sexta-feira, 5 de maio de 2017

Sobre JULIETA, de Almodóvar (2016)

Protagonista de nome shakespeareano, professora de literatura clássica, a Julieta de Almodóvar vive fado vertente de viagem de trem e mortes - de um viajante suicida e do pescador e amante. Mortes trágicas, sem mais. Provém, se mais houver, alguma coisa de relatos de língua inglesa da autoria de Alice Munro, contista canadense e Nobel de Literatura em 2013.

Disse o diretor a Elsa Fernández-Santos (El País, Brasil, 19mar2016) que restou dos relato de Munro aquilo que se dá no trem.

O que há de mais é a própria fatalidade de defrontar-se num trem com um suicida desconhecido e de se ligar no mesmo trem a um pescador que morrerá numa tormenta marinha, assim que sua infidelidade é desnudada por Julieta. 

O desencontro da filha, a trama da governanta e a existência de Ava, amante do pescador, são dados sobre as mulheres que compõem a rede. A governanta e Ava afastam Julieta da filha, direta e indiretamente. 

Julieta madura, que escreve uma carta a sua única filha cujo endereço desconhece, permite a nós, plateia, sabermos de toda a estória filmada.

Julieta madura recusa-se a ir viver em Portugal com o namorado escritor que, ao fim, ao contrário do drama com Romeu, salva-a da morte e da solidão.

Julieta jovem é abatida pela morte do pescador e pelo distanciamento da filha. Ava perde o amante pescador e aparece abatida pelo desfecho trágico.
A governanta arquiteta a trama que separa, como um fado, mãe de filha, mas é abatida pela morte do pescador a quem se dedicava.

Morrem dois homens - um na viagem de trem, outro em viagem de barco em tempestade. Abatem-se a dedicada governanta, a pesquisadora clássica e a escultora Ava, que morre dessa tristeza. Ninguém chora, porque não há condições para lágrimas, restando o abatimento das personagens femininas restantes como pretendia Almodóvar no mais seco de seus dramas, segundo Elsa Fernández-Santos na fonte citada.

Uma estrada e um horizonte na cordilheira dos Pireneus suavizam toda a aridez.

Cláudio Correia Leitão

Um comentário:

  1. Eu li apenas Falsos Segredos, de Alice Munro.Foi o suficiente para me apaixonar pela narrativa que se sustenta com o inesperado. Uma beleza. O texto de Claudio Leitão poderia nos brindar com um aprofundamento maior da análise das relações entre Munro e Almodóvar. Duas estrelas a mostrar não o que a vida é, mas a possibilidade do que ela pode vir a ser.


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