A gagueira do violão de Nelson
Cavaquinho, no Rei Vagabundo, me encanta
toda vez que escuto a música; me ensinam poesia e o corte do verso os versos do
Sempre Mangueira. Em que pese a
sonoridade ão/ão dos 2º e 4º versos, o que dizem é tão preciso, tão perfeitos
na percepção do fazer poético que poderia dizer, parodiando Manuel Bandeira,
que, em relação ao verso de Chão de Estrelas – Tu pisavas nos astros distráida –
dizia serem o mais bem acabado decassílabo da língua portuguesa, é a lição de construção
poética mais intensa a que poderia chegar nosso cancioneiro.
Senão, vejam.
Os dois primeiros versos “Os versos
de Mangueira são modesto / Mas há sempre força de expressão” trazem um
pensamento antitético que localizam o fazer poético na amplitude de dois contrários
que se adequam. A modéstia e a força. Houvesse a poesia brasileira seguido os conselhos
do encanecido menestrel, não estaria presa aos vazios do nada dizer – que assombra
boa parte dos leitores. Os versos seguintes “Nossos barracos são castelos / Em
nossa imaginação” são sublimes por realizarem no plano do factual o que se
propunha teoricamente.
Tomada a imaginação como índice
da força de expressão, e os castelos como correlatos da modéstia, Nelson
Cavaquinho realiza, para além da simples expressão corriqueira do redizer o já
visto da linguagem cotidiana, uma suspensão no modo de se compreender o mundo e
a formulação do próprio trabalho com a linguagem. As inversões se tornam tão
renhidas e absolutas que o leitor/ouvinte deve saber que está frente a um caso
único de sensibilidade poética. A daqueles que têm no saber da vida o sabor da
linguagem e com elas fazem maravilhas.
(oswaldo martins)
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