domingo, 23 de setembro de 2012

A propósito de ações e declarações


Quando Aretino escreveu o I Modi, a partir das obras de Marcantonio Raimondi e Giuliano Romano, revelou o lugar da arte que lhe caberia no mundo moderno. Uma estranha metafísica se revelava ali. A construção da arte, que veio se chamar erótica, desde há muito, tinha seu estatuto formado, nos poemas fálicos do deus Priapo. Permitido o culto ao deus nos jardins gregos, os poemas pressupunham riqueza e capacidade de fecundação e de renovação. Demonizado na Idade Média pelo cristianismo, o corpo foi perdendo gradativamente seu lugar luminoso, de comércio entre os homens, e sendo despejado na vala dos pecados, das insurreições, do fora de ótica, das câmaras obscuras do leito privado.

Foi Aretino quem primeiro o retirou do limbo escuso da proibição, criando espaço para que dele se fizesse novamente luz, em tudo diferente do culto grego; embora a raiz última de suas evocações estivessem ligadas ao ressurgimento das poéticas greco-romanas, o que se lê no poeta italiano é uma visada que aponta para a modernidade e a dubiedade com que a modernidade irá tratar o corpo.

As contemporâneas formas de censura ao corpo e à desfaçatez, com ele se mostra nas ruas, têm sido a tônica deste mal começado século XXI. Aqui e ali o corpo é atingido por obuses conservadores que buscam redelimitar seu espaço. Às inovações da descoberta da asssunção do corpo feminino em meados do século XX correspondem as tentativas de controle do imaginário contemporâneo, através dos mecanismos institucionais e ideológicos que são as academias e escolas de variado vício e atraso.

Aqui e ali espocam ações que se coordenam numa visão conservadora da arte e da vida. No interior mineiro a proibição de circulação Dalton Trevisan, por pornográfico; no Rio de janeiro, a palestra de Jorge Coli tem sua transmissão interrompida quando a bela boceta de Coubert se torna o centro da exposição; outra vez em Minas, um conto de Ignácio de Loyola Brandão causa a demissão de mais um professor de literatura.

A infeliz, mas intencional, declaração da presidente da ABL vem confirmar algo de que suspeito já há algum tempo. A resistência ao obscurantismo que cerca este século pede uma atitude corajosa dos que se preocupam com a liberdade em seus aspectos gerais, mesmo porque nos ensina a história que, se a reação às forças desmotivadoras da alegria, da festa não se fizerem presentes de maneira contundente, não é só a poesia ou a arte que sucumbirá aos esquemas moralistas dos “donos das artes”, mas a própria capacidade de reagir às injustiças, à guetilização, ao extermínio e propaganda fascistas que irá por água abaixo.

É preciso que renasçam os corpos nus, os tão belos seios despidos como os que as moças mostram nas passeatas; que renasçam os artistas que têm como matéria a vida e a nudez da vida.

(Oswaldo Martins)

Um comentário:

  1. Oi, oswaldo! Gostei do resuma da hstoria da poesia erótica.Obrigada! Mas, daqui de longe, nano sei bem de que se trata. O que disse a AMMachado? Onde se encontram notícias sobre o fato? Qaundo foi e e em que situaçao? Abraço, Lidia

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