terça-feira, 6 de novembro de 2012

Entrevista concedida ao Jornal Tribuna de Minas, em 04/12/2012


Tema atravessa séculos

Não é de hoje que a humanidade busca refúgio para seus mais íntimos desejos sexuais. Essa prática atravessa os séculos e, volta e meia, retorna à roda das discussões. Os escritos libertinos de Safo, Catulo e Marcial já deixaram muita gente escandalizada. “Sempre existiu o erotismo. Há clássicos da literatura chinesa, latina e grega, além de cantigas portuguesas medievais, que enfocavam isso”, afirma Affonso Romano. No início vinculado ao belo, com a entrada da modernidade, esse gênero tornou-se tabu, mesmo no meio literário, conforme assegura o poeta mineiro e pesquisador da poesia erótica do dramaturgo italiano Aretino, Oswaldo Martins. “A arte moderna dará a esse gênero o estatuto de coisa desvinculada do processo geral da literatura. Nesse sentido, o que se produz como arte erótica hoje é pífio, tanto nos conteúdos que abarcam, quanto na forma em que é escrita.”

Em 2008, atuando como professor, Oswaldo foi demitido de uma escola no Rio de Janeiro por escrever poesias com conteúdos sexuais. “Do erótico, compartilham os humores corporais, as fezes, a urina, o sêmen. Nada menos erótico que a nudez permitida hoje em nossas ‘Playboys’ e nas dançarinas do Faustão. Todos os corpos são muito limpinhos. Essa limpeza acontece também em certa literatura que se faz hoje e que recebe a rubrica de erótica.”

Indo além na discussão, Affonso Romano distingue os anos 1960, com a descoberta da pílula e da liberação sexual, como um marco que transformou a expressão libidinosa, que era exceção, segundo ele, em prática comum. “No caso brasileiro, surgiu uma temática nova do erotismo com poetas se declarando homossexuais. Não é mais como no tempo de Mário de Andrade e Fernando Pessoa, que tiveram que esconder sua opção sexual. Pelo contrário, ser gay passou a ser um trunfo”, observa. “Além disso, ocorre hoje em dia uma ideologia que se chama pós-moderna. Não há mais valores, nem hierarquia e nem gêneros tradicionais. Não só poesias, contos e romances se misturam, como entre o masculino e o feminino surgiram várias gradações”, complementa. Mesmo não enxergando um boom para a literatura erótica, Oswaldo Martins credita às forças conservadoras a grande popularidade dos textos devassos,
atualmente. “Ao dar relevo moralista ao que se escreve, acabam permitindo uma ampliação midiática de um certo erótico não permitido”, ressalta o poeta.

Grito de independência

Até bem pouco tempo, à mulher não era dada a liberdade de exprimir seus sentimentos mais recônditos. A algumas, o contato com as obras literárias chegava a ser ilícito, como é o caso da personagem Malvina de “Gabriela” – obra de Jorge Amado, que ganhou o formato televisivo pela Globo. A contragosto do pai e da sociedade machista, a mocinha se debruça na leitura de obras como “O crime do padre Amaro”, de Eça de Queirós. “A arte erótica sempre foi delimitada ao universo masculino. Com as novas configurações sociais, as mulheres também passaram a escrever e reivindicar seu lugar”, destaca Oswaldo.

Na visão de Affonso Romano, está confirmado que os textos de Machado de Assis demonstram que o grande público leitor é feminino, o que justifica títulos como “Cinquenta tons de cinza”. De acordo com ele, essa obra pertence a uma categoria de permissividade para as donas de casa. “É como se elas estivessem dizendo para os homens que elas também têm direito ao orgasmo”, alerta o escritor. “Como sabemos, essas mulheres frequentam lojas de materiais eróticos e recebem esses acessórios, desinibidamente, pelos Correios. O que essas séries estão
fazendo é oficializar, de uma certa maneira, o liberou geral”, atesta Affonso Romano.

(Marisa Loures, Tribuna de Minas em 04/11/1960

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