terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Décio Pignatari


"Décio era um extraordinário poeta e pensador.
O maior poeta-inventor da minha geração, e um dos maiores da literatura de língua portuguesa de todos os tempos. Radical adversário da “geléia geral”, nunca recebeu prêmio algum por seu trabalho.
Incomodava universidades e academias.
Apesar de amplamente reconhecido como um dos fundadores da poesia concreta, era muito mais do que isso e morre — Oswald da minha geração — incompreendido e injustiçado como este.
Não me convence o pós-blablablá de inimigos e pós-amigos de última hora que sempre hostilizaram a poesia de ponta e agora põem a cabeça de fora. Lembro do que Maiakóvski escreveu sobre Khliébnikov.
Onde estava essa gente enquanto ele vivia?
O Brasil das sobras nem imagina o que perdeu.
O filtro do tempo vai ensinar."

Augusto de Campos, 2.12.2012


Textos revolucionários do paulista continuam a luzir entre os novos

LUIZ COSTA LIMA

Mesmo quando não é repentina, a morte é sempre inesperada. Porque acreditamos que a morte é exclusividade dos outros, temos por certo que os amigos não morrem. Sou por isso surpreendido neste fim de tarde de um domingo abafado com a notícia da morte de Décio Pignatari.

Havia quanto tempo que não o via? Apenas de vez em quando tinha notícias suas, que confirmavam continuar o irreverente que sempre foi.

Corro à estante à procura do poema crítico-visual que marcou minha adolescência. Tenho a sorte de encontrar com rapidez sua coletânea "Poesia pois É Poesia". Não sei se será possível reproduzi-la. Se o for, tanto melhor.

Na dúvida, desdobro-a à minha frente. Reproduz-se a nota de um dólar e, em lugar de o centro ser ocupado por uma figura respeitável da história norte-americana, expõe-se a gravura de Cristo com sua coroa de espinhos.

No verso da nota, aparece o mais inesperado: em vez do nome "Cristo", tinha-se o cifrão de nossa moeda, Cr, seguido pelo cifrão do dólar, com o "S" atravessado por uma barra e, a seguir, "isto".

O nome próprio tornava-se o símbolo de nossa dependência, tornada mais explícita e mais ampliada pela complementação da frase "é a solução". O Cristo atualizado é um Cristo de cifrões.

Não serei desonesto comigo mesmo se disser que a solução crítico-poemática foi uma das minhas primeiras e mais fortes amarras para minhas opções, tanto a política como a profissional.

Como a política? Não é preciso esforço para esclarecer: é suficiente saber que fui o benjamim dos aposentados pelo AI-1, de outubro de 1964.

Como a profissional? Aí sim, será preciso esclarecer: a montagem parodística de Décio foi um dos meios pelos quais soube que não queria empregar minha vida senão em conhecer e sempre mais estudar a poesia.

Imediatamente, à montagem referida aparecia a indicação "stèle pour vivre nº 4", trazendo abaixo "mallarmé vietcong". Seguiam-se as combinações entre texto e imagem -não esqueçamos que Décio foi um dos principais propagadores da semiologia entre nós- que não posso reproduzir.

Delas apenas direi que constituíam uma semiologia que o tempo acabou por desgastar. Acreditávamos que o mundo podia ter outra face e que ela seria modelada pela poesia revolucionária de Mallarmé e pela guerrilha, no caso a asiática.

O tempo se encarregou de mostrar nosso engano e ainda nos concedeu que sobrevivêssemos. Mas, se o vietcong desapareceu, os poetas revolucionários continuaram a luzir entre os novos.

Mas como novos então e agora?! Será ilusório então dizer que ser novo não se confunde com uma etapa biológica? Ao menos, quando o novo se converte em algo, por exemplo em texto, deixa de ser uma exclusividade do biológico. Não é precisamente isso que nos faz pensar no verso do próprio Décio, por mais que fosse parte de um poema intitulado "Epitáfio"?

"Lento e fundo é o ar de tuas tardes nos teus poros".

LUIZ COSTA LIMA é crítico literário e professor emérito da PUC-Rio

Folha de S.Paulo, 4.12.2012

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