaços seriam outros

outro o eu que recebe na cara
o que essas nuvens guardam

2
marcier

há um cristo
em minha casa

esquálido com sua longa cruz
me ensinou

a descrer
dos alicerces da própria cruz

3
chagall

gosto de fantasmas
apenas às quintas-feiras

nos outros dias
a neblina

o corpo nu
prenúncio do universo

reservo
para enfrentar a via láctea

4
jorge tobias

na estação do trem
noel rosa compra passagens

há mulheres nuas
nas revistas das bancas de jornais

a cidade se aglomera
apupa o trem

e na pensão da mariinha
a jovem escarra sangue

e saudade



(oswaldo martins)

Novos escritos 1

1

nada passa nem o tempo nem o dia
não nada aqui
me ajuda a avançar
naquela rua que não passa carro é o céu que andei andei com as mãos juntas
em frente a essa mesa e de lado pra essa janela nem tenho mesmo por onde chegar no tal poste iluminado 

meu sonho sempre é com cobras e lagartos

(Letícia Tandeta)

Dois poemas de Dora Ribeiro

um vento enorme
cobre as linhas da cidade
para repetir um único refrão
no rose is sure
no rose is sure

poema e cidade mudam de cor
perante a insistência
das palavras
dos seus modos de olhar
o mundo

a cidade mais que o
poema sofre em silêncio
a imprecisão da flor

(Dora Ribeiro - olhos empírico - Babel)

*

espera por mim na boca
da tua palavra
a nudez aberta

flor adjacente
das tuas histórias

que colapsou inteira
nos meus braços

(Dora Ribeiro - a teoria do jardim- Cia das Letras)

Lupicínica

Amei
uma enfermeira do Salgado Filho,
paixão passageira, sem charme nem brilho,
roteiro batido, romance na tarde.
E aí, numa seresta na Dois de Dezembro,
me perguntaram por ela: "-Nem lembro...",
eu respondi com um sorriso covarde.
Ouvi - que bofetada! - "Morreu duas vezes.
Uma aqui e agora, a outra há seis meses".
Balbuciei: "-Morrida ou matada?"
"-Depende do seu conceito de assassinato.
Um pobre amor não é amor barato.
Quem fala de tudo não sabe de nada."
Na rua do Tijolo, bloco 5, aquele de esquina,
morou uma enfermeira com a chama vital de Ana Karenina.
Dirá um dodói que Tolstói era chuva demais pra tão pouca planta.
Ô trouxa, heroínas sem par podem brotar na Rússia ou lá em Água Santa...
Aquela mulher que dosava o soro nas veias dos agonizantes
não teve sequer um calmante pra dor sem remédio que aflige os amantes.
Por mais que a literatura celebre figuras em vã fantasia
ninguém foi mais nobre que a Pobre da Enfermaria.

(Aldir Blanc)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Entrevista de Luiz Costa Lima a O Globo

O crítico literário Luiz Costa Lima revisita cinco décadas de uma carreira dedicada a investigar a natureza da ficção e traça um panorama do meio intelectual brasileiro dos anos 1960 até hoje no livro “Frestas: a teorização em um país periférico”


