terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Pilulinha 29


Beleza e tristeza, de Yasunari Kawabata, editado pela Estação Liberdade, em 2008, é um romance de construção ao mesmo tempo delicada e furiosa. A partir da criação dos diversos envolvimentos amorosos, o autor desenvolve uma trama em que os pequenos detalhes sobrevivem ao todo da narrativa. A sedução dos personagens ao se mesclar à sedução da narrativa cria um ambiente em que as pequenas perversões se desenvolve quase sem que se as perceba.

As pequenas descrições que tangem a mordida dada no dedo mínimo ou nos ombros de algum personagem vão se desenvolvendo ao largo das discussões “sérias” sobre a arte pictórica e a escrita do romance e com elas fazem um elo sutil, um desenho intenso disfarçado sobre a leveza do traço. A perversão nos romances de Kawabata está sempre presente – uma das mais belas formas de perversão aparece no não menos belo A casa das belas adormecidas – e a serviço da descoberta dos traços mínimos que se deslocam aos poucos até tomarem a forma difusa com que transtorna a própria narrativa, que se pensava se r sobre algo que não é.

Há, portanto, diversos níveis narrativos no romance do autor. Como uma escrita em palimpsesto, Kawabata mais esconde que mostra os traços vigorosos das personalidades humanas, os traços mais tênues e desumanos da solidão e do abandono. A maestria do autor permite que se leia Beleza e tristeza na duplicidade de uma suavidade colérica de que não escapam sequer os menos atentos leitores, presas desta narrativa que incomoda e faz vibrar de pavor e alegria a capacidade de compreensão de si mesmos e da realidade que os circunda.

(oswaldo martins)

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