quarta-feira, 28 de outubro de 2020

CARIBE Elie Stephenson - poeta da Guiana Francesa


Aquarelas de ilhas

colunatas de montanhas ruidosas

à

ao chamado de sua pele

sol vanguarda                                                       

rios

de açúcar de cana

de sangue.

Abençoaremos

a fruta-pão o inhame e a banana

nas festas populares

e a dança dos terreiros...

Caribe... eu não sei

o sabor de seu suor

mas eu ouço

a fome que me anima.

 

(Elie Stephenson)


terça-feira, 27 de outubro de 2020

Fernando Cazón Vera - Poesia equatoriana

 

MANICÔMIO 1962

 

Os loucos se diplomaram:

de Napoleão o primeiro,

a mais bela de Ofélia,

e o orate maior

chegou a ser General

depois de vencer os seus moinhos.

 

O mais humilde formou-se em cachorro.

 

Outro chegou a ser nuvem

para poder beijar a girafa.         

 

Mas, coisa estranha,

mesmo sendo possível,

ninguém quis ser Deus.

 

*

 

MANICOMIO 1962

 

Los locos se graduaron:

de Napoleón el uno,

la más bella de Ofélia

y el orate mayor

llegó a ser General

después de derrotar a sus molinos.

 

El más humilde se graduó de perro.


Outro llegó a ser nube

para poder besar a la jirafa.

 

Pero, cosa rara,

habiéndolo podido,

nadie quiso ser Dios.

 

(Fernando Cazón Vera - Tradução de Antonio Miranda)

Antonico, Ismael Silva


 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Dolores Veintimilla de Galindo (1821-1857) Poeta equatoriana

Menos bela que você, Carmela minha,

mando esta rosa, enfeite para tua cabeleira;

no prado eu mesmo a colhera

e com carinho de alma ainda a envio.

Quando seca e murcha morrer um dia

não a atires, por Deus, à ribeira

guarda-a como lembrança lisonjeira

da doce amizade que nos unia.

 

(Dolores Veintimilla de Galindo)


domingo, 25 de outubro de 2020

FLA-FLUS DA LITERATURA – GRANDES CLÁSSICOS: 

PATATIVA DO ASSARÉ 




 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Maria Pawlikowska-Jasnorzewska

A linhagem da bruxa

 

A todos juro amor eterno:

pardas campânulas da loucura, beladona tresmalhada,

coruja, lua nova, sapo, bufo-real e hiena;

tabaco de cor deslavada

e sombria cicuta que o sabugueiro armazena.

Eu, bruxa sem vassoura,

de coração chamuscado,

saudosa de um pobre demo afastado,

fitando o mundo como uma bola de cristal,

amo-te e acolho-te no meu coração leal,

linhagem de bruxa e de maga,

suspeita, desconfiada, amada...


A fogueira

Agarraste-me pela tempestiva cabeleira,

meu mestre do fogo!

Com os teus braços que nem cordas

amarraste ao coração uma fogueira.

Desforram-se as magias e os feitiços!

Ah, não há quem estenda a mão!

O dia ardeu cedendo à noite de carvão,

por entre faíscas e bulícios.

 

Trad. Teresa Fernandes Swiatkiewicz 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Yolany Martínez - poeta hondurenha

 

Bocejar.

meu corpo estrangula

a cama ainda feita, sem pecado

 

Tudo em seu lugar

menos você

 

Horas perdidas

juntos

desde minha calcinha

até meus pressupostos

 

Uma parede ameaça

A garrafa emudece, derramada pelo canto

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

mulheres e sertão

 1

 

as casas cuja densidade

cegou os olhos de orfeu

cavam na desdita o céu

opaco a vagar cidades

 

seus percalços já distam

peri-canto das amadas

surdas orfeu, o danado

açor dos fados cisma

 

abutre sobre o corpo

sua dor ao bico leva

sobe o risco escalavrado

 

à queda em dissabor

do canto cala ceva

de eurídice a ossada

 

(oswaldo martins)

SONETOS A ORFEU (II.12)

Anseia pela mudança. Celebra a chama,

ainda que algo do novo se perca na transformação;

o gênio, mestre dos misteres terrestres, só ama,

na dança, o ponto de mutação.

 

Já é pedra quem estagnado se mantém;

supõe-se protegido quando em cinza se disfarça.

Aguarda: mais duro que o ferro é o aço quem vem do além.

Cuidado - o martelo ausente ameaça!

 

Quem como fonte flui, vem à luz pela percepção;

ela o conduz, feliz, pela criação serenada

que, às vezes, nasce no fim e finda no nascimento.

 

Todo tempo feliz é filho ou neto de separação,

que, pasmos, percorrem. E Dafne, transformada

em loureiro, deseja que te transformes em vento.

 

(RAINER MARIA RILKE - Tradução: Karlos Rischbieter e Paulo Garfunkel)

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O poema de Lawrence Ferlinghetti

 

1

 

Nas melhores cenas de Goya parece que vemos
                                                     as pessoas do mundo
         no exato momento em que
                          pela primeira vez elas ganharam o título
                                                        de ‘humanidade sofredora’

                         Tais pessoas se contorcem na página
                                                       num verdadeiro acesso
                                                                      de adversidade
         Amontoadas
                           gemendo com bebês e baionetas
                                             sob um céu de cimento
        pela paisagem abstrata de árvores bombardeadas
                        estátuas decaídas asas bicos de morcegos
                                                            patíbulos escorregadios
                                             cadáveres galos carnívoros
        monstros finais berrantes todos
                          da
                                        ‘imaginação do desastre’
         tão danados de reais
                                         que até parece que ainda existem
         E existem mesmo
                           Só mudou a paisagem

Todos continuam em fila nas estradas que estão
         infestadas de legionários
         falsos moinhos de vento e grandes galos dementes

E são aquelas mesmas pessoas
                                              apenas mais distantes de casa
        e em estradonas de cinquenta pistas
                         num continente de concreto
                                      demarcado por pencas de cartazes
        que ilustram ilusões imbecis de felicidade
A cena mostra menos carretas para a forca.

 

(Lawrence Ferlinghetti trad. Leonardo Fróes)

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Dora Sampaio - Três poemas de Olho empírico - leitura dos poemas

sermão bruto


num mundo onde naufragam

os corpos abrasados

encontro

boas razões

para o comércio da língua incerta


talvez por dilatar

com avidez

os destroços da não-poesia

e dos seus habitantes


é dificultoso assegurar

pensamentos levantados

na véspera de males


bom e vário acidente

é hospedar sertão e comédia


*


meu lho

é capaz de fazer apenas

miúdas medições

fracas abreviaturas da

índole do mundo


uma natureza competente

para boas confissões e

grandes imposturas


senhor de uma

adesão quase corporal

ao que é pequeno

prefere o sexo

linguístico

e a gentilidade pós-brasílica


*


o plano perfeito


um corpo homenageia o

drama

a sua geometria sólida

e servil


a intenção é honrosa

porque examina para entender

investiga para soletrar

a incerteza do equilíbrio

do cansaço

e de outras formas imprevistas

de existir


(Dora Sampaio)