Por Guilherme Freitas

Quando um dos filhos de Luiz Costa Lima tinha 6 anos, fez uma daquelas perguntas desconcertantes típicas da infância: “Pai, o que é ficção?” Mais tarde, enquanto fazia o desenho de um céu, concluiu por conta própria que ficção “é um sol que não dói no olho”. Costa Lima relembra essa história com gosto durante uma entrevista em casa, na Gávea, sobre seu novo livro, no qual repassa cinco décadas de uma carreira dedicada a investigar a natureza da literatura.
Em “Frestas: a teorização em um país periférico” (Contraponto), o crítico e professor emérito da PUC-Rio, de 76 anos, aponta territórios ainda por explorar em sua obra e revisita conceitos desenvolvidos em livros como “Mímesis: desafio ao pensamento” (Record), “O controle do imaginário e a afirmação do romance” e “A ficção e o poema” (Companhia das Letras), este premiado há poucos dias com o Jabuti de Teoria e Crítica Literária.
Além disso, o livro traz textos mais pessoais que traçam um panorama do meio intelectual brasileiro dos anos 1960 até hoje. Neles, Costa Lima narra sua expulsão da Universidade do Recife em 1964, por colaborar com o programa de alfabetização do educador Paulo Freire, visto como ameaça pelo regime militar. E reflete sobre os desafios da atividade intelectual à margem dos grandes centros e em tempos de “círculo vicioso de banalização” na universidade, no mercado editorial e na imprensa.
“Frestas” será lançado dia 25, na Travessa de Ipanema, junto com uma nova edição do primeiro livro de ficção do crítico, “Me chamo Lully” (7Letras), narrado do ponto de vista de sua cachorrinha de estimação.

Você abre o novo livro com uma epígrafe de Guimarães Rosa: “Narrar é resistir”. Como interpreta essa frase?

Para mim essa frase significa, em primeiro lugar, o que acrescento na mesma página: narrar é resistir “contra a decadência física e mental, a atração (como negá-la?) pelo efêmero”. O segundo significado, menos existencial e mais pessoal, é a resistência contra as frustrações de ser professor e escritor nos trópicos. Se você teoriza e escreve não apenas nos trópicos mas em língua portuguesa, sabe que seu raio de alcance é pequeno, sequer comparável ao de nossos vizinhos hispano-americanos, por exemplo. E há também a resistência a uma frustração política. Minha geração acreditava que a única coisa que faltava para o Brasil mudar por completo era o fim da ditadura. Linda ingenuidade. Então narrar é um gesto essencialmente positivo de resistência intelectual contra eventuais frustrações existenciais, pessoais e políticas.

Além das narrativas, a crítica literária também pode ter esse sentido de resistência?

A experiência nos ensina que não é fácil tentar teorizar em um país sem nenhuma tradição reflexiva, como o Brasil. Nossos intelectuais mais notórios ou têm alguma relação com a política (quando não são plenamente políticos) ou têm um reconhecimento que é como o vento que passa. Cito apenas um exemplo desse último caso: o padre Henrique Vaz, jesuíta de formação alemã que trabalhou por toda a vida em Belo Horizonte e morreu em 2002. Embora tenha publicado vários livros de qualidade sobre antropologia filosófica, história da filosofia e modernidade, nunca vi uma citação a ele em meus 30 anos de ensino na PUC. Poderia citar outros, como Gerd Bornheim, Benedito Nunes e José Américo Motta Pessanha, grandes pensadores brasileiros que ocuparam um lugar periférico dentro de um país periférico.

Mesmo nessa situação, os intelectuais que você cita criaram obras de relevo. Pode haver alguma vantagem nessa posição periférica?

Ser periférico é também uma forma de ver o mundo por outro ângulo. Se eu não vivesse onde vivi quase a vida toda, se não tivesse passado pela ditadura, talvez não tivesse chegado ao conceito de controle do imaginário. O grande exemplo da potência do olhar periférico é Sousândrade. Na década de 1870, quando se mudou para os Estados Unidos com a filha, ele viu o inferno de Wall Street e fez no poema “O guesa” uma crítica das relações capitalistas que é atual até hoje. Enxergou isso porque estava lá como figura marginal. E, por seu olhar e seu estilo, se tornou marginalizado no Brasil também.

Você disse que uma das desilusões da sua geração é o fato de o país não ter se transformado “por completo” depois da ditadura. “Frestas” repassa sua carreira do momento em que você foi expulso da Universidade do Recife pelo regime militar, em 1964, até hoje. Como mudou o ambiente intelectual do país nesse período?

