"Décio era um extraordinário
poeta e pensador.
O maior poeta-inventor da minha
geração, e um dos maiores da literatura de língua portuguesa de todos os tempos.
Radical adversário da “geléia geral”, nunca recebeu prêmio algum por seu
trabalho.
Incomodava universidades e
academias.
Apesar de amplamente reconhecido
como um dos fundadores da poesia concreta, era muito mais do que isso e morre —
Oswald da minha geração — incompreendido e injustiçado como este.
Não me convence o pós-blablablá
de inimigos e pós-amigos de última hora que sempre hostilizaram a poesia de
ponta e agora põem a cabeça de fora. Lembro do que Maiakóvski escreveu sobre
Khliébnikov.
Onde estava essa gente enquanto
ele vivia?
O Brasil das sobras nem imagina o
que perdeu.
O filtro do tempo vai
ensinar."
Augusto de Campos, 2.12.2012
Textos revolucionários do paulista continuam a luzir entre os novos
LUIZ COSTA LIMA
Mesmo quando não é repentina, a
morte é sempre inesperada. Porque acreditamos que a morte é exclusividade dos
outros, temos por certo que os amigos não morrem. Sou por isso surpreendido
neste fim de tarde de um domingo abafado com a notícia da morte de Décio
Pignatari.
Havia quanto tempo que não o via?
Apenas de vez em quando tinha notícias suas, que confirmavam continuar o
irreverente que sempre foi.
Corro à estante à procura do
poema crítico-visual que marcou minha adolescência. Tenho a sorte de encontrar
com rapidez sua coletânea "Poesia pois É Poesia". Não sei se será
possível reproduzi-la. Se o for, tanto melhor.
Na dúvida, desdobro-a à minha
frente. Reproduz-se a nota de um dólar e, em lugar de o centro ser ocupado por
uma figura respeitável da história norte-americana, expõe-se a gravura de
Cristo com sua coroa de espinhos.
No verso da nota, aparece o mais
inesperado: em vez do nome "Cristo", tinha-se o cifrão de nossa
moeda, Cr, seguido pelo cifrão do dólar, com o "S" atravessado por
uma barra e, a seguir, "isto".
O nome próprio tornava-se o
símbolo de nossa dependência, tornada mais explícita e mais ampliada pela
complementação da frase "é a solução". O Cristo atualizado é um
Cristo de cifrões.
Não serei desonesto comigo mesmo
se disser que a solução crítico-poemática foi uma das minhas primeiras e mais
fortes amarras para minhas opções, tanto a política como a profissional.
Como a política? Não é preciso
esforço para esclarecer: é suficiente saber que fui o benjamim dos aposentados
pelo AI-1, de outubro de 1964.
Como a profissional? Aí sim, será
preciso esclarecer: a montagem parodística de Décio foi um dos meios pelos
quais soube que não queria empregar minha vida senão em conhecer e sempre mais
estudar a poesia.
Imediatamente, à montagem referida
aparecia a indicação "stèle pour vivre nº 4", trazendo abaixo
"mallarmé vietcong". Seguiam-se as combinações entre texto e imagem
-não esqueçamos que Décio foi um dos principais propagadores da semiologia
entre nós- que não posso reproduzir.
Delas apenas direi que
constituíam uma semiologia que o tempo acabou por desgastar. Acreditávamos que
o mundo podia ter outra face e que ela seria modelada pela poesia
revolucionária de Mallarmé e pela guerrilha, no caso a asiática.
O tempo se encarregou de mostrar
nosso engano e ainda nos concedeu que sobrevivêssemos. Mas, se o vietcong
desapareceu, os poetas revolucionários continuaram a luzir entre os novos.
Mas como novos então e agora?!
Será ilusório então dizer que ser novo não se confunde com uma etapa biológica?
Ao menos, quando o novo se converte em algo, por exemplo em texto, deixa de ser
uma exclusividade do biológico. Não é precisamente isso que nos faz pensar no
verso do próprio Décio, por mais que fosse parte de um poema intitulado
"Epitáfio"?
"Lento e fundo é o ar de
tuas tardes nos teus poros".
LUIZ COSTA LIMA é crítico
literário e professor emérito da PUC-Rio
Folha de S.Paulo, 4.12.2012
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