Mariinha disse quando foi ao confessionário
da Igreja. O cônego era ser amigo já de alguma data. Com os proverbiais segredos
de alcova e sacristia, se entendiam às maravilhas. Se o padre dava a extrema-unção
e acalmava a consciência pesada das moças; Mariinha, a grande senhora, oferecia
de seus préstimos e de suas pupilas, é claro, para as pequenas obras da igreja
e era quem fazia a ceia do natal de jesus cristinho da casa paroquial.
Eram perus que não acabavam mais,
farofa de miúdos, rabanadas e, preferência do cônego, baba de moça, bem molhada.
O religioso se refastelava. Mariinha, que ali se introduzia com cuidado,
passando por uma porta lateral e vestida à moda de então, capa de boiadeiro e
chapéu, se via na condução da cozinha enquanto era pronunciada a missa da
meia-noite. Quando o padre – solitário – voltava tudo estava pronto e Mariinha
já voltara para sua casa onde presidiria o natal dos desertados da cidade. Deixava
apenas uma das suas moças para servir a janta do clérigo.
Tantos foram os natais em que a
cena se repetira que foram aos poucos se descuidando e como era inevitável
cruzaram-se o cônego e Mariinha, nas antessalas da casa. Meio atrapalhados, os
dois se cumprimentaram e travaram um pequeno diálogo sobre seus negócios. Como
estavam bem se despediram e foram cada um a cumprir o papel que lhes cabia.
Quando já morto o cônego e Mariinha
envelhecida, em uma consulta, me contou que, na famigerada noite, a frase que o
padre soltara quase ao acaso e que lhe ficara na cabeça durante anos foi como
uma absolvição de seus pecados. Circunspecto dissera “você sabe, Mariinha, que,
neste mundo de Deus, a única coisa que dá mais que minha paróquia é sua casa e
suas meninas”.
Levantou-se, despediu-se e me
disse com a cara mais santa que podia “hoje, Doutor, eu pago a consulta, o que,
sem dúvida, não aceitei”.
(Oswaldo Martins)
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