quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Lupicínica

Amei
uma enfermeira do Salgado Filho,
paixão passageira, sem charme nem brilho,
roteiro batido, romance na tarde.
E aí, numa seresta na Dois de Dezembro,
me perguntaram por ela: "-Nem lembro...",
eu respondi com um sorriso covarde.
Ouvi - que bofetada! - "Morreu duas vezes.
Uma aqui e agora, a outra há seis meses".
Balbuciei: "-Morrida ou matada?"
"-Depende do seu conceito de assassinato.
Um pobre amor não é amor barato.
Quem fala de tudo não sabe de nada."
Na rua do Tijolo, bloco 5, aquele de esquina,
morou uma enfermeira com a chama vital de Ana Karenina.
Dirá um dodói que Tolstói era chuva demais pra tão pouca planta.
Ô trouxa, heroínas sem par podem brotar na Rússia ou lá em Água Santa...
Aquela mulher que dosava o soro nas veias dos agonizantes
não teve sequer um calmante pra dor sem remédio que aflige os amantes.
Por mais que a literatura celebre figuras em vã fantasia
ninguém foi mais nobre que a Pobre da Enfermaria.

(Aldir Blanc)

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