O Brasil não tem tradição forte de debate intelectual, por vários motivos. Uma razão é que a universidade como grande centro de reflexão, uma tradição no Ocidente, é muito recente entre nós. Uma segunda razão é o analfabetismo generalizado. Fui posto fora da universidade pela ditadura porque trabalhava com o serviço de alfabetização de Paulo Freire, que, aliás, sofria oposição tanto da direita quanto do Partido Comunista. Penso que o problema hoje se alastrou, em vez de ter diminuído como apresentam as cifras oficiais, porque temos um analfabetismo alfabetizado, o que chamam de “analfabetismo funcional”. É um problema mais amplo do que se imagina, atinge até professores universitários. Uma terceira razão é que dentro da própria universidade há um círculo vicioso de banalização: o professor, que já chega mal preparado, sofre pressões para entregar uma informação simplificada ao aluno, que só quer um diploma para ter um emprego no qual seu analfabetismo funcional funcione. Um quarto motivo é nosso compadrio, que se estende ao meio acadêmico e prejudica o debate público, os concursos e o ensino.

Como fica a crítica nesse ambiente?

Muito mal. Decidi fazer uma súmula da carreira em “Frestas” também pelo temor de que seja cada vez mais difícil a publicação de um livro como esse no cenário presente do mercado editorial e da imprensa cultural no Brasil. O mercado expulsa de si tudo que tem algum grau de sofisticação intelectual, dando preferência a obras que se autodiluem, livros de divulgação e a ficção mais palatável. E os suplementos literários escasseiam. De certa forma, os mecanismos de restrição à crítica podem ser entendidos em uma escala política mais ampla. Há uma unanimidade na política brasileira, da esquerda à direita, de que educação e cultura são conversa de salão.
Em “Frestas”, você revê alguns dos principais temas a que se dedicou em cinco décadas de carreira, como sua teoria da mímesis e o conceito de controle do imaginário. Que conclusões tirou desse momento de reflexão sobre a própria obra?

Procurei apontar também aspectos ainda a desenvolver em meu trabalho, como o conceito de “ficção externa”, que associo a elementos ficcionais fora do circuito literário, desde o cálculo de probabilidades às formas de cumprimento mais banais, como quando perguntamos “como vai você?”, mesmo sem esperar uma resposta sincera. Mas, de fato, sintetizei conceitos-chave. O controle do imaginário, por exemplo, se observa quando a sociedade precisa separar no campo da expressão aquilo que é socializável do que não é. É diferente de censura, que supõe normas legais cuja infração acarreta punições. O controle é mais sofisticado, supõe a deslegitimação de tudo que procura se contrapor a um valor vigente, sem que esse valor precise ser explicitado.

E como definiria mímesis hoje ?

Desde que o conceito de mímesis aparece entre os gregos, com Aristóteles no século V a.C., até ser rejeitado pelo romantismo alemão no século XVIII, dá-se ênfase à semelhança da obra com a realidade. Mas mais importante que o vetor de semelhança é o de diferença, caso contrário a obra seria mera imitação da realidade. Então, uma definição possível é: mímesis artística supõe diferença sobre um fundo de semelhança. E dou-lhe o exemplo de como uma criança pode entender isso. Quando meu filho Henrique tinha 6 anos, ele perguntou: “pai, o que é ficção?” Pedi um tempo para responder. Quando voltei ele estava desenhando um sol, uma coisa redonda com uns raiozinhos no papel. Antes que eu começasse a explicar, ele mesmo concluiu: “Ah, isso que eu estou fazendo é ficção! Você viu que é um sol, mas não é um sol porque não dói no olho”.

Junto com “Frestas”, você lança uma nova edição de “Me chamo Lully”. O que esse livro significa para você?

Lully é como uma filha para nós, veio para cá com duas semanas e está com 10 anos. Um dia, depois de conversar com minha mulher sobre isso, chegamos a essa história em que há um aparelho capaz de traduzir o pensamento dos cães. Foi divertido, incluí muitas coisas da vida dela, mas outras totalmente inventadas.