Lucidez do oco
Em 2004 publiquei o meu terceiro
livro – lucidez do oco – pela 7 Letras. O livro viria a ser reeditado pela
Editora TextoTerritório dez anos depois em 2014. São dez anos entre as duas
edições e dezesseis até hoje. Quer parecer-me que o livro resiste ao bombardeio
do tempo. Conto a seguir duas curiosidades acerca do livro.
O título do livro seria fotografia de
cadáveres; a editora tendo ponderado que um título desses seria mais
difícil de vender, fiz a troca do título primeiro pelo atual. Se o título, a
partir do qual o livro ficou editado, é um belo achado, perde o impacto
imediato das abordagens que o nortearam e que estava ligado às diversas partes
do livro e pelas perdas pessoais e anônimas que envolvem a morte próxima e
coletiva, além da morte cultural. Refiro-me á morte de minha mãe, à guerra do
Iraque e uma parte do livro em que a imaginação recria para pensar as mortes o
filme feito por Glauber Rocha, no enterro de Di Cavalcante, além da morte da
Minas drummondiana, em desminas.
Os dez anos que se seguiram à publicação do
livro foram anos de alguma esperança, melhora sensível na economia e alguma
estabilidade emocional. Havia um país a construir, embora as sombras do país
derruído em que se vive hoje já estivessem passeando sobre os cadáveres assassinados
do período anterior. Fosse no Iraque, com a guerra estúpida do Srs. Bushão e
Bushinho, fosse nos acontecimentos domésticos dos índios assassinados, dos
negros vilipendiados, das mulheres trabalhadoras identificadas à prostituição,
fosse nas concessões ao mercado, ao fortalecimento dos bancos.
As sombras sempre nos enovelam –
hoje mais que nunca. Figuras como as que detém o poder aqui e alhures são
execráveis, incultas e de péssimo caráter. Os seus gurus ideológicos, bestas
humanas. Os seus representantes imediatos, bufões de quinta categoria. Seus
seguidores, legião de incapazes. A esse grupo inumano interessa a morte, a
tortura, o desaparecimento do outro. Por isso riem como nem os idiotas
conseguem rir. Como ria Hermann Goering, na reunião com os empresários alemães
que financiaram a estupidez fascista e com ela se locupletaram para além da guerra.
Se a eles aprestava a fotografia
dos cadáveres, a lucidez do oco sobre a qual devemos nos debruçar se torna a
reflexão necessária deste esvaziamento a que a sociedade é submetida, deste
vender a alma que Klaus Mann retratou com ferocidade em Mephisto. Manter a
lucidez, mesmo que as ações recaiam sobre o vazio, permite não deixar que as
forças opressoras do humano se edifiquem em nós, nem como forma de desespero,
nem como forma de salvar a pele, pois de resto o que nos resta está no
persistir, para que possamos anunciar tempos mais justos, mais igualitários e
menos preconceituosos.
Meus mortos viverão através da
lucidez
(oswaldo martins)
Maravilha, Oswaldo! Lucidez vivíssima!!!
ResponderExcluirTem de ser, se não for soçobramos
ExcluirBeleza, Oswaldo!
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