sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Mariinha, o cônego e o doutor


Mariinha disse quando foi ao confessionário da Igreja. O cônego era ser amigo já de alguma data. Com os proverbiais segredos de alcova e sacristia, se entendiam às maravilhas. Se o padre dava a extrema-unção e acalmava a consciência pesada das moças; Mariinha, a grande senhora, oferecia de seus préstimos e de suas pupilas, é claro, para as pequenas obras da igreja e era quem fazia a ceia do natal de jesus cristinho da casa paroquial.

Eram perus que não acabavam mais, farofa de miúdos, rabanadas e, preferência do cônego, baba de moça, bem molhada. O religioso se refastelava. Mariinha, que ali se introduzia com cuidado, passando por uma porta lateral e vestida à moda de então, capa de boiadeiro e chapéu, se via na condução da cozinha enquanto era pronunciada a missa da meia-noite. Quando o padre – solitário – voltava tudo estava pronto e Mariinha já voltara para sua casa onde presidiria o natal dos desertados da cidade. Deixava apenas uma das suas moças para servir a janta do clérigo.

Tantos foram os natais em que a cena se repetira que foram aos poucos se descuidando e como era inevitável cruzaram-se o cônego e Mariinha, nas antessalas da casa. Meio atrapalhados, os dois se cumprimentaram e travaram um pequeno diálogo sobre seus negócios. Como estavam bem se despediram e foram cada um a cumprir o papel que lhes cabia.

Quando já morto o cônego e Mariinha envelhecida, em uma consulta, me contou que, na famigerada noite, a frase que o padre soltara quase ao acaso e que lhe ficara na cabeça durante anos foi como uma absolvição de seus pecados. Circunspecto dissera “você sabe, Mariinha, que, neste mundo de Deus, a única coisa que dá mais que minha paróquia é sua casa e suas meninas”.

Levantou-se, despediu-se e me disse com a cara mais santa que podia “hoje, Doutor, eu pago a consulta, o que, sem dúvida, não aceitei”.


(Oswaldo Martins)

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