quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O novo romance brasileiro



João Guimarães Rosa, ao escrever Grande Sertões: Veredas, revisita toda a tradição brasileira do romance regional, que se inicia com Alencar, passa pelo Realismo, pelo Sertões, de Euclides, e pela tradição regionalista de 30. A obra do escritor mineiro é ao mesmo tempo o ápice e a sepultura de toda esta tradição, de toda uma linguagem. O sertão, que está em toda parte, se faz mundo, se faz universo e se insere nos voos que a literatura pós-roseana alça.
Machamba, da escritora Gisele Mirabai, alça seu voo após a lição de Rosa, isto é, o que há de sertão no romance se coloca como destituição, vazio a ser preenchido pelas vicissitudes de uma personagem que deve conviver com a morte deste sertão, por isso ele é uma presença ausente em toda a narrativa. Uma lembrança que se necessita confrontar.
As linhas buscadas pela narrativa levam-na dos belos horizontes à busca incessante de outros horizontes nos quais se encontra a bifurcação dos amores perdidos, desde a África até as civilizações antigas. O mundo se divide, nas andanças da personagem, entre o mundo comezinho das palavras e vivências diárias ao mundo vasto, vasto mundo, em que se navega, sem se saber porque, pelas esferas universais a abeirarem-se da percepção do sublime proposta por Kant.
Como um tiro no peito, ou o peso das patas de um boi no centro do coração, Machamba se propõe discutir essa linha obscura que nem as ciências, nem os juízos, são capazes de entender e que apenas a linguagem desprovida de significado neste mundo pequeno pode-se revelar como entendimento através do silêncio, um silêncio tanto mais curioso por ser ele, o silêncio, quem narra o mundo denominado grande e por isso inatingível.
As narrativas, em geral muito precárias no Brasil, em todos os tempos, excetuando aqui e ali um Machado, um Graciliano, um Cornélio Pena, um Rosa, sempre contaram demais, permitindo ao leitor pouca margem de leitura, e com isso fazendo com que o romance fosse uma dadivosa aula enciclopédica, como em Apesar de dependente, universal, nos alerta Silviano Santiago, esse grande outro grande prosador de nossos dias. São, diríamos com Gisele, narrativas do mundo pequeno.
Em Machamba esse enciclopedismo, aprendido do pai, está no romance como rota de fuga, como a ironia constituidora dos sentidos a não serem alcançados ou por impossíveis ou, melhor hipótese, porque impedem ao leitor as facilidades de um mundo fechado e autocentrado, como soem ser as narrativas da chamada auto-ficção. Os sentidos, se os há, estão em outro lugar. Só será capaz de alcançá-los o leitor que responder ao convite sutil à reflexão feito pela narrativa deste belo romance.

(oswaldo martins)

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