uma
bossa nova
disseram que a bíblia era um
grande sonho repetidamente interpretado em novos idiomas. pensei muito no
assunto e o assunto pensou muito em mim. nos tornamos um só e de tal forma que
agora quando falo nele sei que ninguém quer ouvir. difícil abordar uma pessoa
que cabe assim totalmente dentro de uma ideia. e hoje quando incomodei a
vizinha para pedir água gelada ela me olhou de cima a baixo e me perguntou por
que não conserto a geladeira. respondi que minha vida é um deserto que percorro
sozinho, só eu e este meu deus. sem falar nada ela me deu uma garrafa plástica,
cheia, e uma bandeja de gelo. que eu passasse o gelo na testa, disse, e jogasse
a água na cabeça para acordar daquele pesadelo. e riu. interpretei a cena como
um sinal. se ela que parece tão equilibrada acha que assim eu resolveria meus
impasses, então eu estou no caminho certo. mal posso esperar para ver as
estrelas no céu escuro e aberto, deitado na areia, costas no chão, olhos no
infinito. mas o que vejo mesmo, da janela do meu quarto, é uma nesga do mar. de
copacabana. neste momento, sei que
estamos juntos.
acerto
vigiava maravilhado as
pernas dela enfiadas dentro dos patins. na lagoa, as pessoas pareciam não notar
tanta beleza. ele ia a pé, de tênis, ela meio rápida com o equipamento que a
fazia deslizar com elegância expandida. o desafio, para ele, era acompanhar sua
velocidade. não era bonita. nem tinha a juventude de muitas outras ao seu
redor. suas pernas suscitavam uma inveja nele como nunca antes. sem serem
musculosas, impeliam o corpo para frente como se as montanhas e os prédios, os
carros, os barcos a remo, os quiosques, babás, pipas, vendedores ambulantes e
restaurantes fosse tudo criação sua, ou seja, dela. era uma deusa. e ele mal
conseguia acompanhar o que fazia. não que quisesse tocá-la, sabia que se o
fizesse tudo em volta se diluiria em desculpas e explicações. e não há nada
pior que encostar no avesso do seu espelho, ele um menino ainda, por dentro.
ela, o absoluto de uma quase terceira idade. ela o lembrava de uma professora
que nunca tinha tido por ter sido colocado na classe da sala ao lado. talvez
tivesse chegado a hora de entender como isso havia acontecido. lembrava agora
que as turmas eram divididas pelo sobrenome.
Muito bom! Adorei o ritmo , o desenrolar dos acontecimentos e a descricao dos cenarios...
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