Não era muito de
sair à noite, precisava apaziguar as brigas do marido com o filho. O garoto,
como tantos universitários, resistia à vida adulta, criava birras em todo
espaço-tempo e gastava sem critério. Nos últimos meses, o grupo da dança flamenca
estava proporcionando algumas oportunidades de badalação.
Chegara ao curso
de verão pelas mãos das amigas do trabalho, deixou-se levar com certa
facilidade, para si mesma reafirmava o propósito de só fazer esse mês de aula.
O joelho não ia aguentar, não tinha ritmo. Os genes árabes a fizeram gostar da
dança, da música cigana com sua escala ascendente tão próxima de uma herança com
que nunca tinha entrado em contato. Ficou para mais um semestre, e outro.
Irene, a
professora, é uma jovem argentina que preferiu o flamenco. Ver a professora
dançar lança a turma numa certeza de não conseguir. No entanto, rápido se
aprende guiado pelos passos fragmentados em câmara lenta. Nota-se o esforço. Mais
fácil para ela dançar no ritmo certo. Não é problema errar, um pequeno acerto
sempre é valorizado, gerando a confiança de poder mais.
Naquela noite ia
assistir a uma apresentação de Irene com Davi, um bailarino cigano e argentino,
acompanhados por Antônio, um violonista brasileiro especializado em flamenco.
No céu, uma
faixa azul avermelhada ainda resistia enquanto a lua cheia surgia do outro
lado. Era uma casa do início do século XX numa transversal das Laranjeiras. O
pátio externo fora preparado para servir como auditório e bar. Toldo, mesinhas
de madeira de demolição, cadeiras de boteco, luz de velas, tablado numa
extremidade, mais cadeiras e poltronas na outra. As conversas regadas a cervejas artesanais
fluíam. As amigas do trabalho chegaram e foram sentar ao fundo, estava mais
fresco sem o toldo.
O baile começa. As
conversas passam a sussurros. Silêncio e Olés. Músicas cantadas e dançadas.
Aplausos. Danças alegres, sensuais, sapateado rápido que se integra a música
tocada. A dança produz som, o violão
cede o protagonismo, acompanha quase mudo. Logo o corpo se lança a novos movimentos
de braços, mãos, tronco, cabeça. Precisos, os pés marcam o compasso fazendo ritmo junto ao canto. A
energia dos bailarinos transparece em seus olhos, rostos, postura.
Iniciam uma
coreografia de solea, dança das mulheres que perdem seus filhos,
choram e exorcizam a dor com o corpo. Passos de revolta ao mesmo tempo de uma busca
possível de compreensão da tragédia. A narrativa toma os corpos em silêncio. Respiração
suspensa.
A turma da dança, amigos e famílias tornam-se
uma tribo em torno da fogueira, sob o céu de lua cheia. Como sempre se fez.
(Cynthia
Magluta)
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