Tema atravessa
séculos
Não é de hoje que a humanidade
busca refúgio para seus mais íntimos desejos sexuais. Essa prática atravessa os
séculos e, volta e meia, retorna à roda das discussões. Os escritos libertinos de
Safo, Catulo e Marcial já deixaram muita gente escandalizada. “Sempre existiu o
erotismo. Há clássicos da literatura chinesa, latina e grega, além de cantigas
portuguesas medievais, que enfocavam isso”, afirma Affonso Romano. No início vinculado
ao belo, com a entrada da modernidade, esse gênero tornou-se tabu, mesmo no meio
literário, conforme assegura o poeta mineiro e pesquisador da poesia erótica do
dramaturgo italiano Aretino, Oswaldo Martins. “A arte moderna dará a esse
gênero o estatuto de coisa desvinculada do processo geral da literatura. Nesse
sentido, o que se produz como arte erótica hoje é pífio, tanto nos conteúdos
que abarcam, quanto na forma em que é escrita.”
Em 2008, atuando como professor, Oswaldo foi demitido de uma
escola no Rio de Janeiro por escrever poesias com conteúdos sexuais. “Do erótico,
compartilham os humores corporais, as fezes, a urina, o sêmen. Nada menos
erótico que a nudez permitida hoje em nossas ‘Playboys’ e nas dançarinas do
Faustão. Todos os corpos são muito limpinhos. Essa limpeza acontece também em
certa literatura que se faz hoje e que recebe a rubrica de erótica.”
Indo além na discussão, Affonso
Romano distingue os anos 1960, com a descoberta da pílula e da liberação
sexual, como um marco que transformou a expressão libidinosa, que era exceção,
segundo ele, em prática comum. “No caso brasileiro, surgiu uma temática nova do
erotismo com poetas se declarando homossexuais. Não é mais como no tempo de
Mário de Andrade e Fernando Pessoa, que tiveram que esconder sua opção sexual.
Pelo contrário, ser gay passou a ser um trunfo”, observa. “Além disso, ocorre hoje
em dia uma ideologia que se chama pós-moderna. Não há mais valores, nem
hierarquia e nem gêneros tradicionais. Não só poesias, contos e romances se
misturam, como entre o masculino e o feminino surgiram várias gradações”, complementa.
Mesmo não enxergando um boom para a literatura erótica, Oswaldo Martins credita
às forças conservadoras a grande popularidade dos textos devassos,
atualmente. “Ao dar relevo moralista
ao que se escreve, acabam permitindo uma ampliação midiática de um certo
erótico não permitido”, ressalta o poeta.
Grito de
independência
Até bem pouco tempo, à mulher não
era dada a liberdade de exprimir seus sentimentos mais recônditos. A algumas, o
contato com as obras literárias chegava a ser ilícito, como é o caso da
personagem Malvina de “Gabriela” – obra de Jorge Amado, que ganhou o formato
televisivo pela Globo. A contragosto do pai e da sociedade machista, a mocinha
se debruça na leitura de obras como “O crime do padre Amaro”, de Eça de Queirós.
“A arte erótica sempre foi delimitada ao universo masculino. Com as novas configurações
sociais, as mulheres também passaram a escrever e reivindicar seu lugar”,
destaca Oswaldo.
Na visão de Affonso Romano, está
confirmado que os textos de Machado de Assis demonstram que o grande público
leitor é feminino, o que justifica títulos como “Cinquenta tons de cinza”. De
acordo com ele, essa obra pertence a uma categoria de permissividade para as
donas de casa. “É como se elas estivessem dizendo para os homens que elas
também têm direito ao orgasmo”, alerta o escritor. “Como sabemos, essas
mulheres frequentam lojas de materiais eróticos e recebem esses acessórios, desinibidamente,
pelos Correios. O que essas séries estão
fazendo é oficializar, de uma certa maneira, o liberou
geral”, atesta Affonso Romano.
(Marisa Loures, Tribuna de Minas em 04/11/1960
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