Tribuna da Imprensa - Para
colocar ainda mais lenha no aceso debate político-ideológico que se trava no Blog
da Tribuna, vamos publicar os principais trechos de uma instigante entrevista
concedida à jornalista Joana Tavares, do Brasil de Fato, pelo crítico literário,
professor, sociólogo, militante Antonio Candido. Com extraordinária lucidez e
precisão, ele explica a sua concepção de socialismo, que diz ser uma doutrina
triunfante, partindo para uma tese surpreendente e inovadora. A entrevista nos
foi enviada por Sergio Caldieri, diretor do Sindicato dos Jornalistas do Rio de
Janeiro.
Brasil de Fato – O que o senhor
lê hoje em dia?
Antonio Candido – Eu releio.
História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo.
Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard
Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia
que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso
terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade
sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias
como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não
fizer essa luta, você cai no inferno.
Brasil de Fato – O senhor é
socialista?
Antonio Candido – Ah, claro,
inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente
triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do
capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que
era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e
eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a
indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as
tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o
criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo
democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo
isso. Esse pessoal começou a lutar para o operário não ser mais chicoteado,
depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais
que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os
trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje
são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico,
industrial, ele disse: “O senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face
humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na
mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre
miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem
limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas
e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você
descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato,
não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí
não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face
humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e
sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é
conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.
Brasil de Fato – Por quê?
Antonio Candido – Virou
capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo
deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo
lugar.
Brasil de Fato – O socialismo,
como luta dos trabalhadores?
Antonio Candido – O socialismo
como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de
igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto, ele é uma
doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas
têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer.
Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um
nível de vida melhor para o trabalhador.
Brasil de Fato –Para o senhor é
possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?
Antonio Candido – Estou pensando
mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença
maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa
que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser
o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas
reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica,
não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar
a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a
produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se
suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição
econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de
alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode
resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida.
Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a
gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade
econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São
Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador
rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar
apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.
Brasil de Fato – O que o
socialismo conseguiu no mundo de avanços?
Antonio Candido – O socialismo é
o cavalo de Troia dentro do capitalismo. No comunismo tem muito fanatismo,
enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final
fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu
era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito
– era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema
esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a
média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não
foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a
religião faz isso. Mas faz isso para os que são adeptos dela, o socialismo faz
isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está
embebido de socialismo.
Uau! Obrigada, Oswaldo!
ResponderExcluirBjs,
Luciana
Beleza, não?
ResponderExcluirBeijos.